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Renato Vieira

Alice, 24 anos, poderia sentir que carrega uma espécie de peso por fazer parte da linhagem mais nobre da MPB. Mas não se preocupa. Ignora o pensamento dos membros da casa real. Alguns de seus representantes afirmam-se xiitas quando o assunto é música e lamentam não ver mais Brasil no Brasil. Só que o homem com o qual a dinastia teve início, lembra ela, era ousado e aberto a todas as possibilidades. Por isso é ele quem deve ser seguido. Seu nome é Dorival. O sobrenome de Alice é Caymmi.

A cantora e compositora, neta do autor de O Que é Que a Baiana Tem? e filha de Danilo Caymmi, estreou neste ano o show Dorivália, relendo o repertório do avô à sua maneira, misturando axé, rock e, principalmente, as influências tropicalistas. “Pensei primeiro no nome e no que poderia usá-lo. Aí, me lembrei da Tropicália, de todas aquelas misturas do movimento, e vi que a proposta se encaixava na obra do meu avô”, conta Alice.

Ao fazer os arranjos com a banda, foi descobrindo o que queria e colocando um toque pessoal, tendo como norte a geleia geral do movimento arquitetado nos anos 1960 por Caetano Veloso e Gilberto Gil. Retirantes (o tema do lerê-lerê de Escrava Isaura) tem como base do arranjo uma guitarra pesada. Sua versão de Eu Não Tenho Onde Morar flerta com o carimbó. Impurezas e mesclas fazem parte de sua música. “Isso de ‘música genuína’ acabou. É pura burrice. E o meu avô não acreditava nessa história”, afirma.

Os figurinos do show também são ‘tropicalizados’. “Hoje eu vou usar uma roupa que você vai ver só”, disse Alice ao Estado antes de se apresentar no Sesc Belenzinho, dia 13 de março. No palco, o público viu uma mulher que deixava suas pernas à mostra, com plumas nas costas e cachos de bananas nos ombros. Uma versão revista e ampliada dos trajes de Carmem Miranda – não por coincidência, a intérprete que deu visibilidade a Caymmi.

Na apresentação, Alice é espontânea e sabe rir de si mesma. Encosta a roupa no copo d’água na mesa ao seu lado e o derruba, desafina dando um sorriso para o guitarrista e chora ao lembrar da avó Stella no bis quando canta à capela Canção da Noiva. Ela afirma que esse carrossel de emoções, já sentidas na estreia do show no Rio, é o que fazem com que Dorivália seja um projeto ao qual ela possa recorrer sempre.

Ela diz só ter se permitido fazer a homenagem por se considerar madura para a empreitada. E sua experiência é de veterana. Aos onze anos, participou de um disco da tia Nana e, seis anos depois, cantou com o pai no encerramento dos Jogos Pan-Americanos. Gravou o primeiro CD, que leva apenas seu nome, em 2012, mas não se identifica com ele hoje. “Olho pra ele e vejo uma pessoa que não sabia muito bem o que queria. É o retrato de uma época que passou, não sou mais daquele jeito. Hoje eu encontrei a minha turma e, com isso, passei a ver as coisas de uma maneira diferente.”

Ela tem planos para que o registro de Dorivália seja seu segundo disco, a ser lançado ainda este ano. A quem possa acusá-la de oportunismo, ela tem a resposta pronta. “Oportunismo seria se eu tivesse feito isso no meu primeiro disco. Eu preferi mostrar o que eu queria fazer de cara e, quando chegou o centenário, houve essa oportunidade, de fazer uma homenagem diferente”, ressalta. Ela conta que Dori e Nana não viram o show. E, com o temperamento forte dos tios, afirma não temer o julgamento deles. “As pessoas dizem que meu timbre de voz lembra um pouco o dela (Nana), mas somos muito diferentes. Ela tem dias em que está muito chata e acha tudo horrível. O tio Dori nunca se intrometeu na minha vida, ele ainda acha que eu sou uma criança. E eu também não estou nem aí pra o que ele pensaria de Dorivália”, salienta Alice, afirmando que o pai foi o seu principal norte na construção de uma carreira e de sua solidez.

Danilo diz se orgulhar do caminho que Alice trilha. Entre os conselhos que ele deu à filha, um foi o de que ela sempre olhasse para frente, construindo conexões com pessoas novas, sem preconceitos. “Quem me apresentou aos Beatles e a James Taylor foi meu pai. A gente ouvia isso em casa, música internacional e novidades sempre tiveram espaço. Meu pai sempre viu os novos nomes com muita naturalidade e sem nenhum tipo de preconceito. E quis passar isso para Alice.”

Em discos e projetos alheios, ela já passeou pelo repertório de Michael Sullivan (Abandonada, em disco dedicado à obra do hitmaker), Jards Macalé (Soluços, lançada em um single disponível na internet com Cadu Tenório) e Maysa (Tarde Triste, com Lucas Vasconcellos, também disponível para audição na internet). “Eu gosto de transitar por todos esses lados. E faço as coisas como eu quero fazer”. Com palavra de Caymmi não se brinca.

 

Isso de ‘música genuína’ acabou. É pura burrice. E meu avô não acreditava nessa história”