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Inter de Limeira

Não havia câmeras de televisão nem narradores famosos. Nas cabines de imprensa do Limeirão, menos da metade ocupadas, meia dúzia de repórteres se encolhiam na esperança de espantar o frio durante o jogo noturno. Não era muito diferente nas arquibancadas: pouco menos de 900 torcedores gritavam e batucavam para empurrar seus times adiante na Série A3 do Campeonato Paulista. A Internacional de Limeira, dona da casa, brigava para vencer o Juventus e tentar o acesso à Série A2 do Estadual. A turma da capital também jogava pressionada. Em caso de vitória, ou até mesmo empate, complicaria para o rival, e as chances de subir estariam mais próximas da Rua Javari, o que aconteceria na semana seguinte. A Inter terá de esperar mais um ano na Segundona.

O ex-goleiro Moraes e a esposa Marinez Moraes; ela foi uma das fundadoras da torcida organizada feminina da Inter de Limeira

Acompanhando o jogo nos camarotes, o ex-presidente mais jovem da história do clube, Taymom Bueno da Silva, fala rápido e olha toda hora para o campo. O rendimento do time e a possibilidade de o acesso escapar novamente o preocupam. O jogo estava 0 a 0. “Desde 2012, a Inter para no quadrangular final”, diz. Quando assumiu a presidência, tinha apenas 26 anos. O presidente anterior, paulistano, renunciou no meio do mandato e deixou uma folha e meia de pagamento por realizar. Para completar, o time caiu logo na primeira fase da Série A3, acumulava R$ 14 milhões em dívidas e contabilizava mais de 80 ações trabalhistas.

Os torcedores também se afastaram. “O que a torcida queria mesmo era ver um limeirense tocando o clube, alguém da cidade.” Em janeiro do ano passado, transmitiu o cargo ao pai, Altair Bueno.

Um dos grandes méritos do jovem à frente da Inter de Limeira foi o estancamento da dívida. De olho no campo para a volta do jogo contra o Juventus, o hoje superintendente geral Taymom contou que o departamento jurídico montado durante sua gestão trabalhou para não gastar o que não tem. “Com relação à dívida acumulada do clube, não há movimentação para pagar enquanto não sai a nova lei (em discussão em Brasília). A evolução é basicamente a correção”, explicou alguns dias depois com mais calma.

Já as ações trabalhistas foram quase sanadas - ele não precisou quantas - com o valor de dois patrimônios da Inter. O clube de campo, adjudicado, teve seu valor dividido entre os credores do time. Um terreno ao lado do estádio foi leiloado e o R$ 1,4 milhão arrecadados, destinado à Justiça do Trabalho.

O superintendente geral Taymom Bueno e o pai, presidente da Inter, Ailton Bueno; eles devem deixar os postos no time, porque o “fardo é muito pesado”

TORCEDORA


Recomeça a partida. Taymon e o pai voltam para o jogo. Lá embaixo, na terceira fileira das numeradas, uma senhora de brincos de pérola, cabelinho curto loiro acinzentado e camisa da Inter não poupava a garganta. “Vamos, Geovane! Aperta! Aperta que ele não é de nada”, berrava, com as duas mãos em formato de cone ao redor da boca. Dona Marinez Moraes é considerada a torcedora número um da Inter.

Ela só se calou aos 31 minutos do segundo tempo, quando Renato Sorriso dominou uma bola enfiada por Daniel Costa, chutou na saída do goleiro Nunes e abriu o placar para o Juventus. Dona Marinez levou as mãos da cabeça à cintura e olhou sem foco para os jogadores adversários comemorando. O acesso ficara quase impossível. Uma enxurrada de torcedores desceu pela escada lateral, balançando a cabeça e resmungando “ah, eu já sabia”, “de novo isso”, “é sempre assim mesmo”. A torcedora da Inter saiu do transe e, depois de xingar o bandeira de nomes impublicáveis, começou a gritar novamente pelo time. “Vamos virar! Ainda dá tempo!”

