Mel de abelhas nativas: da entrada à sobremesa


Edinho Engel
Jerônimo Villas-Bôas
Mariana Villas-Bôas

O mel da concórdia

Texto: Olívia Fraga, especial para o Estado
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Se existe um assunto sobre o qual os irmãos Mariana e Jerônimo Villas-Bôas concordam é o mel de abelhas nativas. O da abelha tradicional, nem tanto. É que Mariana adora passar mel de Apis mellifera no pão para comer de manhã. Jerônimo detesta, ainda mais quando pensa no quanto o produto nacional, de sabor delicado e rico (floral, ácido, herbáceo) precisa de incentivo.

Os dois trilharam caminhos diferentes na vida - Mariana foi ser chef de cozinha, e Jerônimo virou ecólogo - mas eles mesmos admitem que o caminho de ambos, nos últimos tempos, têm se cruzado com frequência. Jerônimo é pesquisador e trabalha com pequenos produtores e cooperativas de produção de mel nativo, e Mariana, ao descobrir o potencial gastronômico das amostras que saíam da mala do irmão, não perdeu tempo. Passou a usá-los na cozinha em pratos salgados e doces.

“É interessante ver como, mesmo na cabeça do brasileiro, abelha é um bichinho que pica e fabrica mel viscoso, escuro. Ninguém sabe que aquela abelha que enrosca no cabelo e não faz mal produz algo ainda melhor”, enaltece o pesquisador.

A aula, que estava com a sala cheia começando às nove da noite, misturou uma degustação de quatro méis de abelhas de diferentes regiões brasileiras e seu uso em quatro criações, com a ajuda - e admiração - do chef Edinho Engel, de Salvador. O cozinheiro conheceu Jerônimo no ano passado, na 6ª edição do Paladar Cozinha do Brasil, durante uma degustação de méis brasileiros. Edinho pirou. “Saí do evento completamente encantado. Para mim, foi uma surpresa. Esse mel é um ingrediente. É ácido, tem água, precisa ser melhor investigado. Só agora os chefs estão tomando conhecimento deles, porque a venda é irregular, o governo não o reconhece como mel e proíbe sua comercialização”, afirmou Edinho.

A lei que regulamenta a meliponicultura - produção de méis de abelhas nativas - é a mesma desde 1952 e não leva em conta a peculiaridade local. Coloca no mesmo balaio megaindústrias alimentícias e produtores familiares. O mel brasileiro, assim como o mexicano, é bastante úmido, e o governo só permite a venda (com selo do SIF) de méis com 21% de umidade. O nacional tem porcentagem superior, o que pode contribuir para a fermentação. “O que nós temos defendido, Brasil afora, é que o agricultor invista para controlar a fermentação. Se ele conseguir domar esse processo natural, o mel fica ainda mais interessante do ponto de vista gastronômico e pode chegar ao consumidor com a mesma qualidade de qualquer produto fermentado”, explicou Jerônimo.

Produtores de todo o País têm feito seu papel e há projetos, especialmente no Maranhão, que aprimoraram o mel local, que está pronto para “viajar” - ser vendido e comercializado em todo o território nacional com qualidade, com zero risco de deterioração. Mas o governo continua míope para a questão, e as iniciativas podem morrer na praia. “O meliponicultor precisa sustentar sua família, não dá para esperar pela ação do governo em regulamentar o setor”, disse o ecólogo.



Palmito de pupunha glaceado em mel

Abadejo em crosta de castanha de caju

Manjar de castanha com pólen

Bolo de mel de abelhas silvestres