Telemedicina, equipe superespecializada, pesquisa de satisfação com pacientes: práticas antes restritas aos melhores hospitais privados do País já são realidade também em algumas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) paulista. Parte delas teve de adotar as melhorias na tentativa de seguir padrões de qualidade internacionais. E conseguiu.
Dados da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo mostram que seis hospitais da rede já contam com acreditações internacionais, como a da Joint Comission International, principal entidade de certificação do mundo, que toma por base critérios adotados nos Estados Unidos. Outros 17 hospitais estaduais têm certificações de qualidade de organismos nacionais, como os da Organização Nacional de Acreditação (ONA). Na capital paulista, dois centros médicos têm selo nacional de qualidade.
Há apenas sete anos, nenhum hospital da rede pública paulista tinha acreditação internacional. O primeiro a obter um título desse gênero foi o Hospital Geral de Diadema, na região metropolitana, em 2010, com a certificação Accreditation Canada International.
A obtenção dos selos de excelência tornou-se prioridade em unidades administradas por meio de parcerias público-privadas entre o Estado ou a Prefeitura e Organizações Sociais de Saúde (OSSs).
“Desde o início dos anos 2000 já vínhamos desenvolvendo melhorias para organizar melhor o atendimento e os processos nos hospitais, como definir planos terapêuticos para cada paciente, oferecer equipes multiprofissionais, ter equipe médica com praticamente 100% dos profissionais com título de especialista. Essa preocupação com a qualidade se refletiu nas certificações”, diz Nacime Salomão Mansur, superintendente das instituições afiliadas da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), OSS parceira do Estado que administra o Hospital de Diadema e outras unidades da rede.
Além do hospital da região metropolitana, conquistaram o selo de excelência da entidade canadense as unidades de Vila Alpina (zona leste da capital), Pirajuçara – em Embu das Artes (Grande São Paulo) – e Sumaré (interior paulista). Já o Hospital de Itapecerica da Serra e o Instituto do Câncer do Estado de (Icesp) contam com acreditação da Joint Comission.
Surpresa. Paciente da unidade de Diadema, o pintor Robson Galdino, de 46 anos, disse que se surpreendeu com o atendimento na unidade. Ele foi operado no local no ano passado, após romper quatro ligamentos do joelho direito jogando futebol. “Fui a outro hospital, mas a fila de espera para a operação era muito demorada e me encaminharam para Diadema, onde consegui uma vaga mais rápido. É um hospital muito organizado, a equipe toda foi atenciosa. Acabou sendo uma surpresa para mim”, conta ele.
Na rede paulistana, o Hospital Dr. Moysés Deutsch M’Boi Mirim, na zona sul, foi certificado em 2014 com o maior nível de excelência da ONA. “Algumas coisas que a gente destaca são o nosso processo de qualidade e segurança do paciente, o serviço de telemedicina e as pesquisas de satisfação dos pacientes”, diz Fabiana Rolla, diretora interina do centro médico, também administrado por OSS.
Por meio do programa de telemedicina, os profissionais da unidade de M’Boi Mirim têm contato 24 horas com especialistas do Hospital Albert Einstein, que os auxiliam na resolução de casos dos pacientes graves que chegam ao pronto-socorro. Em dois anos de programa, o índice de mortalidade por Acidente Vascular Cerebral (AVC) caiu de 21% para 5%. “A gente sempre se compara com hospitais privados para olhar o que podemos fazer de melhor”, conclui Fabiana.
A saúde tem de ser pensada em rede, em casa, no trabalho, em políticas simples de como se evitar doenças” Ana Maria Malik, GV SAÚDE
Saímos do século dos cirurgiões e entramos no século da saúde. O paciente pede transparência nos diagnósticos, vê a informação como um direito” Antonio Antonietto, HOSPITAL SÍRIO-LIBANÊS
Educar o paciente evita desperdício de tempo e de recursos” Marcia Makdisse, ALBERT EINSTEIN
É preciso racionalizar os poucos recursos que temos” Orestes Pullin, UNIMED BRASIL
Temos tecnologia, falta mais cuidado com recursos” Fabrício Campolina, ABIMED
40% dos pacientes atendidos em SP são de fora do Estado
Rede realiza hoje metade dos transplantes de órgãos do País e um terço das tomografias e ressonâncias magnéticas
A expertise de hospitais públicos de São Paulo no atendimento a casos mais complexos tem atraído cada vez mais pacientes de fora do Estado em busca de tratamento especializado. Segundo a Secretaria da Saúde, 40% dos atendimentos de média e alta complexidade feitos em unidades do SUS paulista beneficiam doentes que não vivem no Estado.
