Tomo. Há versões cada vez mais modernas, como a do Hospital Oswaldo Gruz. Gabriala Biló

Desperdício e fraude no sistema de convênios batem R$ 20 bilhões em 2016

Levantamento inédito aponta que até 40% dos exames pedidos são desnecessários

Por Luiz Fernando Toledo

As operadoras de saúde no Brasil gastam cerca de R$ 20 bilhões em procedimentos desnecessários ou fraudulentos. O prejuízo representa 15% das despesas assistenciais no País. Desses, R$ 11 bilhões foram em contas hospitalares e R$ 9 bilhões em exames. É o que aponta um levantamento inédito, atualizado a pedido do ‘Estado’, do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).

O estudo levou em consideração uma estimativa da Escola Nacional de Seguros (Funenseg), que apontou que entre 10% e 15% dos reembolsos pedidos são indevidos, 12% a 18% das contas hospitalares apresentam itens indevidos e de 25% a 40% dos exames laboratoriais não são necessários. Os porcentuais foram aplicados aos gastos em saúde dos períodos de 2015 e 2016 estimados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A cifra é menor do que o que foi apontado em 2015: naquele ano, houve R$ 22 bilhões em gastos indevidos ou fraudes. A redução, segundo o instituto, aconteceu por causa da queda de despesas das contas hospitalares e gastos com exames, de 10,5%. “Há um desperdício tanto na rede pública quanto na privada. As causas são muitas: má gestão, a ‘indústria’ da liminar, a falta de confiança nos agentes de saúde. Virou uma bagunça e isso tem causado um custo desnecessário”, diz o diretor da Associação brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Pedro Ramos.


O problema ganhou evidência nacional com a revelação da chamada Máfia das Próteses, esquema em que médicos e hospitais recebiam comissões de fabricantes de dispositivos médicos para usar produtos de determinada marcas nas cirurgias dos pacientes. Até operações sem necessidade foram feitas. “A situação ainda persiste. É importante que o beneficiário busque sempre a segunda opinião médica nos casos de procedimentos de alta complexidade”, diz a presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaude), Solange Beatriz Palheiro Mendes.

Saídas. Foi com objetivo de se criar essa cultura da “segunda opinião” que o médico Edmond Barras decidiu dar início a um projeto piloto no Hospital Beneficência Portuguesa. Beneficiários de planos de saúde que tiverem poderão solicitar, gratuitamente, consulta com um médico para uma segunda opinião em casos de cirurgia de coluna. A iniciativa começa a valer até outubro. “De cada dez cirurgias na coluna, apenas quatro são indicadas. Muitos problemas poderiam ser resolvidos com uma fisioterapia, por exemplo. É preciso entender que a cirurgia é um ato muito sério”, diz.

Já a ANS aposta em mudar o modelo atual de pagamento dos prestadores de serviço. Um grupo técnico de remuneração criado pela agência discute uma forma de pagamento que poderá ser feita com base nos resultados em saúde e na prevenção de doenças. A agência também criou, neste ano, o projeto Sua Saúde, iniciativa focada na divulgação de orientações para que o paciente realize uma boa consulta com o profissional de saúde, com sugestões de perguntas a se fazer, por exemplo.

Virou uma bagunça e isso tem causado um custo desnecessário” Pedro Ramos, DIRETOR DA ABRAMGE
O modelo atual de pagamento de prestadores é pouco eficiente, pois não está centrado na segurança do paciente e na qualidade dos resultados assistenciais” Karla Coelho, DIRETORA DE NORMAS E HABILITAÇÕES DOS PRODUTOS DA ANS
O paciente não tem capacidade de definir, mas pode averiguar qual é o melhor prestador para realizar seu tratamento” Luiz Carneiro, SUPERINTENDENTE DO IESS

‘Regra excessiva cria oportunidade para a corrupção’

Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do IESS, observa que o papel do governo é regulamentar o setor público e privado. “Mas uma regulação excessiva tem como consequência a criação de oportunidade para a corrupção. Também implica um sistema burocrático que cria dependência judicial, com custos significativos."

O que pode ser feito? É importante criar leis que estimulem a avançar no aprimoramento de indicadores de qualidade e novas formas de modelos de pagamento, assim como trazer transparência ao sistema. Leis que enrijecem o sistema dificultam o combate às fraudes. Também se deve investir em tecnologia na área de prontuários eletrônicos.

