Quando o toldo numa das laterais do estádio Zezinho Magalhães desabou neste ano, o presidente do XV de Jaú, Laércio Carneiro, teve de ouvir uma resposta desaforada do prestador de serviços que queria contratar para fazer o reparo.
— Trocar pra quê? Não tem ninguém jogando lá.
Não que o lojista fosse antipático ao time quase centenário ou ao homem que aceitou conduzi-lo em dezembro do ano passado. Longe disso. “Ele e muitos outros empresários daqui têm medo de que a gente não pague. O time caiu em descrédito na cidade”, disse Carneiro. Sua expressão de tristeza ao comentar do time xodó de Jaú se amplia com fortes vincos que parecem puxar ainda mais os lábios para baixo. “Parece que quando você cai em descrédito nenhum vento ajuda. Só tem vento contrário.”
Dois meses depois de assumir a presidência do clube, o jauense dono de loja de material de construção se viu obrigado a pedir licença para não disputar a última divisão do Campeonato Paulista, dias antes do início da competição. “Foi uma decisão muito dura. O pessoal na cidade chiou muito, mas fazer o quê?”, contou. A ideia de parar foi a última medida encontrada para evitar que o XV contraísse ainda mais dívidas e a situação ficasse insustentável.
Até julho, a auditoria nas contas do XV, encomendada pela nova diretoria, deve saber a extensão da dívida do Galo da Comarca. Carneiro estima R$ 5 milhões. “Mas pode ser mais ou pode ser menos. Tem vários empresários interessados em ajudar a recuperar o clube, mas precisa de um valor fechado para isso.” Enquanto o valor da dívida for desconhecido, não haverá atividades no clube. A última partida do XV foi em 8 de junho do ano passado, contra o Taquaritinga, quando a derrota em casa por 3 a 1 fechou sua pior campanha na história. É a primeira vez em 41 anos que a equipe fica fora de um campeonato profissional - a última vez foi em 1968, ano em que o clube se licenciou, e só retornou em 1975.
O clube tradicional do interior paulista e um dos mais antigos do Brasil, fundado em 1924, revelou grande número de jogadores, como Marolla, ex-goleiro do Santos, Sonny Anderson, ex-atacante do Barcelona, o meia Kazu, um dos grandes ídolos da seleção japonesa, e, mais recentemente, Ralf e Leandro Castán, ambos do Corinthians. Das fileiras do XV também saiu o ex-volante corintiano Wilson Mano, que hoje vive e administra um posto de combustíveis em Bariri, a 20 quilômetros de Jaú.
“Hoje em dia acabou a paixão, é apenas o cifrão que manda”, resumiu em sua casa, onde se recuperava de uma cirurgia para retirada de hérnias. Wilson Mano lembrou da época em que “seu Cilinho n treinava o time. “Nessa época, ele vendia um jogador por ano.” Como esquecer o jogo contra o Palmeiras, vencido pelo XV em pleno Palestra Itália, que acabou com as chances do alviverde faturar o Paulistão de 1985? “Eu já estava praticamente vendido para o Palmeiras, mas por causa da vitória, a diretoria não me quis mais. Mas logo em seguida veio o Corinthians”, recordou Mano.
No plano da gestão dos clubes, o ex-jogador acha que ela deve ser pensada nos moldes de uma empresa, “pelo próprio clube e não por terceiros”. Mano, que começou no XV em 1981 e, em 1985, foi jogador “revelação do Interior”, treinou por três anos o XV de Jaú, de 1999 a 2001. “Acabou a credibilidade do clube. O ambiente ficou superpesado. Na época em que cheguei lá, as pessoas é que mantinham o time”, criticou. “Um clube de futebol não pode viver de migalhas.”
Além disso, ele acha que o Campeonato Paulista está ameaçado por aqueles que desejam o fim da competição, por motivos econômicos. “Tiraram o glamour do Paulista. Hoje, ele nada mais é do que uma pré-temporada para a Libertadores e o Brasileirão. E jogador também deixou de ser paixão e virou comércio. E ficou caro.”
Radialista e torcedor fanático do XV, Mauro Rafani também se lembra da época em que o futebol não era mercantilista, na época dos “abnegados”, como um dos patronos Arthur Simões, que cedeu um enorme terreno para construção do primeiro estádio do clube. “A gestão não era algo lucrativo, era você se entregar com sua vida”, disse, gesticulando com as mãos - herança de família italiana, assim como a torcida pelo Palmeiras.
“Mas com o XV é diferente. Não sei muito bem como explicar isso.” Parou para achar as palavras adequadas: “Quando o XV faz um gol, eu sinto uma espécie de...de… de frio na barriga. É uma sensação tão boa, não dá para entender. O XV de Jaú é quase como uma religião.” Entre 1960 e 1961, uma de suas primeiras lembranças é de quando ainda criança viu o quarto zagueiro Barreto, que estava suspenso e assistindo ao jogo das arquibancadas, atirar um radinho de pilhas na cabeça do bandeirinha. “A arquibancada ainda era de madeira. Vejo o rádio partindo em vários pedaços e caindo dentro do campo como se fosse hoje.”
Naquele mesmo campo onde Rafani viu espatifar o rádio e Mano se tornara a revelação do interior, o presidente Láercio Carneiro caminhava em meio aos buracos e à terra nua acompanhando a reportagem do Estado. O céu nublado e a fria chuva tamborilando no gramado - e também na vida do XV - não atrapalhavam suas lembranças. Como aquele histórico 5 de junho de 1977, quando a equipe comandada pelo técnico Cilinho venceu o Corinthians ali, por 3 a 0. “Nunca vi o estádio tão lotado como naquele dia”, sorriu Carneiro.
A situação delicada do XV, entretanto, começou a clarear no fim de maio deste ano. Uma empresa de marketing celebrou um contrato com o time que permite a exploração da marca em camisas, canecas, escudos e em outros produtos. “A repercussão está muito boa. Bombou no Facebook.” Na internet, alguns torcedores do portal de notícias e panteão do XV Setor do Galo já até montaram uma contagem regressiva para a subida da equipe: 1º de abril de 2016. Enquanto o jogo não vem, todos torcem contra o tempo, para que tudo esteja em ordem e o Galo da Comarca, novamente, pronto para a rinha.