O consumo de psicoestimulantes por concurseiros e universitários vem crescendo no País. Sem diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), jovens têm recorrido a remédios como Ritalina e Venvanse para aumentar o foco e a resistência durante os períodos de estudo e provas. Um levantamento feito pelo Estado com 12 neurologistas e psiquiatras aponta uma alta estimada entre 70% e 100% nos últimos dois anos, com base na quantidade de pedidos de receitas. Um dos médicos, inclusive, tem como prática indicar essas drogas – vendidas apenas com prescrição – para quem deseja passar no vestibular, em concursos ou finalizar trabalhos acadêmicos.
As ‘smart drugs’ vêm sendo procuradas por elevarem a sensação de concentração e reduzirem o sono, além da ideia de que podem melhorar o rendimento nas provas. Derivada de anfetaminas, a Ritalina age no sistema nervoso aumentando a concentração de dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer. O efeito é semelhante, em menor nível, ao de substâncias como a cocaína.
“Quando você usa Ritalina, o aumento de dopamina é brutal. Assim que o nível da substância cai, o que você mais quer é outra dose”, diz a professora Maria Aparecida Moysés, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Isso faz com que a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) desaconselhe o uso recreativo do medicamento.
Na busca por efeitos mais fortes, o advogado Fernando Martins, de 25 anos, migrou para o Venvanse. As reações adversas, no entanto, o fizeram voltar à Ritalina. “Não tive o diagnóstico (de TDAH). Eu só pedia para o médico, ele me passava a receita e eu comprava.” Martins começou a usar psicoestimulantes há quatro anos, esporadicamente, por indicação de uma prima. Mas o consumo passou a ser diário com a proximidade do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na época, consumia dois comprimidos pela manhã e outros dois à tarde. “Ficava agitado com o estimulante, então tomava ansiolítico para relaxar”, diz. Além da excitação, a Ritalina pode provocar taquicardia, insônia e aumento da pressão arterial.
Apesar dos riscos, a estudante de Medicina Marina, 22, que não quis revelar o sobrenome, começou a consumir a substância para ficar mais tempo acordada. “Nessa rotina de viver estudando, eu ficava muito cansada, mas, quando tomava, me sentia mais ativa, com menos sono”, diz. Foi um amigo do curso pré-vestibular que repassou pela primeira vez. “É muito comum em pessoas da minha idade e é até mais aceito, por ser uma droga usada para estudar.”
A sensação de concentração, no entanto, se dá pela redução da capacidade de focar em diferentes atividades. Com a atenção direcionada para uma única tarefa, há uma chance maior de executá-la de modo contínuo. “Mas não significa que ficará mais inteligente. O perigo reside no fato de que a pessoa perde a capacidade de questionar”, diz a professora Maria Aparecida.
Em nota, a Novartis Brasil, produtora da ritalina no País, afirmou repudiar o uso indevido do remédio e enfatiza que o medicamento deve ser utilizado somente conforme as indicações na bula e mediante a prescrição de um médico. Até o fechamento dessa edição, a Shire Farmacêitca, responsável pela produção do venvanse, não se pronunciou.
O neurologista Marcello Prates acompanha 50 pessoas que usam Venvanse na preparação para o vestibular. “Nunca tive paciente com dependência química. O que pode acontecer é dependência psicológica, quando a pessoa passa a acreditar que só consegue estudar caso tome o remédio.”
A prática, entretanto, é condenada pela ABP, que considera infração ética grave a prescrição para pessoas sem diagnóstico psiquiátrico. “Isso deve ser denunciado aos conselhos Regional e Federal de Medicina”, informou a ABP, em nota.