Preocupados com a alimentação dos filhos, muitos pais têm visto nos estimulantes de apetite uma forma rápida e acessível de fazer com que ganhem peso, sem precisar travar uma batalha toda vez que se sentam à mesa. Produtos que parecem tão benéficos, porém, não apenas são ineficientes para esse propósito como podem ser perigosos, alertam os médicos. Muitos deles são derivados de ciproeptadina, um antialérgico que pode causar diversos efeitos colaterais - da sonolência à depressão. “A criança pode ter diarreia, enjoo, mal-estar e queda de pressão”, acrescenta a endocrinologista Rosângela Réa, do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba.
É o caso da fórmula do Apevitin BC, que a pedagoga Cristiane Yokota compra para o filho Gustavo, de 4 anos. Apesar de o pediatra ter dito que o garoto não precisaria de estimulantes, ela recorreu a um farmacêutico, que indicou 30 ml do xarope, divididos em três partes ao longo do dia. Gustavo acabou dormindo um dia inteiro. Preocupada com a sonolência, a mãe agora dá uma dose inteira à noite, no mínimo cinco vezes por semana. “Preferi dar para ele não ficar o dia inteiro sem comer, mas não dá muita fome”, reclama.
Cristiane representa bem um mercado que não para de crescer. De outubro de 2015 a setembro deste ano, mais de 14 milhões de unidades de estimulantes de apetite foram vendidas no País, segundo dados da QuintilesIMS. Nos últimos cinco anos, o consumo aumentou 21%. E eles têm sido usados até para outros fins.
A reação adversa de sonolência foi o que fez o pediatra de Daniel, de 10 anos, receitar o Apevitin BC. O garoto tinha dificuldades para dormir e, pela idade, não poderia tomar calmante. Não foi a primeira vez que Daniel tomou estimulantes. Desde que desmamou, aos 2 anos, sua mãe, a professora Conceição Oliveira, de 46, já recorria a produtos como Cobavital e Profol. “Os estimulantes são furada. Abrem o apetite, mas só para coisas que ele já come, não para comidas saudáveis.”
Na verdade, a criança até come mais, dizem os especialistas, mas também elimina de forma mais rápida, não revertendo em ganho de peso. “Sabemos que eles têm efeito muito rápido e pouco contínuo. Não funcionam bem a médio e longo prazo”, afirma o médico Mauro Fisberg, do Departamento Científico de Nutrologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria. Ele alerta para outros riscos, como alteração no humor, aumento dos batimentos cardíacos, diminuição da glicose e a possibilidade de mascarar alguma doença que tenha como sintoma a inibição do apetite. Por isso, o médico defende que os estimulantes sejam evitados.
Procurado pelo Estado, o laboratório EMS, fabricante do Apevitin BC, declarou que atende às especificações exigidas pela Anvisa e possui estudo clínico que atesta a segurança do remédio. A Abbott, que produz o Cobavital, disse que, apesar de o produto não necessitar de prescrição médica, é sempre importante que os pais consultem um médico para diagnóstico e tratamento adequado dos filhos. Já a Medley, responsável pelo Profol, feito a partir de dicloridrato de buclizina e associações, afirma que o medicamento deve ser utilizado apenas sob prescrição médica e assume que o seu uso pode ocasionar sonolência, distúrbios gástricos, ressecamento da boca, cefaleia e náuseas, todos sintomas descritos na bula.
Alternativas naturais
A falta de fome faz parte do crescimento, diz o pediatra Ary Lopes Cardoso, chefe de Nutrologia do Instituto da Criança, em São Paulo. No primeiro ano de vida, elas precisam triplicar o peso e, depois, devem aumentar cerca de dois quilos por ano. “Quando crescem, as crianças não precisam mais comer como comiam antes.”
A nutricionista Priscila Maximino, consultora em alimentação infantil, alerta que crianças que comem pouco e parecem magras não estão, necessariamente, abaixo do peso. “É preciso que um profissional analise a curva de crescimento, peça exames e verifique se faltam nutrientes fundamentais na infância, para então orientar a família”, esclarece.
Em alguns casos, a falta de apetite pode ter até um fundo psicológico. Ao perceber que o filho Gabriel, de 4, perdeu a fome, a fisioterapeuta Kelly Cristine, de 37, contrariou a pediatra e recorreu aos estimulantes. Só depois de muitas tentativas, percebeu que o filho sente fome, só não sente prazer em comer, e recorreu a um psicólogo.
Há alternativas para fugir das soluções medicamentosas. A endocrinologista Rosângela Réa diz que a prática de exercícios é um estimulante natural. “A família também precisa fazer as refeições junto, porque isso funciona como uma maneira de estimular a criança a comer, já que ela tem que dar uma satisfação aos pais.”