Inofensivos, só que não

Em excesso, descongestionantes e analgésicos podem provocar doenças graves

27º Curso Estado de Jornalismo

Marina Mori e Ricardo Miorelli

Eles estão no balcão da farmácia e na caixa de remédios que todo mundo tem em casa. São baratos e parecem inofensivos. Neosoro, Dorflex, Paracetamol: remédios famosos por proporcionar alívio quase imediato a sintomas comuns, do nariz entupido à dor de cabeça. Quando consumidos em excesso, porém, podem ter o efeito inverso e causar doenças difíceis de resolver. Uma rinite que piora após sete dias de uso do descongestionante, uma dor de cabeça que se torna crônica com o consumo de dez comprimidos mensais e um tratamento para gripe que pode causar hepatite e, em alguns casos, até levar à morte.

Mariana Machado/Estadão
Embora sejam baratos e de fácil acesso, remédios como descongestionantes nasais e analgésicos podem causar o efeito contrário quando utilizados de modo indevido: provocam dependência e sintomas difíceis de tratar

Medicamento mais vendido no Brasil há cinco anos consecutivos, segundo a consultoria QuintilesIMS, o Neosoro Ad oferece uma sensação de bem-estar instantâneo sem parecer perigoso. Embora seja um tarja vermelha, que necessita de receita médica, este e outros descongestionantes podem ser comprados sem prescrição facilmente. Além de causar rinite medicamentosa, eles estão frequentemente associados às intoxicações – ocupam o terceiro lugar na lista, de acordo com o Centro de Assistências Toxicológicas do Brasil (Ceatox).

Em sete dias de uso consecutivo, com três aplicações diárias, o remédio já pode oferecer riscos, diz o professor João Mello Júnior, chefe do grupo de Alergia em Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de São Paulo. “O alívio é imediato porque o medicamento contém substâncias vasoconstritoras que reduzem o fluxo sanguíneo. Porém, o uso contínuo faz com que o resultado seja cada vez menor, o que causa o efeito rebote.”

Além de machucar a mucosa, o especialista diz que o uso frequente pode causar perfuração de septo e perda do olfato. Arritmia, aumento da pressão arterial e retenção urinária também são reações adversas relatadas. Em crianças, pode provocar convulsões e levar à morte.

O produtor gráfico Vitor Alcalde, de 27 anos, sofreu com as consequências mais graves do remédio: ficou três dias na UTI com pressão alta e mais duas semanas internado após usar descongestionante quase todos os dias por oito anos. “Nunca imaginei que estava passando mal por causa do Naridrin. Mas, enquanto não acontece uma coisa dessa, ninguém acredita que pode fazer tanto mal”, conta ele, há quatro meses sem o medicamento. Desde então, Vitor toma comprimidos diários para problemas de coração, pressão, ansiedade e estômago.

As empresas EMS, fabricante do Naridrin, e Neo Química, do Neosoro, informam que seus produtos devem ser usados sob prescrição médica e que os riscos e reações adversas constam nas bulas. Além disso, a Neo Química afirma que o Neosoro não cria dependência.

Para evitar complicações, Mello Júnior recomenda a higienização diária do nariz com soro fisiológico morno pela manhã e à noite. Outra opção é utilizar o lota, utensílio de origem indiana para a limpeza nasal. Ele explica que, em situações pontuais, como uma gripe forte, o descongestionante é permitido, desde que não ultrapasse três dias.

Dor de cabeça persistente

Não tão rápido quanto o descongestionante, o efeito rebote dos analgésicos costuma aparecer após três meses de uso contínuo, com o consumo de 10 a 15 comprimidos por mês, segundo a Sociedade Internacional de Cefaleia. “Eles geram um fenômeno no cérebro chamado de hiperexcitabilidade, que deixa os neurônios mais sensíveis à dor e causa os mesmos sintomas de uma enxaqueca forte”, explica o neurologista Mario Peres, do Hospital Albert Einstein. A longo prazo, gastrite, úlcera e insuficiência renal também podem aparecer.

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Em vez de curar dores de cabeça, os analgésicos podem ser os responsáveis pelos sintomas incômodos. O efeito inverso ocorre a partir de 10 comprimidos mensais

O gerente comercial Jorge Remaeh, de 30, fazia parte deste grupo e chegou a tomar mais de 15 comprimidos de analgésico por mês. Quando o remédio não surtia mais efeito, investiu em 60 gotas diárias de dipirona. Após três anos de automedicação, procurou um neurologista. “Não me preocupava com os problemas que poderia ter, mas o médico disse que o hábito tinha virado vício.” Com quatro sessões de massagem miofascial – técnica de relaxamento muscular feita por um fisioterapeuta –, as crises diminuíram.

O neurologista Marcelo Mariano da Silva, diretor do Centro Paranaense de Avaliação e Tratamento da Dor de Cabeça, diz que o caso de Jorge ilustra o que o uso excessivo dos analgésicos pode causar. “Já tive pacientes que chegaram a tomar mais de 150 comprimidos em um mês. Com o passar do tempo, o cérebro começa a pedir quantidades cada vez maiores.”

O primeiro passo do tratamento da cefaleia por abuso de medicação é interromper o consumo dos analgésicos e procurar um neurologista. “De 15 a 20 dias, o paciente utiliza medicamentos que diminuem a dependência. Depois, passa a tratar a causa das dores de cabeça”, explica Silva.

Hepatite por abuso

Analgésicos compostos por paracetamol também são os principais causadores de uma doença chamada hepatite medicamentosa, que não é contagiosa. Usados para gripe e dor de cabeça, seu consumo excessivo pode levar a sérios problemas hepáticos, incluindo transplante e morte. Segundo o hepatologista Eduardo Cançado, do Hospital das Clínicas, o paracetamol é um dos remédios mais perigosos para o fígado. “A ingestão de três gramas em um dia pode desencadear hepatite.”

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Especialistas alertam para o uso excessivo do paracetamol, um dos remédios mais agressivos ao fígado. O analgésico causa hepatite e pode levar à morte

Ervas da medicina alternativa também podem causar hepatite, alerta o hepatologista Aécio Flávio Meirelles. Ele cita as ervas de São Cristóvão, São João e cidreira, além dos chás de cava-cava e cavalinha, além de algumas plantas asiáticas, como a consumida pela professora universitária Cássia Vanícola, de 51.

Ela contraiu a doença no fim de 2014, após tomar por dois meses cápsulas à base de ashtanga, receitadas por um homeopata. Acabou internada por duas semanas. “Sempre gostei de tratamentos alternativos, mas agora pesquiso antes.”