Consultas impessoais, seguidas de prescrições excessivas de remédios e exames, fizeram soar um alarme em médicos e pacientes. Algo não estava certo. Para muitos, a solução para o problema não exige uma invenção - e sim um retorno às práticas autênticas da profissão. É a slow medicine (medicina sem pressa, em tradução livre), que surge no contexto de movimentos que pregam a desaceleração do ritmo de vida, como o slow food, o primeiro deles. Trata-se de uma forma humanizada de fazer medicina, que aproxima pacientes e profissionais de saúde e propõe um diálogo sem barreiras entre eles.
Os entusiastas da slow medicine estão longe de negar a importância do uso de remédios e da tecnologia por meio de tratamentos e exames. Mas eles defendem que qualquer tipo de recomendação seja feita somente após uma consulta minuciosa, com diálogo e mediante evidências científicas. Para o cardiologista italiano Marco Bobbio, secretário-geral da Associação Italiana de Slow Medicine, “desprescrever” medicamentos é, muitas vezes, mais benéfico. “Às vezes, uma pessoa doente se consulta com diferentes especialistas. Cada um deles receita um remédio, sem se dar conta de que pode haver interação entre eles”, disse o italiano, em entrevista ao Estado. “Queremos abandonar a ideia de receitar medicamento para tudo; em alguns casos, uma mudança de estilo de vida é suficiente.”
Autor do livro O Doente Imaginado, Bobbio faz críticas a algumas práticas médicas atuais. “Infelizmente, alguns pacientes já estão tão acostumados que só se contentam quando saem do consultório com uma receita.” Por isso, de acordo com ele, é também imprescindível que os pacientes entrem na discussão e encarem os profissionais sob uma nova perspectiva.
Apesar do nome, a slow medicine não exige consultas prolongadas. É mais sobre a atenção dispensada. A atriz Érica Azevedo, de 25 anos, passou por uma consulta com uma ginecologista que não durou muito, mas mudou sua forma de encarar as visitas médicas e o próprio corpo. “Ela estava ali para me explicar e ensinar sobre mim mesma, e não para impor um tratamento. Aprendi a como me posicionar para colocar o espéculo e eu mesma pude observar meu colo do útero”, diz ela. “Ela cuidou de mim sem estabelecer relação hierárquica. É uma conduta que empodera o paciente.”
Érica nunca tinha ouvido falar do termo slow medicine, mas aprovou o método adotado pela ginecologista, que reúne essas qualidades originais da medicina, segundo integrantes do movimento. Isso significa que muitos médicos, mesmo sem estar ligados ou conhecer o grupo, praticam a filosofia slow.
O nome do movimento nasceu em Turim, na Itália. Um dos porta-vozes mais frequentes do grupo, no momento, mora nos Estados Unidos. O médico de família J. Ladd Bauer diz que muitas vezes é contestado por pessoas que dizem que, em casos extremos ou graves, é inviável praticar uma medicina “slow”. Eles costuma rebater esse argumento com uma história pessoal. Há dois anos, esteve à beira da morte após sofrer uma parada cardíaca, ocasionada por uma doença rara. Seu médico sugeriu que fosse implantado um cateter. “Refleti e disse que, se isso implicasse um futuro transplante de coração, eu não queria, porque muita gente que faz vive mal depois. A conversa que tive com ele foi muito rápida, durou menos de cinco minutos, mas fez toda a diferença.”
O jornalista Leonardo Uller, de 22, não teve essa sorte. Ele passou por uma consulta que combinou todas as características que a slow medicine critica. Apesar de sempre ter se alimentado mal, Uller nunca tinha tido complicações mais sérias por isso. Após um período de férias repleto de fast food e comidas gordurosas, ele começou a sentir dores de estômago, e decidiu visitar um especialista. “O médico mal me olhou e que eu estava com gastrite. Me receitou tomar Omeprazol todos os dias por um ano”, conta Uller. “Saí de lá irritado. Não comprei o remédio, e decidi, sozinho, adotar um estilo de vida mais saudável.” Em questão de dias, a dor passou.
Escolha certo
Surgido nos Estados Unidos, o projeto Choosing Wisely reúne comunidades de diversas especialidades médicas, que elaboram listas de práticas que deveriam deixar de ser rotina em hospitais. “As listas não proíbem os médicos de fazer o que está lá; os casos são muito pessoais”, explica Luis Cláudio Correia, cardiologista e coordenador do hospital São Rafael, em Salvador, um dos primeiros no Brasil a fazer parte do Choosing Wisely. “Elas servem para que os médicos façam todos os procedimentos explicando e discutindo com o paciente.”
As diretrizes variam de acordo com o estabelecimento. Para o geriatra do HCor José Carlos Velho, administrador do site Slow Medicine Brasil, é uma iniciativa que se aplica a todas as esferas, não apenas a hospitais particulares. “O ideal é que o profissional familiarizado com a prática leve os princípios para suas atividades, não importa se trabalhe em complexo público ou consultório privado”, diz. “Há médicos da rede pública que praticam mais medicina sem pressa que muitos profissionais de hospitais particulares de primeira linha.”