Summit Saúde 2018

Saúde que vem de dentro

Diversas doenças poderão ser tratadas com base nas bactérias que vivem em nós

22 de agosto de 2018
A plataforma de inteligência artificial da IBM auxilia na interpretação de dados do sequenciamento genético de pacientes com câncer e em tratamentos personalizados LUCIANA PEIXOTO BERETTA
Samuel Antenor, especial para o Estado

A revolução causada pelos estudos genômicos continua surtindo efeitos em diversas áreas, sobretudo nas relacionadas a Saúde e Medicina. O sequenciamento do DNA de diferentes espécies, que levou a progressos científicos inimagináveis há alguns anos, deverá permitir, em um futuro próximo, que diversas doenças possam ser prevenidas e tratadas com base nas bactérias que vivem em cada um de nós.

De acordo com a geneticista Mayana Zatz, do Centro de Genoma Humano da Universidade de São Paulo, a chave para isso está na intersecção de pesquisas envolvendo genômica e microbiomas – conjunto do material genético de microrganismos presentes em um ambiente. “Há tempos se sabe que o microbioma, também chamado de microbiota, tem um papel importante para a saúde, mas ainda não se sabe exatamente quanto da saúde depende dos genes, e quanto depende do ambiente.”

Em busca de dados mais precisos, Mayana estuda trigêmeos concebidos a partir de inseminação artificial, em casos em que foram inseridos no útero dois embriões e um se dividiu, na mesma gestação. A ideia é descobrir até que ponto a microbiota desses gêmeos depende de seus genes. “Fazemos comparações a partir da coleta de fezes, desde o nascimento”, diz a pesquisadora.

Segundo ela, essas mudanças explicam, por exemplo, porque pessoas que antes gostavam de determinado tipo de comida param de gostar. “Isso se deve a alterações na microbiota, mas ainda não sabemos se é porque ela sofreu mutação genética e fez o organismo parar de processar aquele alimento ou se foi o contrário.” Isso explica também porque a proliferação de bactérias patogênicas no organismo acaba favorecendo não só o desenvolvimento de doenças, mas também a capacidade de responder a tratamentos. Contudo, ela afirma que, ao se estabelecer uma inter-relação entre microbiotas e genes, será possível saber como funciona essa interdependência no corpo humano. “Isso permitiria avançar em tratamentos precisos, como a introdução de micróbios específicos no organismo.”

Prevenção e tratamento. Esses estudos também podem ajudar a prevenir doenças mais complexas, como as fissuras lábio-palatinas, tipo de má-formação congênita, sendo a mais conhecida o lábio leporino. Em busca de descobrir mecanismos de prevenção, Maria Rita Passos, pesquisadora do Instituto de Biociências da USP, estuda a microbiota oral de mães que tiveram filhos com fissuras lábio-palatinas e de outras que tiveram filhos sem a má-formação, considerando a interação entre gestante e feto. Sua hipótese é de que a microbiota oral das mães seja uma das causas do problema.

Os estudos ainda são preliminares, mas a proposta de Maria Rita é buscar formas de prevenir as fissuras lábio-palatinas por meio da vigilância da microbiota oral das grávidas, a partir de uma orientação direcionada para saúde bucal. “Seriam ações simples, mas essenciais para mitigar o problema, pois a única maneira de corrigir essas fissuras é a cirurgia”, afirma.

Conceito. Desde a década de 1960 já se sabe que o microbioma nos protege de doenças infecciosas, mas agora se sabe que o desequilíbrio de diferentes microbiomas humanos pode levar a uma série de outros problemas. Por exemplo, o uso de antibióticos sem necessidade ou por longos períodos pode causar danos ao permitir que agentes patógenos ganhem força nesses microambientes.

Luis Caetano Antunes, doutor em microbiologia e pesquisador da área de saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz, destaca estudos que indicam que a microbiota pode influenciar em diversas síndromes e doenças, como autismo e obesidade. “Estima-se que a variedade genética dos microbiomas seja até cem vezes maior do que a das pessoas, por isso os estudos deverão se expandir para além do sequenciamento e, em breve, permitir uma medicina personalizada.”

Buscando aprimorar mecanismos para personalizar tratamentos, Emmanuel Dias Neto, do Centro de Pesquisas do A.C. Camargo Cancer Center, tenta desenvolver ferramentas de análise de alta complexidade com base em estudos em oncologia. Trabalhando há dez anos com microbiomas, ele quer estabelecer o que chama de arquitetura inteligente das bactérias, para entender a dinâmica desses microrganismos e prevenir o avanço da doença. Acredita que, em cinco anos, a maior parte dos tratamentos contra o câncer vai considerar fortemente os microbiomas dos pacientes e suas famílias.

Contudo, como os microbiomas humanos são diferentes entre indivíduos, regiões e países, será preciso entendê-los especificamente no Brasil, com estudos feitos no País. Para isso, o A. C. Camargo vai iniciar testes com medicamentos probióticos e prebióticos, a fim de avaliar como eles alteram a microbiota dos pacientes e se podem ou não compor os tratamentos.

Diagnósticos avançados. Testes genéticos ainda fornecem evidências para detectar uma série de doenças, e alguns já estão disponíveis até na internet, mas há limitações quanto ao que pode ser feito com seus resultados. “Desenvolvemos kits para testar microrganismos presentes na microbiota, que revelam dados sobre o estilo de vida das pessoas e indícios de uma relação entre microbiomas e doenças”, conta Gustavo Campana, diretor médico do grupo Dasa.

Jorge Sampaio, assessor médico em microbiologia do Fleury Medicina e Saúde, diz que esse tipo de exame é indicado, por exemplo, após o uso prolongado de antibióticos, que podem provocar aumento de cepas patogênicas na microbiota, como as da bactéria Clostridium difficile. “Caso o paciente não responda ao tratamento antimicrobiano, o teste indica a necessidade de um transplante fecal, que é a introdução de bactérias no organismo para combater essa cepa, procedimento cuja eficiência chega a 95%”, afirma.

Outra linha em desenvolvimento é a da inteligência artificial. Nesse sentido, o Fleury desenvolveu o Oncofoco, considerado o primeiro exame na América Latina a usar inteligência artificial na elaboração de laudos personalizados para pacientes com câncer. O sistema usado pelo laboratório é produzido pela IBM, com base em pesquisas com o New York Genome Center para auxiliar na interpretação de dados do sequenciamento genético de pacientes com câncer e em tratamentos personalizados.

Os dados ficam reunidos no Watson for Genomics, hospedado no Watson, plataforma de inteligência artificial da empresa. “Hoje, graças a essas tecnologias, conseguimos ajudar os profissionais de saúde a identificar terapias-alvo personalizadas e mais adequadas para o perfil genético do paciente, além da possibilidade de descoberta de novas moléculas”, diz Gustavo Bravo, responsável pela plataforma da IBM no Brasil.

“Estima-se que a variedade genética dos microbiomas seja até cem vezes maior do que a das pessoas, por isso os estudos deverão se expandir para além do sequenciamento e, em breve, permitir uma medicina personalizada” Luis Caetano Antunes, doutor em microbiologia

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