Summit Saúde 2018

Há 32% mais ações contra planos de saúde em SP

Fenômeno tem várias razões, desde falhas na regulação do setor de saúde suplementar até o maior conhecimento da legislação pelos usuários de convênios

22 de agosto de 2018
‘É muito revoltante ver que, depois de 33 anos pagando convênio, a gente passe por isso’, afirma Marília Helvio Romero/Estadão
Fabiana Cambricoli

Embora respondam pela assistência médica de apenas 38% da população paulista, os planos de saúde são mais processados do que o Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado, segundo estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A pesquisa, coordenada pelo professor Mário Scheffer, analisou ações julgadas em segunda instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo entre 2011 e 2017.

O levantamento mostra que, no período, foram 53,5 mil demandas relacionadas ao sistema público, ante 70,7 mil processos envolvendo convênios médicos, número 32% maior. Segundo os pesquisadores e especialistas em direito à saúde, o fenômeno tem várias razões, desde falhas na regulação do setor até maior conhecimento da legislação pelos usuários de planos.

Para o advogado Rafael Robba, um dos colaboradores da pesquisa da USP, o alto número de ações contra operadoras reflete problemas na atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “A judicialização espelha algo que não está indo bem”, afirma ele, que defende que a ANS fiscalize e puna de forma mais dura práticas como a negativa de cobertura e reajustes abusivos. Esses são os dois temas que mais levam clientes de planos à Justiça. Já no SUS, diz Robba, a maioria das demandas judiciais é por medicamentos não disponíveis na rede pública.

Scheffer destaca que outra hipótese que pode explicar o resultado é que o SUS tenha mais ações que se resolvam na primeira instância. Para Renata Severo, advogada especializada em direito à saúde do escritório Vilhena Silva, outra razão para convênios serem mais acionados do que o SUS é o maior conhecimento dos clientes dos planos quanto aos seus direitos. “Talvez o beneficiário do plano de saúde vá mais atrás das informações porque ele paga por esse serviço extra.”

Foi o que fez a aposentada Marília Pereira Moraes, de 69 anos, quando o marido, o também aposentado Oswaldo Dias Moraes, de 67 anos, teve o pedido pelo serviço de home care e cuidador negado pelo convênio. Entre abril e julho, o paciente, que sofre de insuficiência renal, passou por três internações. Na última delas, Moraes recebeu alta, mas o plano não queria liberar os cuidados domiciliares necessários.

Marília entrou com pedido liminar na Justiça, exigindo o serviço – solicitação acatada pelo juiz. “Agora ele está melhorando, mas é muito revoltante ver que, depois de 33 anos pagando convênio, a gente passe por tudo isso quando mais precisa”, diz a aposentada.

Mediação. Questionada sobre as críticas, a ANS declarou que “realiza uma fiscalização rigorosa do setor”. Já a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) afirmou que a pesquisa “apenas reflete o acesso desigual ao Poder Judiciário – tendo como um dos fatores a renda da população – e não se relaciona com a qualidade dos serviços ofertados”. A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), por sua vez, afirmou que a judicialização na saúde privada custou, somente em 2017, cerca de R$ 1,5 bilhão e o cenário “não é interessante para ninguém, já que os preços das coberturas necessitam ser majorados, para que todos esses novos ‘riscos’ criados sejam cobertos”.

"Há omissões por parte da agência reguladora que têm levado os consumidores ao Judiciário. ”
Rafael Robba, advogado

'Já detectamos 92 tipos diferentes de fraude'

Combate a ilegalidades fez ações caírem 18%; mas existem 50 milhões de processos contra o Sistema Único de Saúde

22 de agosto de 2018
Para fabricantes, solução passa por incorporar ao SUS o que já está disponível, para evitar recursos ao Judiciário Hélvio Romero/Estadão
Samuel Antenor, especial para o Estado

Ações judiciais contra o SUS têm aumentado nos últimos anos, visando sobretudo ao acesso a medicamentos para tratar doenças raras não incorporados pelo sistema. Para que esses processos não sejam desvirtuados no propósito e criem fraudes, especialistas discutiram possíveis caminhos a seguir por governos e Poder Judiciário, durante o Summit Saúde, promovido pelo Estado em 17 de agosto.

De acordo com eles, o problema é constante entre os cerca de 50 milhões de processos em andamento contra o SUS, embora medidas venham sendo tomadas para evitar que, por via judicial, medicamentos sejam prescritos sem necessidade ou favoreçam interesses particulares, de forma ilícita. Renata Santos, especialista em judicialização na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, afirmou que as ações desse tipo caíram 18% com o combate às fraudes. Segundo ela, em casos de suspeita de irregularidades, a secretaria levanta os dados e os repassa para a Corregedoria da Polícia. “Já detectamos 92 tipos diferentes de fraudes, uma deles envolvendo as mesmas prescrições, médicos e advogados. Houve investigação e os envolvidos foram presos. Já os pacientes, que realmente precisavam dos medicamentos, foram tratados.”

Ainda para evitar fraudes, Renata observou que já há cruzamento de dados em níveis federal, estadual e municipal, para que uma ação que tramita em uma esfera não seja feita em duplicidade.

Nelson Mussolini, do Sindusfarma, que reúne fabricantes de medicamentos, disse que os processos são fruto da lentidão na incorporação de tecnologias pelo sistema. “O brasileiro está vivendo mais e precisamos incorporar ao SUS o que já está disponível, para que os usuários não tenham de recorrer ao Judiciário. Precisamos debater causas, não apenas consequências”.

Sistema público. Durante o debate, Maria Inez Gadelha, do Ministério da Saúde, explicou que um medicamento só pode ser incorporado pelo SUS se houver evidência de sua segurança, eficácia e sustentabilidade quanto aos custos. “Existem cerca de 100 milhões de processos em andamento na área da saúde, 60% dos quais envolvendo medicamentos, mas o risco derivado dessas ações precisa ser discutido, pois há interesses de mercado envolvidos”, alertou. “O processo é técnico e mesmo em casos em que o medicamento é incorporado não há garantia de que processos não sejam abertos e julgados segundo outros critérios.”

Apesar disso, Mussolini vê nas ações judiciais um instrumento de cidadania. “Elas também ajudam a fortalecer protocolos e recomendações e aceleram a incorporação pelo SUS.”

Regina Próspero, do Instituto Vidas Raras, que apoia portadores de doenças raras em vulnerabilidade social, concordou que a lentidão na incorporação de tecnologias leva à judicialização. “Mas há um lado bom nessas ações, e precisamos saber separar as que criam abuso daquelas que não só ajudam pacientes a obter medicamentos de alta complexidade, mas melhoram o próprio SUS.”

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