Apenas no ano passado, houve 565 mil atendimentos a doentes que moram fora, dos quais 542 mil foram procedimentos ambulatoriais, como consultas e exames, e 23 mil foram internações hospitalares. Embora concentre um quarto da população brasileira, o Estado de São Paulo realiza hoje metade dos transplantes de órgãos do País e um terço de todos os exames de ressonância magnética e tomografia da rede pública brasileira.
De acordo com o secretário estadual da Saúde de São Paulo, David Uip, os transplantes e as cirurgias cardíacas são os procedimentos mais buscados por pacientes de fora. “É natural que os pacientes venham para onde há serviços melhor estruturados. Para realizar um procedimento desse tipo, são necessárias equipes profissionais muito bem formadas, UTIs apropriadas”, diz ele.
O secretário ressalta, no entanto, que o fenômeno traz custos extras aos cofres públicos paulistas. “Temos um valor teto que recebemos do Ministério da Saúde para procedimentos de média e alta complexidade e todo ano estamos estourando em R$ 550 milhões. A gente então acaba fazendo mais procedimentos do que o previsto e não recebe nada por isso. É aí que a conta não fecha”, afirma o secretário.
Morador de Porto Velho, em Rondônia, o funcionário público Raimundo Nonato da Silva, de 57 anos, foi transferido para o Hospital de Transplantes, na região central da capital paulista, para receber um fígado. “Eu tinha hepatite C em um grau avançado. Cheguei a passar mal e ficar em coma em Porto Velho, mas lá não tinha nenhum hepatologista. Se eu ficasse lá, era capaz de não estar vivo”, diz. / F.C.
No lugar de cortar, vale racionalizar
Sem recursos, tanto o sistema público quanto o privado têm de repensar os processos, segundo especialistas
Ainda que os investimentos públicos e privados sejam fundamentais para a expansão dos cuidados médicos no País, é preciso repensar processos para que os hospitais consigam fazer mais com recursos cada vez mais limitados, disseram os palestrantes convidados pelo Summit. O setor público, que historicamente carece de recursos, viu os aportes nos hospitais se comprimirem com os cortes de orçamento. O sistema privado também sente o baque do aumento do desemprego e do orçamento mais apertado dos brasileiros. “O que se propõe hoje, para que essa equação feche, não é um corte de custos. O que se busca é uma maneira de usar melhor os recursos”, disse Ana Maria Malik, da GV Saúde.
Os especialistas também constatam que o perfil do paciente mudou muito nos últimos anos – ele hoje é mais atento e bem informado. “No cotidiano dos hospitais, sejam públicos ou privados, há um entendimento cada vez maior de que os diagnósticos devem ser abrangentes e trazer transparência aos pacientes, com o objetivo de racionalizar a visita ao médico”, avalia Antonio Antonietto, do Hospital Sírio Libanês. “Nossos sistemas precisam criar plataformas para que o usuário compare prestadores e evite consultas desnecessárias”, diz Marcia Regina Makdisse, do Hospital Albert Einstein.
Para Fabrício Campolina, da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde, o caminho passa ainda por evitar o desperdício para garantir o atendimento. “Temos tecnologia, falta mais cuidado na maneira como empregamos esses recursos.”
Por fim, Orestes Pullin, da Unimed Brasil, lembrou que o País gastou em saúde US$ 1.300 por pessoa em 2014, enquanto a Inglaterra destinou US$ 3.300 por cidadão. “O setor privado tenta resolver uma questão criada na Constituição de 1988, que criou benefícios importantes de saúde, mas em uma economia que não dá conta dessa obrigação.” / DOUGLAS GAVRAS