Os perigos da bomba para emagrecer

Fórmulas manipuladas para perder peso preocupam médicos; Anvisa não acompanha venda desde 2009

27º Curso Estado de Jornalismo

Matheus Prado e Willy Delvalle

Inibidor de apetite, antidepressivo, calmante, laxante, diurético, hormônio, acelerador de metabolismo. Sem falar de queimadores de gordura e potássio. Tudo dentro de uma cápsula manipulada para emagrecer, que pode ser comprada sem receita na internet, ou mesmo prescrita em consultórios médicos. Especialistas ouvidos pelo Estado afirmam que a procura e a indicação desse tipo de fórmula têm crescido no País em relação aos industrializados. Mas não há pesquisa que comprove essa alta. Embora as farmácias sejam obrigadas a declarar as substâncias vendidas, a Anvisa não reúne esses dados desde 2009, quando fez a última pesquisa sobre o tema, que já demonstrava o uso irracional de remédios manipulados para emagrecer - inclusive com associação proibida de substâncias.

Para controlar o peso, Fabiane faz dieta e costuma correr. Recentemente, começou a nadar

Com reações que podem variar de uma alteração de humor até a morte, esses medicamentos estão sendo prescritos para quem está com dois ou três quilos acima do peso. “As pessoas buscam fórmulas mágicas”, afirma Alexandre Hohl, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

A Anvisa informa que o problema saiu de sua agenda de acompanhamento por falta de profissionais para analisar os dados do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). O ministro da Saúde, Ricardo Barros, nega que a Anvisa tenha problemas de pessoal e fala que a agência, na verdade, precisa se adaptar e simplificar seus processos para ter informação. “Se o medicamento controlado foi vendido na farmácia, a Anvisa pode saber online. Existe tecnologia para isso.”

Por causa de uma dessas bombas emagrecedoras sem fiscalização, a soldadora Fabiane Ortiz, de 38 anos, foi parar no hospital. “O médico que me atendeu disse que eu estava tomando mata-rato”, conta. Ela queria emagrecer e procurou uma médica em Pelotas (RS). De acordo com Fabiane, a profissional a pesou, perguntou se tomava algum medicamento e receitou uma fórmula, sem lhe dizer quais eram as substâncias. Após três semanas de uso, desmaiou e foi levada ao hospital. Depois do susto, recuperou quase todo o peso que havia perdido.

Riscos das combinações

Segundo Elisaldo Carlini, pesquisador em Medicina Preventiva da Unifesp e mestre em Psicofarmacologia pela Universidade de Yale, a fórmula mais comum nas prescrições de manipulados contém anorético (remédio para emagrecer, como a sibutramina), laxante, diurético, hormônios e potássio. “Mais do que emagrecer, murcha a pessoa”, diz. Quando interrompida a medicação, a tendência é retornar ao peso inicial ou engordar ainda mais.

Desde 1998, o Conselho Federal de Medicina proíbe associações medicamentosas por serem potencialmente prejudiciais. “Quem prescreve esse tipo de associação sabe que não deve”, diz Márcio Mancini, integrante da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Ainda assim, pílulas que associam substâncias são facilmente adquiridas na internet sem a exigência de receita, e até em consultórios.

A endocrinologista Maria Edna de Melo, da SBEM, analisou diversas dessas fórmulas emagrecedoras e os riscos à saúde de cada uma. “Combinar calmante e antidepressivo com laxante, diurético e hormônio queimador de gordura pode causar arritmia cardíaca e, em doses elevadas, até morte”, alerta a médica. “Nenhum desses medicamentos deve ser utilizado para tratamento da obesidade, seja isolado ou em associação.”

Fiscalização falha

Para Alexandre Hohl, da SBEM, é preocupante a Anvisa não monitorar o uso dos manipulados para emagrecer. Além disso, a agência só faz estudos sobre a substâncias de modo isolado, e não misturadas. Hohl defende a fiscalização de farmácias de manipulação, médicos e propõe mudanças no comportamento dos pacientes. “Uma força-tarefa que juntasse Conselhos Regionais de Farmácia, de Medicina e Anvisa poderia modificar esse cenário”, afirma.

A Anvisa recebe informações sobre venda de medicamentos controlados, mas afirma que a fiscalização cabe à vigilância sanitária de Estados e municípios. Questionada sobre como são elaboradas políticas públicas sem dados, a Anvisa reconhece: “essa é a dificuldade”.