Na natureza selvagem


Helena Rizzo
José Ferreira


Delicadeza concentrada

Texto: José Orenstein
Foto: Felipe Rau/Estadão
A cozinha do Maní, restaurante dos chefs Helena Rizzo e Daniel Redondo, evolui e depura a cada ano. E, a cada ano, no Paladar - Cozinha do Brasil, a apresentação de Helena Rizzo mostra cada vez mais concisão. É como se da ideia de gastronomia que Helena propõe fosse feito um molho em redução, mais concentrado e intenso. Assim, neste ano, a pesquisa dos ingredientes nacionais, trabalhados por uma técnica sofisticada e detalhista, com cortes milimétricos, preparos alongados, experiência de texturas, apareceu mais forte.

Com a palavra Helena Rizzo: "A gente vive esse momento em que não tem mais novidade. E não dá para olhar para tudo. Então é preciso fazer o exercício de olhar para cada ingrediente, explorá-lo melhor". A chef conta que sempre recebe na cozinha do Maní ingredientes trazidos por amigos, chefs, estagiários, produtores, mas que não tem como apropriar-se de tudo. Resolveu então se aprofundar: "senti necessidade de ver quem colhe, quem planta, como cozinha, como vive quem produz esse ingrediente". Dito e feito: com Daniel Redondo e equipe, ela foi visitar o sítio ecológico São José de José Ferreira, que Helena chamava Seu Zé, na região de Parati.

José Ferreira tem um sistema de produção agroflorestal, em que são cultivadas diversas espécies de vegetais e plantas lado a lado, em meio à floresta. Foi ele quem abriu a aula de Helena, contando de sua experiência de 13 anos nesse sistema. Disse que, em seu sítio, 87% do que come é cultivado por ele. "O sistema agroflorestal é, na verdade, coisa de índios. Está nas nossas origens". Serviu então um chá de casca de jatobá e um de feijão guandu, além de geléias de frutas que ele mesmo colheu, com chips de banana verde feito por Helena. José Ferreira então perguntou - e logo emendou a resposta: "O que é ser sustentável? Precisamos ter qualidade de vida - e a única forma de ter isso é ter alimentação de qualidade".

Enquanto José Ferreira discorria sobre agroflorestas e agricultura familiar, Helena começava a montar os pratos. Um camarão no vapor de cachaça, com sopa fria de jabuticaba e delicadíssimos e minúsculos pedaços de picles de mamão verde em forma de flor, que, ácidos, equilibravam a doçura da sopa. José Ferreira então ensinava como distinguir taioba brava da boa, e Helena pilotava facas, pinças e panelas a produzir um lagostim com gel de bacupari (fruta de origem amazônica cultivada no sítio São José), a própria taioba (folhas e caule) e uma farofa flocada de pupunha, também do sítio São José, salpicada sobre o lagostim.

Teve ainda o nhoque de mandioquinha com araruta, premiado prato apresentado no Paladar - Cozinha do Brasil, em nova leitura: dessa vez, era servido num dashi, caldo base da cozinha japonesa, de lambari salgado e desidratado. E, por fim, um mil folhas muito delicado, montado como um minidominó - pequeninos quadrados de massa folhada entremeados horizontalmente, ao longo do prato, por um creme à base de raiz de lírio em vez de baunilha, e um sorbet de flores de lírio com limão. No arremate, pétalas desidratadas da flor do lírio foram pousadas sobre o creme.



Sopa fria de jabuticabas com camarão

Lagostim com bacupari e taioba

Nhoque de mandioca com araruta

Mil folhas com creme de raiz de lírio

Lagostim
Lambari seco
Raiz e flor de lírio