Estádio da Inter durante o jogo contra o Juventus da Mooca

Com 70 anos completados um dia depois do jogo, dona Marinez Moraes vive pela Inter de Limeira. Em 1975, quando o time voltou a disputar partidas depois de quase dez anos de paralisação, ela e uma amiga fundaram a torcida feminina Fiel da Inter, que chegou a ter 56 mulheres. “Nós fomos ver jogos em todas as séries pelas quais a Inter passou. Para financiar as viagens, a gente fazia doces e salgados para vender”, lembrou com um orgulho saudoso, no fim do jogo, depois de se refazer do estresse da partida.

Até o casamento de dona Marinez saiu do futebol. “Um amigo meu que era jogador da Inter me apresentou ao meu marido, que também foi jogador lá.” Foi amor ao primeiro jogo ao goleiro e galã Moraes. Com passagens também pelo Botafogo de Ribeirão Preto, Atlético de Jaboticabal e pelo Anápolis de Goiás, jogou por seis anos no time limeirense, quando participou da primeira conquista profissional da equipe, o extinto campeonato da Série Algodoeira. Hoje, uma das filhas do casal, Mary Moraes, é a terapeuta da equipe principal.

Esse e outros episódios vitoriosos da Inter, como os primeiros lugares no Campeonato Paulista de 1986 e o Brasileirão da Série B de 1988, estavam encaixotados em uma sala úmida e cheia de vazamentos do Limeirão, seu estádio. “Nós começamos a reformar, restaurar esse material para cuidar da nossa história, que não pode ser abandonada de jeito nenhum”, ressaltou Taymon. Será construído um memorial da Inter de Limeira.

O jogo com o Juventus chegava quase ao fim quando a torcida organizada da Inter veio caminhando ao som de tambores pela lateral do muro do entorno do gramado e parou próximo do banco de reservas da equipe de Limeira. Uns dois ou três mais exaltados grudaram na grade e começaram a xingar o técnico e os jogadores. “Ah, isso é uma coisa que não faço. Acho muito errado”, lamentou dona Marinez e saiu aos berros em defesa da equipe. A filha teve de contê-la.

Pouco antes de o auxiliar erguer a placa com os acréscimos, o zagueiro Murilo Henrique aproveitou cobrança de escanteio e garantiu ao menos o empate para o time da casa. A gritaria foi geral: o acesso, antes impossível, virava só improvável. Com o resultado, a Inter teria de ganhar da máquina Votuporanguense na casa do rival para subir, o que não aconteceu.

200 SÓCIOS-TORCEDORES


O apoio incondicional de dona Marinez é ponto fora da curva quando se fala da torcida como um todo. “Em 19 rodadas, o time ficou 18 delas no G-4, e a média de público não passou de 300 torcedores. A gente compreende que o time tinha problemas, mas faltou apoio da torcida também”, reflete Taymon. O mesmo com os sócios torcedores. Hoje, não passam de 200.

As obras no estádio foram outra dor de cabeça para a Inter. Como ele é municipal, a prefeitura de Limeira conseguiu um aporte de R$ 2 milhões do Ministério do Esporte, com contrapartida de R$ 400 mil do executivo da cidade para reformar o estádio. De acordo com a diretoria da Inter, a obra, que era para acabar em janeiro do ano passado, não ficou pronta por falta de repasses das verbas federais. Há problemas com a cozinha, com os alojamentos e até com o gramado. Enquanto buscam soluções, o time profissional não disputará competições no segundo semestre. Apesar disso, as categorias de base (Sub-11, 13, 15 e 17) continuam treinando normalmente.

Taymon já avisou que ele e o pai, hoje presidente do clube, estão de saída da administração e, até o fim do semestre, haverá mudanças na diretoria. “Meu pai vai tirar licença, mas ainda sem renunciar para pensar direitinho no que vai fazer. A gente quer dar oportunidade a outras pessoas, mais jovens”, explicou. Os contratos de patrocínio para o Campeonato Paulista expiram em julho. O do patrocinador “master” vai até dezembro. Com essas cifras pretendem garantir o clube até lá. “Nós vamos continuar ajudando a Inter, para (ela) não parar. Nós vamos sair de cena, porque o fardo é muito grande para ser carregado por uma família só.”