Qual é o impacto desse problema hoje no setor? Entre 2002 e 2015, a Controladoria-Geral da União (CGU) detectou irregularidades que desviaram da saúde pública aproximadamente R$ 5,04 bilhões, o que equivale a 27,3% do total de irregularidades em todas as áreas do governo. A CGU estimou só para o ano de 2016 uma quantia de R$ 489 milhões.

Como o paciente pode avaliar melhor os procedimentos que são indicados? O paciente não tem capacidade de definir, mas pode averiguar qual é o melhor prestador para realizar seu tratamento. A inserção de prontuários eletrônicos facilita o armazenamento de dados personalizados e isso vai trazer transparência ao paciente, que terá acesso aos exames e diagnósticos e, quando for a um outro médico, não necessariamente terá de realizar os exames novamente. / L.F.T.

Ação preventiva cresce 3.176% no País

Há 8 anos, só havia 50 iniciativas levadas à ANS; trabalho foca análise de uso e melhoria da qualidade de vida

Por Luiz Fernando Toledo

Os gastos crescentes com procedimentos desnecessários fazem com que, cada vez mais, as operadoras foquem na criação e na personalização de programas de prevenção para seus segurados. Houve aumento de 3.176% nas iniciativas desde 2009. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), obtidos pelo ‘Estado’, apontam que havia 50 iniciativas em 2009 informadas à agência pelas operadoras. Hoje, são 1.638. Nelas, 1,9 milhão de pessoas são atendidas.

A assistente de qualidade de vida Simar Botelho Cordeiro, de 42 anos, participa há quatro do programa Juntos pela Saúde, do Bradesco, em um tópico específico para pacientes com doença crônica. Ela é portadora de dislipidemia, doença que causa alteração no colesterol. “Eu era uma pessoal totalmente sedentária. Quando me inseriram no programa, passei a ter um acompanhamento. Hoje faço exercícios e exames regulares. Já perdi dez quilos”, conta.

As ligações de especialistas ocorrem periodicamente. “Perguntam se marquei alguma consulta, se pedi algum exame, quais foram os resultados. E também mantêm um histórico de tudo que foi conversado. Esse acompanhamento faz com que eu mude os meus hábitos. Hoje eu frequento academia e faço acompanhamento nutricional e exames a cada seis meses”, conta ela.

Bradesco Seguros realiza reuniões trimestrais em um comitê de saúde para fazer análises de grupos de beneficiários e propor soluções com base em uma análise epidemiológica. O Juntos Pela Saúde teve início em 2006 e atende clientes dos planos empresariais. As ações vão desde a entrega de material explicativo e realização de palestras até a elaboração de programas específicos de gestão de patologias. “O cliente aceita participar porque entende que vai receber uma atenção a mais, com orientações de como ele pode efetivamente ajudar a cuidar da saúde. Isso evita a ida desnecessária ao pronto-socorro”, diz o diretor da empresa Flávio Bitter.

Coaching. Oliveira recebe ligações a cada 45 dias. Gabriela Biló

Prevenção. O administrador e consultor em recursos humanos Ronaldo Oliveira, de 55 anos, participa há três anos do programa Consultor de Bem Estar, da SulAmérica. “É uma espécie de coaching da saúde”, resume ele, que recebe ligações a cada 45 dias. “Meu maior problema é a falta de exercício. Funciona como uma espécie de cobrança. Sei que preciso fazer uma ginástica e isso acaba ficando como minha lição de casa. O mais importante é que eles estão ali mais para te ouvir e fazer perguntas, de forma a mostrar o caminho a seguir”, conta.s

A professora Ivani Feixas, de 69 anos, sentia dores na coluna quando recebeu uma das ligações do programa da SulAmérica. “Aí me encaminharam para um tratamento, uma espécie de ginástica. Eles incentivam a gente a se cuidar”, diz ela. A SulAmérica tem hoje dez iniciativas desenhadas para públicos específicos, que vão desde o jovem saudável que precisa apenas de um acompanhamento até o portador de doenças crônicas. O Consultor de Bem Estar, por exemplo, foca em comportamentos que podem afetar a saúde e trazem riscos a médio e longo prazo. Para chegar aos pacientes, o plano utiliza dados de suas contas médicas para saber qual o melhor programa indicado para cada pessoa. Há, hoje, cerca de 70 mil segurados nessas ações.

