Doações reforçaram lobby do setor

Indústria e empresas de comércio farmacêutico destinaram R$ 28,9 milhões a candidatos que se elegeram em 2014

27º Curso Estado de Jornalismo

Elisa Clavery, Marina Mori e Matheus Lara

Dados sobre a receita das campanhas eleitorais de 2014 mostram que as maiores doações do setor farmacêutico foram, muitas vezes, direcionadas a candidatos com estreita ligação aos interesses de seus financiadores. Parlamentares que receberam recursos de fabricantes de remédios ou de grandes redes de farmácia integram, hoje, comissões da Câmara onde tramitam temas de interesse da indústria farmacêutica ou já levantaram projetos de lei ligados ao setor. O Código de Ética da Câmara proíbe o deputado de submeter projetos que beneficiem diretamente aqueles que financiaram sua campanha eleitoral, mas não faz menção sobre atividade em comissões ou subcomissões.

André Dusek/ Estadão
Membros da “bancada da bula” que receberam recursos do setor farmacêutico integram comissões onde tramitam temas do interesse de seus financiadores

Sem regulamentação no País, o lobby tem atuação forte no ramo dos medicamentos, como mostram dados do Tribunal Superior Eleitoral. No último ano em que as doações empresariais eram permitidas, 23 fabricantes de medicamentos deram R$ 16,6 milhões para 81 candidatos de 16 partidos que se elegeram aos cargos do Legislativo e do Executivo - R$ 4,4 milhões só para deputados federais. Responsável por quase R$6 milhões, a maior doadora foi a Hypermarcas, conglomerado responsável pelo medicamento mais vendido no Brasil, o Neosoro. E o comércio não fica para trás. Redes de varejo, atacado e distribuidoras de remédios doaram R$ 12,3 milhões para candidaturas que tiveram sucesso nas urnas.

Para Manoel Leonardo Santos, cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador da pesquisa Percepções sobre a Regulamentação do Lobby no Brasil, doações muito altas podem criar dependência dos candidatos. "É um investimento (das empresas). Você não financia se não tiver um candidato alinhado politicamente e esperando que seja representante do seu setor no Parlamento", diz o cientista político.

Indústria

Oito dos 30 deputados federais eleitos que receberam verba de laboratórios na corrida eleitoral são titulares ou suplentes na Comissão de Seguridade Social e Família, que aborda temas como saúde. Um deles é o médico Arlindo Chinaglia Junior (PT-SP), que também preside a Subcomissão de Fármacos, sobre uso de substâncias experimentais para doenças graves ou raras. Da Câmara, Chinaglia é o segundo parlamentar que mais recebeu do setor: foram R$ 623,5 mil no total, vindos da Hypermarcas e da Aché Laboratórios. Ele diz que nunca foi pressionado pela indústria e que é a favor do financiamento público de campanha.

O deputado federal campeão nas doações feitas por laboratórios farmacêuticos em 2014 foi Marcos Abrão Roriz Soares de Carvalho (PPS-GO). Só da Geolab, recebeu R$ 1,26 milhão. Até 2011, Abrão presidia a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás, que administra distritos industriais no estado, entre eles o polo de Anápolis, onde estão 22 laboratórios.Ele afirma que “as doações foram fruto de uma relação familiar de mais de 50 anos” e que não apresentou projeto de lei ligado ao setor.

Afastado da Câmara desde que se tornou Ministro de Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE) recebeu, ao todo, R$ 340 mil da Aché e da Biolab. Já se manifestou contra a quebra de patentes de remédios, em 2007, quando propôs audiência pública para discutir o assunto. No mesmo ano, criou um projeto de decreto para barrar o desconto de 24,69% na compra de remédios pelo Poder Executivo. "(A indústria farmacêutica) tem sido historicamente afetada e influenciada pela intervenção do Estado, que cria regras no marco regulatório, principalmente quando trata da questão dos preços", diz o texto. Ele nega ter sido pressionado.

Aché e Geolab dizem que as doações atenderam à legislação. Biolab não quis se pronunciar. Hypermarcas não respondeu e Gemini não foi localizada.

Comércio

As redes de varejo, atacado e as distribuidoras de remédios investiram nas campanhas de 136 candidatos eleitos em 2014. A empresa que mais investiu foi a rede de farmácias Pague Menos, a segunda maior do ramo em faturamento no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Redes de Farmácia (Abrafarma). Ao todo, foi quase R$ 1 milhão em doações para 12 candidatos de seis partidos.

Só o deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG) recebeu mais de R$ 1,4 milhão. Nove das dez empresas com maior faturamento do Brasil doaram para o peemedebista. Desde sua primeira reeleição, em 2010, o deputado atuou pela aprovação da Lei 13.012/2014, que reconheceu as farmácias e drogarias como unidades de assistência à saúde. Quintão defendeu que a lei fosse aprovada garantindo o fortalecimento da profissão do farmacêutico, mas sem prejudicar a competitividade do comércio. O deputado foi o relator do parecer lido em plenário pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Quintão e a Pague Menos não retornaram o contato do Estado.

Para o vice-presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Valmir de Santi, existe uma relação direta entre as doações de campanha e o avanço ou não de determinadas pautas. "Os deputados acabam se comprometendo com os interesses de seus financiadores. Mesmo sem as doações empresariais a partir de agora, não acredito que as empresas vão se distanciar. Elas vão bancar de outros caixas para continuar a pressão."

O presidente-executivo da Abrafarma, Sérgio Mena Barreto, confirma que o apoio financeiro das empresas reflete a confiança em figuras que, na avaliação das redes de farmácia, estão comprometidas com questões da saúde. "Nós acompanhamos os projetos, fazemos questão de mostrar o nosso lado. O que a Abrafarma defende não é o interesse do empresário, mas o interesse da população", argumenta.

O cientista político Leonardo Santos afirma que o lobby faz parte do cenário democrático, mas reforça a importância da sua regulamentação, principalmente no que diz respeito à transparência e ao equilíbrio de setores com condições econômicas diferentes. "A regulamentação teria que ser pensada para que setores que muitas vezes não têm condições econômicas, nem são tão poderosos como os laboratórios, possam participar", explica. "Além disso, no momento em que o eleitor sabe que o parlamentar defende determinado setor, ele vota ou não."

Vendas

Uma das controvérsias dentro do lobby farmacêutico diz respeito à possibilidade de venda de produtos não relacionados à saúde em farmácias. É o chamado “mix” de medicamentos, que abrange chocolates, balas, sorvetes e outros alimentos e produtos.

Em 2000, o relatório final da CPI dos Medicamentos incluiu um projeto de lei que, se aprovado, proibiria as farmácias de venderem esse tipo de produto. O projeto não avançou e, nos anos seguintes, as assembleias legislativas passaram a discutir o assunto. Há dois anos, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da decisão individual de cada estado nessa questão, entendendo que é uma questão de comércio - e não de saúde.

Para o CFF, a liberação muda o foco de atenção das farmácias, que passam a se preocupar com o número final das vendas de todo o seu mix de produtos e deixam a prestação de assistência farmacêutica em segundo plano. "Ao fazer o jogo do preço, as farmácias banalizam o medicamento", explica o vice-presidente, Valmir de Santi.

Já a Abrafarma entende que a restrição à venda do mix de produtos em farmácias é uma questão ideológica e está ligada a uma mudança nas demandas de consumo. "Muita gente defende que a farmácia tem de ser como era nos anos 70. Mas a sociedade evoluiu e esse modelo está levando muitas farmácias à falência", afirma Barreto, que representa as farmácias e drogarias.