Aos treze anos de idade, eu tinha um programa na Rádio Clube de Três Pontas, minha cidade, no sul de Minas. Nessa época, eu costumava ouvir música do mundo inteiro, havia muita coisa de Cuba, França, Espanha, Estados Unidos e, principalmente, do Brasil. No meio disso tudo, uma dos acontecimentos que mais fizeram minha cabeça foi quando descobri Dorival Caymmi. Eu passava horas, dias, semanas e meses seguidos ouvindo somente Caymmi, e nada mais. Aquela voz inimitável e aquele violão capaz de uma força transcendental foi, sem dúvida, uma das maiores influências musicais em toda minha vida.
Quando cheguei ao Rio, em 1967, para participar do Festival Internacional da Canção (FIC), fui apresentado ao Danilo Caymmi. Me lembro que estávamos na praia com uma turma quando comecei a tocar Catavento, e o Danilo ficou tão maluco que, assim que eu toquei o último acorde, ele afundou a flauta na areia de tanto que tinha gostado. Depois disso, ele me pegou pelo braço e disse que tinha que me apresentar ao pai dele. Fomos até o apartamento onde Dorival morava, na Rua Bulhões de Carvalho, em Copacabana. Nunca mais me esqueço daquele dia, passamos horas fazendo um som com a família toda, Stella, Nana, Danilo, Dori, sem falar nos outros músicos que também estavam conosco.
Após esse encontro, nunca mais nos separamos, e eu passei a ser frequentador assíduo da casa dos Caymmi. A música de Dorival é um lance tão forte que não existe quem não fique paralisado diante de qualquer uma de suas canções. Apenas para citar um exemplo. Em 1976, eu fiquei hospedado na casa do Wayne Shorter, em Los Angeles. Nós estávamos gravando o Native Dancer e eu costumava passar horas tocando violão na varanda. Um dia, chega uma preta bem bonita, exótica, com os cabelos pintados com alguns fios louros, e fica o tempo todo parada, me ouvindo tocar Caymmi. Nos dias seguintes, a mulher sempre voltava e eu ali, do mesmo jeito, tocando Caymmi. Ela ficava completamente parada naquele som, e o magnetismo causado pelas canções fazia com que ela não abrisse a boca, nunca. A música do “Velho” era tão sedutora que a preta exótica que pulava o muro da casa do Wayne para ouvir Caymmi atendia pelo nome artístico: Tina Turner.
Agora, uma das minhas maiores tristezas na vida foi não ter gravado com Caymmi. Em 1973, eu estava produzindo o disco Milagre dos Peixes, e na música Hoje É Dia de El-Rey (inspirada na Suíte dos Pescadores) estava tudo acertado para acontecer um dueto entre a gente. Essa música foi composta para ser uma espécie de diálogo entre pai e filho, abordando um conflito de gerações. Caymmi seria o pai e eu o filho. Mas, como a censura cortou praticamente todas as letras do disco, esse dueto nunca pôde acontecer. E até hoje eu me pego pensando em como seria lindo se isso tivesse acontecido.
Outra coisa que sempre me chamou atenção era o fato de alguém ser tão bem amparado quanto Dorival, pois jamais vai existir família igual a essa criada por Stella e ele. A órbita daquele ambiente era incrível, tudo era música e alegria. As piadas e os casos que Caymmi contava não tinham pra ninguém. Era um artista completo, na música, na simplicidade, na pintura, na forma extremamente honesta de ver as coisas e, é claro, em tudo que fosse relacionado à vida.
Tom Jobim, João Gilberto, Ary Barroso, Vinicius de Moraes e Moacir Santos nos ensinaram muita coisa, mas, a fonte, a raiz, e o princípio de tudo quem nos deu foi mesmo Dorival Caymmi, e mais ninguém.
Bituca. “Eu passava dias só ouvindo Caymmi”