A mais recente delas, chamada Atenção no Alto Risco, foca em segurados que passaram recentemente por uma internação hospitalar para determinados quadros, de média a alta complexidade. “Os programas partem de um mapeamento do estado de saúde, estilo de vida e riscos de cada segurado”, diz a superintendente de serviços médicos Raquel Imbassahy, da SulAmérica.

Médico de família. Em busca de um melhor funcionamento do sistema de saúde, a Amil detectou um grupo de “superutilizadores” de seus planos – perfil de segurado que realiza muitos procedimentos ou gasta volume de dinheiro alto – e deu prioridade a eles na oferta dos programas de prevenção. Há hoje 68 mil beneficiados – 30 mil considerados neste perfil de alto uso do plano. “Na faculdade aprendemos que a metodologia de prevenção é muito mais eficaz do que deixar o paciente chegar à atenção hospitalar, mas isso vai sendo deixado para trás com o passar do tempo. Vivemos em um mundo ‘hospitalocêntrico’. Mas hoje a sociedade não é mais capaz de pagar por isso”, diz o diretor de gestão de saúde da Amil, Daniel Coudry. Para ele, há uma “fragmentação de cuidados”, com um paciente que não sabe qual deve ser sua porta de entrada quando precisa de determinado atendimento médico.

Foi com base nisso que a empresa criou os Clubes Vida de Saúde, que oferecem atendimento com base na coordenação do cuidado, com médicos de família e apoio de equipes com psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, enfermeiros e agentes de saúde. “Queremos que o paciente saiba qual porta abrir”, diz Coudry. Lançadas em 2016, hoje existem 16 unidades desse gênero.

O vendedor Laerte Rocha, de 53 anos, conheceu o Clube Vida depois de conversar com um cardiologista. Já estava com sobrepeso na época. “Vários médicos me atendiam: cardiologista, endocrinologista, e assistia a uma série de palestras. Isso me ajudou muito”, diz ele, que tinha 110 quilos e hoje está com 68. “Faço duas horas de caminhada todos os dias.”

‘Inflação médica’ ainda é de dois dígitos

Por Douglas Gavras

A crise que reduziu o número de associados individuais ou ligados a empresas fez os planos de saúde repensarem alternativas para cortar custos sem comprometer a qualidade do serviço. Empresas do setor lembraram que, enquanto a inflação geral tem quedas sucessivas e deixa de ser um problema para os brasileiros, a inflação médica subiu de uma média de 14,5% para a casa dos 19% nos últimos quatro anos.

“As empresas buscam minorar perdas. Estima-se que dos gastos anuais de R$ 150 bilhões em saúde suplementar, R$ 40 bilhões sejam desperdiçados”, disse Irlao Machado Filho, presidente do Grupo NotreDame - Intermédica.

Helton Freitas, da Unimed, lembrou que os planos brasileiros hoje não estão entregando o que os conveniados esperam. “Precisamos tornar o sistema mais eficiente para conseguirmos resultados melhores.”

Sérgio Santos, da Amil, lembra que a falta de controle pode fazer com que o serviço fique insustentável nos próximos anos. “Estamos colhendo o resultado de uma série de erros do passado e não estamos enfrentando os novos problemas de forma adequada. Existem fraudes, por exemplo, de entrada de microempreendedores individuais no sistema sem regulação, o que aumenta riscos.”

Manoel Peres, da Bradesco Saúde, avalia que é preciso uma união maior das empresas do setor para combater o que se tornou “cultura do abuso”. “As empresas devem se requalificar para que técnicas criadas para renovar os tratamentos a determinadas doenças não sejam usadas para fraudar o sistema. Quem não conhece casos de empréstimo de carteirinhas, de exames desnecessários?”

Meta. Machado, Freitas, Santos e Peres defenderam minorar perdas. Amanda Perobelli/Estadão
São diversos os casos de mau uso dos recursos que acabam por encarecer os serviços para todos. Temos uma média de 14% de internações em prontos-socorros, quando a realidade internacional é de 2,1%” Irlao Machado Filho, NOTRE DAME
Pesquisas internacionais apontam que 61% dos ingleses consideram o sistema de saúde, tanto público quanto privado, ótimo ou bom – no Brasil, esse índice é de 4%” Helton Freitas, UNIMED
A eficiência é de interesse do usuário também” Manoel Peres, BRADESCO SAÚDE