O ônibus amarelo banana partia carregado com um punhado de garotos paramentados de uniformes e chuteiras. “É o pessoal da base que está indo jogar”, explicou o assessor de imprensa Vinicius de Paula. Ele fez as vezes de cicerone pelo estádio José Maria de Campos Maia, mostrando cada pedacinho da história do Mirassol. Na sala de imprensa, em um quadro com a linha do tempo do clube, não lhe escaparam nomes e datas. O também pesquisador está escrevendo um livro sobre o time em parceria com o historiador Vitor Saques Júnior, um fanático senhor de 83 anos. O Mirassol serve de exemplo para muitos clubes maiores do ele que caíram em desgraça.
Pelo segundo ano consecutivo faltou pouco para o Leão da Alta Araraquarense chegar à elite do Campeonato Paulista. O acesso bateu na trave. Mesmo com a vitória em casa sobre o União Barbarense na última partida da rodada, o Mirassol amargou o quinto lugar e não conseguiu subir para a primeira divisão. No ano passado, empatou com o Marília e permaneceu na A2 por ter uma vitória a menos. Neste ano, com a mesma pontuação do Água Santa, não o superou nos saldo de gols. Perde dinheiro e prestígio na Segundona.
Investimento teve de sobra para subir. Com uma folha de pagamento de R$ 200 mil para a Série A2, no alto das arquibancadas do estádio recém-reformado não há espaços em branco para alugar: todos já estão preenchidos pelas logomarcas de nove empresas da região. Comenta-se que o patrocinador principal do time, o dono da Bebidas Poty, estaria decepcionado com os resultados obtidos pelo Mirassol após dois anos de pesados recursos. Isso poria o clube em alerta para um eventual fim do patrocínio e certo aperto nas finanças para as próximas temporadas.
Apesar dessas incertezas, a saúde financeira do Mirassol vai bem, segundo o próprio presidente, Edson Antonio Ermenegildo. A receita é simples: “O Mirassol não tem dívidas e está sempre operando dentro do seu limite financeiro...”
— Que barulho é esse?, se interrompe Ermenegildo. Quando vai retomar a fala, um vuuushhhh novamente é ouvido.
— Ah, já sei o que é.
Pega o aparelho celular.
— É que eu instalei isso aqui essa semana. Ele avisa quando foi gol. Está 1 a 0 para o Bayern.
“A gente planeja, faz uma previsão da nossa receita e vai procurando no mercado o que se enquadra naquilo”, explicou o mandatário. A ausência de rombos e dívidas, além de seu grande carisma, pode ser um dos fatores para explicar sua longevidade à frente da presidência: 21 anos. “Acho que só o Vadinho (que faleceu três semanas depois), do Capivariano, é que tem mais tempo.”
Os contratos de publicidade feitos pelo clube, para os espaços no estádio, placas no campo ou camisas, têm duração de um ano, o que dá mais fôlego ao Mirassol e independência para se garantir financeiramente. “Isso ajuda a pagar o período em que não tem campeonato. Não sobra dinheiro, mas também não falta”, disse Ermenegildo.
Essa precisão com o equilíbrio das contas do Mirassol vem lá de trás, desde quando o hoje treinador Ivan Baitello jogou pelo time, entre 1996 e 1997. “Era muito mais simples do que hoje, claro. Mas era um simples eficiente”, contou. Ele também chegara mais cedo para falar de sua grande paixão. “O time já pagava em dia naquela época, inclusive. Tanto é que muita gente preferia ficar aqui no Mirassol, porque era estável, do que arriscar em um local, em tese, com mais estrutura e que não tivesse garantia de receber salário, por exemplo.” Ele treinou a categoria de base do clube entre 2000 e 2003 e a profissional em 2004, 2005 e depois de 2011 a 2013.
A paixão pelo futebol chegou ao filho, jogador da base do Mirassol dos 14 ao 16 anos. “Hoje ele não joga mais. Falei pra ele: ‘vai estudar que é melhor’”, brincou. Para o pai do vestibulando, que aos 28 anos quer entrar em Medicina, o tema da redação da Fuvest do ano passado, sobre cada vez mais espaços exclusivos, cabe muito bem no esporte. “Querem camarotizar o futebol, que hoje está caro.” Na época em que ele jogava, a prefeitura ainda ajudava com alimentação e transporte. “Hoje os clubes têm de se ligar em fazer receita.”
Ele não vê muitos caminhos além das parcerias com empresas fortes, dispostas a investir e tocar os times. “O futebol de Interior vai precisar cada vez mais de parceiros. A figura vai ter de estar vinculada nisso. Tudo o que é clube, tipo XV, Francana, que há dez, 15 anos eram maiores do que o Mirassol, estão mortos hoje.”
Além disso, a Federação Paulista de Futebol (FPF) também deveria equalizar suas cotas. Essa é a avaliação feita pelo presidente do Mirassol. “Eu entendo que o Mirassol não tem de receber o mesmo que recebem os times de grandes torcidas, mas a desproporção está muito grande. Isso precisa ser revisto”, considerou. Ele também propôs que a vitória na Copa Paulista passasse a valer o ingresso na Série D do Campeonato Brasileiro. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) avalia o assunto.
Enquanto o próximo Paulista não vem, o Mirassol trata de consolidar as categorias de base, com a disputa do Paulista no Sub-11, Sub-13, Sub-15, Sub-17 e Sub-20. No segundo semestre, além destas competições, o time profissional vai participar da Copa Paulista.
Distante das polêmicas, das federações e dos patrocínios, o historiador Vitor Saques Júnior respira seu pequeno santuário. Observado pelo rádio antigo de muitos jogos, seja qual for o campeonato que o Mirassol esteja disputando, seu Vitor, que trabalha com todo o empenho no livro sobre a história do time, guardará sempre com carinho a ascensão da equipe até os dias de hoje. Ele, que chegou a bater uma bolinha pela Ferroviária, jogava ao lado dos trilhos do trem e enchia a bola com o vapor da locomotiva.
Encurvado pelo peso da história de seus muito bem vividos 83 anos, levantou para pegar sua coleção de camisas. As primeiras do time, relíquias emboladas no fundo de um armário. Quase se desculpa. “Nós já fomos mais torcedores do que somos.”