O motorista Ailton Alves da Silva tinha 33 anos quando soube, pela boca de uma médica, que lhe restavam quatro meses de vida. Sem nunca ter fumado, ele foi diagnosticado em 2012 com um câncer de pulmão que já havia se espalhado para outros órgãos.
Hoje, cinco anos depois, os exames de Silva surpreendentemente não acusam mais indícios de lesões malignas. A recuperação do motorista não é explicada por razões místicas ou religiosas, mas, sim, pelo avanço da ciência em uma área cada vez mais promissora: a medicina personalizada.
É por meio do desenvolvimento desse campo que pacientes têm tido acesso a exames e tratamentos individualizados e precisos, geralmente mais eficazes porque levam em consideração as particularidades de cada doença e doente.
Foi um teste genético o principal responsável pela “salvação” de Silva. Como o câncer de pulmão é dividido em vários subtipos, a não descoberta das características de cada tumor pode fazer o paciente se submeter a um tratamento inadequado.
No caso dos tumores de pulmão, o tratamento padrão para a maioria dos doentes é a quimioterapia, e foi ela a primeira arma usada pelos médicos de Silva contra a sua doença. O paciente, no entanto, foi orientado pela equipe do A.C. Camargo Cancer Center, onde se trata, a fazer, em paralelo, o tal teste, que determinaria qual era o tipo específico de câncer de pulmão que ele havia desenvolvido.
“Foi constatado que ele tinha uma alteração no gene ALK: um subtipo raro de adenocarcinoma do pulmão, que representa só 5% de todos os casos”, explica Helano Carioca Freitas, médico titular da oncologia clínica e coordenador da pesquisa clínica do A.C. Camargo.
A partir daí, o protocolo de tratamento de Silva foi alterado. Estudos em andamento na época mostravam que um medicamento em fase de testes poderia ser mais eficaz do que a quimioterapia nos casos de câncer com mutação do gene ALK.
O paciente foi incluído, então, em um programa de uso compassivo (de medicamento ainda em teste) do laboratório farmacêutico que estava testando a droga. A melhora foi evidente. “Tomo esses remédios até hoje para evitar que o tumor volte a crescer. Já tem um ano que não há nenhum sinal da doença nos meus exames. Se eu tivesse continuado só com a quimioterapia, que é o tratamento padrão, eu provavelmente nem estaria mais vivo”, conta o paciente.
Paternidade assegurada. O tratamento é feito com remédios do tipo terapia alvo, de uso oral, que atacam somente as células tumorais, provocando menos efeitos colaterais que a químio por não matar células saudáveis. “Foi decisivo passar por esse teste e mudar meu tratamento não só pela minha sobrevivência, mas pela qualidade de vida que tenho. Se eu tivesse continuado com a químio, provavelmente teria minha fertilidade alterada e não poderia ter minha segunda filha”, diz ele, que foi pai há dois meses.
'Não tive de ir durante 1 mês ao hospital para sessões'
Alexandre Serai, 1º com tumor de cérebro a fazer radioterapia intraoperatórias
Quando descobriu um câncer no cérebro em 2015, o comerciante Alexandre Serai, de 52 anos, passou por cirurgia, quimioterapia e mais de 30 sessões de radioterapia. A doença foi eliminada na época, mas um novo tumor apareceu em 2017.
Desta vez, porém, o paciente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz tinha uma tecnologia mais precisa à disposição: foi o primeiro doente com tumor de cérebro da América Latina a se submeter à radioterapia intraoperatória, técnica feita durante a cirurgia, com o paciente ainda aberto. O procedimento foi possível graças a um equipamento chamado Intrabeam, disponível em poucos hospitais brasileiros.
“Com a radioterapia convencional ou radiocirurgia, a dose de radiação é muito maior e pode danificar também áreas próximas do tumor. Com o Intrabeam, é possível direcionar a radiação de forma muito mais precisa e ainda proteger áreas próximas com uma lâmina de chumbo, já que o paciente está aberto”, explica Rodrigo Hanriot, coordenador da radioterapia do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Outra vantagem da técnica é que a sessão feita ainda durante a cirurgia é única. “Não tive de me deslocar durante um mês inteiro para o hospital para fazer 30 sessões, como da primeira vez. Além de mais precisa, ela traz mais conforto também”, diz Serai, que se submeteu ao procedimento em março.
Sorte e azar. Nos exames de acompanhamento feitos posteriormente, a doença está controlada. “Às vezes penso que posso ter o azar de ter contraído o câncer, mas tenho a sorte de estarmos em uma fase da Medicina em que estão surgindo novos tratamentos. Antes, o câncer era quase uma sentença de morte. Hoje não é mais.” / F.C
'Tratamento restabeleceu a minha dignidade'
José de Carvalho testou imunoterápico que lhe permitiu recuperar o paladar
Além de propiciar o desenvolvimento de terapias mais precisas no combate às doenças, a medicina personalizada pode também ajudar a diminuir os efeitos colaterais de tratamentos. Lidar com o medo da proliferação do câncer não foi o único drama enfrentado pelo empresário José Wagner Macedo de Carvalho, de 70 anos, após a descoberta de um tumor renal, em 2015. Além de perder 17 quilos por complicações pós-cirúrgicas, ele ficou sem paladar por causa do remédio que tomava para evitar o avanço da doença.
