Ele é o melhor amigo, o companheiro nas horas difíceis e está sempre por perto. Os mais de 1,3 milhão de fãs no Facebook confirmam que ele é o remédio mais popular do Brasil. No começo dos anos 2000, já figurava no noticiário como um dos medicamentos mais vendidos no País. Com a popularidade em ascensão, deixou para trás remédios centenários, como a Aspirina, ganhou força entre os brasileiros e criou uma nova onda de consumo: a “febre” Dorflex.
Nos últimos cinco anos, ele esteve entre os dez medicamentos mais vendidos e, entre 2013 e 2016, pulou da nona para a quinta posição no ranking da QuintilesIMS. O sucesso do Dorflex está nos princípios ativos de ação rápida e, em parte, na publicidade bem direcionada. Como todo remédio, porém, o uso abusivo é perigoso.
Quando utilizado para um problema que não é indicado, ele anula os efeitos e cria um ciclo vicioso de dor intensa e consumo excessivo. Na mesma página virtual em que muitos confessam um relacionamento fiel e duradouro com o remédio, outros alertam para o “perigo escondido em um comprimido inocente”.
A neurologista Thais Villa, chefe do Setor de Investigação e Tratamento das Cefaleias da Unifesp, diz que o tipo de analgésico consumido varia conforme a classe social, mas confirma: a “febre” Dorflex existe. “Remédios combinados tendem a ser os preferidos porque são mais eficazes do que a dipirona pura”, diz. Além da dipirona, cada comprimido contém relaxante, que reduz a tensão muscular, e cafeína, que diminui a pulsação da artéria e da dor latejante. A combinação produz um efeito rápido e alivia a dor. “Um analgésico simples faz menos mal para o organismo do que um analgésico combinado, como o Dorflex”, alerta a neurologista Carla Jevoux, membro titular da Academia Brasileira de Neurologia.
Abuso e dependência
O remédio faz parte da rotina diária da arquiteta Rosalia Alessi há 15 anos. Ela toma pelo menos um comprimido para dor de cabeça todo dia. Em março, levou um estoque suficiente para quatro meses na bagagem da mudança para o Canadá. O plano era que a mãe enviasse mais quando terminasse, mas o país proíbe a importação de dipirona. Quando as dores voltaram com mais intensidade, outros analgésicos não tinham o mesmo efeito e as idas ao hospital se tornaram frequentes. “Não dava para viver no hospital”, conta a arquiteta de 35 anos, que voltou ao Brasil para continuar tomando Dorflex.
Rosalia sofre de enxaqueca, quadro mais complicado do que uma cefaleia tensional, a típica dor de cabeça. Nesses casos, Carla explica que analgésico não é o tratamento correto. “Ele melhora, mas não acaba com a dor, e seu uso contínuo é o principal motivo para a transformação da enxaqueca em dor crônica”, diz. Para a dor tensional, qualquer analgésico resolve, diz a médica, desde que seja respeitada a recomendação de não tomar mais de dois comprimidos por semana.
Como esses analgésicos são liberados pela Anvisa para venda sem prescrição médica, o risco de abuso sempre existe. Arnaldo Lichtenstein, clínico geral do Hospital das Clínicas de São Paulo, afirma que é o uso constante que faz com o que organismo se adapte ao remédio e exija doses maiores para obter o efeito desejado. “É uma situação que se inverte, e o remédio acaba por perpetuar a dor de cabeça.” Com o tempo, o próprio comprimido provoca a dor, causando o chamado efeito rebote. O médico diz que é preciso passar por um processo de desintoxicação, que deve ser acompanhado por um profissional.
A mistura de analgésicos com outros medicamentos pode anular os efeitos ou provocar reações contrárias, e até afetar outras partes do organismo, alerta Pedro Eduardo Menegasso, presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP). Quem é hipertenso, por exemplo, deve evitá-lo porque a dipirona altera a pressão sanguínea, diz o farmacêutico. Os analgésicos também desprotegem o estômago e o uso excessivo pode causar ou agravar quadros de gastrite e úlcera, alerta.
Fórmula do sucesso
Além da fórmula de ação rápida, outro ponto que fortalece a popularidade do remédio é o direcionamento comercial da marca, afirma Menegasso. “Você tem muito mais casos de cefaleia do que de dor nas costas, então o Dorflex explode como um produto de consumo quando começa a ser indicado para dor de cabeça”, diz. A Sanofi, laboratório responsável pela marca, informa que a indicação para dor de cabeça tensional sempre esteve nas campanhas publicitárias do remédio e não divulga os valores de investimento.
Entre especialistas, o sucesso do medicamento passa pela relação custo-benefício e pela tradição de longa data. “Dorflex vende mais porque uma cartela vem com dez comprimidos e é mais barata do que outros analgésicos”, diz a neurologista Carla. Para consumidores como Rosalia, essa relação ficou mais atrativa neste ano, quando a Sanofi aumentou de 30 para 36 a quantidade de comprimidos em uma caixa. “Fiz um tratamento por três anos, mas não pude continuar por questões financeiras. É muito mais barato comprar uma cartela de Dorflex do que pagar R$ 200 no remédio indicado pelo médico”, conta Rosalia. A neurologista Thais atribui o sucesso da droga à própria história do medicamento, que está há 45 anos no mercado. “As pessoas só conhecem analgésico para tratar a dor de cabeça e acabam aderindo pela propaganda boca a boca mesmo”, diz ela.
Foi assim que a estudante Angélica Silva, de 27 anos, começou a tomar Dorflex. A indicação veio da irmã, que usava quando tinha ressaca. Com o tempo, Angélica percebeu que o remédio a deixava mais disposta. “Passei a tomar um por dia, mas depois um só não fazia mais efeito. Aumentei a dosagem para dois, depois três, depois quatro. Quando abri o quinto comprimido, me dei conta do que estava fazendo e decidi não tomar”, conta ela. Atualmente, Angélica evita qualquer tipo de medicamento e prefere esperar a dor passar, mesmo que persista por dias seguidos.A neurologista Thais ressalta que a dor de cabeça é um sintoma e não a doença em si. Quando ocorre toda semana, a médica recomenda suspender os medicamentos e consultar um especialista. O clínico geral Lichtenstein diz que o histórico de cada paciente é importante. “São medicamentos que precisam ser individualizados, considerando os remédios de uso contínuo que a pessoa já toma”, orienta.