“Era uma coisa muito dramática para mim. Sentia fome, necessidade de me alimentar, sentia aquele cheiro maravilhoso da comida, mas, quando comia, era como se fosse isopor”, afirma ele.
Foi então que o oncologista de Carvalho sugeriu que ele desse seguimento ao tratamento com outro tipo de medicamento, um imunoterápico – remédio que “ativa” as próprias células de defesa do paciente para agir contra a doença. Como o remédio ainda estava em fase de testes, o empresário passou a ter acesso ao tratamento inovador como um dos voluntários da pesquisa clínica.
“Quando comecei a tomar esse remédio, em abril de 2016, minha vida mudou da água para o vinho. Voltei a sentir o sabor da comida, recuperei o peso perdido. São pequenos detalhes da vida que a gente só dá valor quando perde mesmo”, diz ele.
Como sempre praticou exercícios físicos durante toda a vida, Carvalho diz ter ficado abalado quando a doença o deixou magro, debilitado e sem poder alimentar-se. “É muito difícil ter sido sempre saudável e, de repente, enfrentar essa situação. O novo tratamento restabeleceu minha dignidade.” / F.C.
Custo desafia a terapia individualizada
Que a medicina personalizada é o futuro do cuidado em saúde ninguém duvida, mas quantos brasileiros terão acesso às terapias individualizadas? Diretor-geral do centro de oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Riad Younes destacou o surgimento, nos últimos anos, de testes laboratoriais que identificam detalhes dos tumores e sinalizam os tratamentos mais eficazes, mas lembrou que os medicamentos indicados para cada subtipo da doença estão cada vez mais caros. “Até a década de 1980, nenhum medicamento contra o câncer lançado nos Estados Unidos custava mais de US$ 200. Desde 2008, nenhum remédio do tipo é lançado por menos de US$ 10 mil.”
Diretora executiva médica do laboratório Fleury, Jeane Tsutsui destacou, no entanto, que o próprio investimento em técnicas de medicina personalizada pode trazer economia. “Quando você olha o todo, adiciona o custo de um teste, mas extrai o gasto com uma quimioterapia desnecessária, por exemplo.”
Trabalhar de forma colaborativa com outros centros no mundo é o caminho para descobrir avanços médicos de forma mais barata e rápida, na opinião de Iscia Lopes Cendes, porta-voz da BIPMed. “Não temos de começar do zero ou tentar reinventar a roda. Temos de nos associar a organismos internacionais para avançar juntos.”
Diretor do laboratório de genética e cardiologia molecular do Instituto do Coração (InCor), José Eduardo Krieger destacou outro dilema da medicina personalizada. “Com esses testes genéticos, será que eu quero saber antecipadamente se tenho suscetibilidade a uma determinada doença, principalmente se eu não tiver muito o que fazer quanto a isso, como no caso do Alzheimer?” / F.C.
Acesso, uma palavra-chave para o futuro
:Os medicamentos do futuro deverão focar no paciente e ter maior disponibilidade de acesso. É o que defendeu o presidente da Roche Farma Brasil, Rolf Hoenger, no painel Medicamentos do Amanhã do Summit Saúde Brasil. “Lembro muito de um paciente que me falou: todos queremos não só viver, mas ter também as mesmas oportunidades de tratamento. Esse é um resumo do que a medicina deve ser no futuro.”
“Quando se pensa no futuro, falamos de personalização. E isso já é realidade. Você faz um teste, detecta mutações e consegue individualizar um tratamento. Se o paciente não tem informação, provavelmente vai chegar muito tarde na cadeia dos medicamentos, e aí não é possível prolongar sua vida com boa qualidade”, disse Hoenger.
Jorge Alves, da BMS, lembrou que a enorme quantidade de informações geradas hoje poderá evitar desperdícios e fazer com que, cada vez mais, o paciente consiga usar exatamente a medicação que precisa. “A Big Data vai ajudar muito na definição do melhor tratamento, de forma a evitar desperdícios.”
Já a diretora médica da Sanofi, Luciana Giangrande, destacou que há atualmente 7 mil moléculas em desenvolvimento e cerca de metade delas traz algum mecanismo de ação inovador. Ela destacou sobretudo a importância na questão das doenças raras. “Há hoje cerca de 7 mil e só 5% têm tratamento disponível.”
Para Luciana Holtz, do Oncoguia, é essencial que esses novos remédios venham com o maior acesso pela população. “A palavra-chave de tudo que estamos discutindo é o acesso. É preciso discutir o acesso ao exame, ao especialista, ao tratamento e à equipe multidisciplinar”, afirmou. / L.F.T