Facção negocia 40 toneladas de cocaína e movimenta R$ 200 milhões por ano
Passados dez anos da série de ataques promovida pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo contra agentes públicos de segurança, o poder da maior facção do Brasil só cresceu. Hoje, a organização já movimenta 40 toneladas de cocaína e arrecada a impressionante quantia de R$ 200 milhões por ano, com atuação em praticamente todas as vertentes do crime.
Mais de 80% dos rendimentos do bando, segundo investigações do Ministério Público Estadual (MPE) às quais o Estado teve acesso com exclusividade, vêm do tráfico de drogas. O restante tem origem em assaltos a bancos, sequestros, tráfico de armas, rifas vendidas à população carcerária e mensalidade de R$ 600 cobrada de cada um dos mais de 10 mil integrantes do PCC – mais de 7 mil estão presos.
Há uma década, a arrecadação anual era de aproximadamente R$ 120 milhões. A rota internacional de tráfico começava a dar os primeiros sinais de expansão em dois países vizinhos, Bolívia e Paraguai.
Agora, em vez de estar sufocada pelo poder estatal, a facção amplia seus tentáculos internacionais. O MPE e a Polícia Federal já têm provas de que o tráfico de drogas, principalmente o de cocaína, atravessou o Atlântico e desembarcou na Europa e na África. O Porto de Santos é o ponto de partida dos carregamentos. Traficantes de Portugal e Holanda, por exemplo, já estão entre os clientes do PCC.
Segundo o MPE, durante uma blitz recente em um navio, foram encontrados 100 quilos de cocaína com destino à Europa. A droga estava misturada a bolsas. Ainda não há, porém, estimativa da quantidade “exportada” para os dois continentes.
Células. O poderio financeiro do PCC está diretamente relacionado ao tráfico de drogas. “Quanto mais droga vendida, mais dinheiro para comprar armas e drogas, que dão retorno com mais dinheiro”, diz a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao explicar o ciclo de crescimento da organização.
Ivana, que acompanhou centenas de investigações contra a facção antes dos ataques de maio de 2006, diz acreditar que o PCC só cresceu porque os integrantes que exercem funções de chefia recrutam substitutos capazes de dar sequência às atividades criminosas caso algum líder seja preso ou morto. “São como células. Quando uma sai, há outras prontas para assumir”, afirma.
A cúpula da facção
Uma mostra da força financeira do PCC, que se estrutura como uma empresa, está em uma planilha apreendida durante uma operação. Nela consta que a facção gastou mais de R$ 1,8 milhão com advogados no primeiro semestre do ano passado em São Paulo. Nos outros Estados, o montante no período foi de mais de R$ 730 mil.
Transformação. O procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, contudo, avalia que o PCC “não necessariamente cresceu, mas mudou” nos últimos dez anos. “Eles tinham um perfil inicial mais limitado, mais politizado, com um discurso em defesa dos direitos da população carcerária. Com o tempo e com as ações criminosas, o ‘partido’ sofreu mutações até chegar aonde chegou, uma dinâmica como a de uma grande empresa, mas com foco no tráfico, que permite arrecadação contínua.”
Um dos principais responsáveis pela mais completa investigação contra o PCC, o promotor Lincoln Gakiya, de Presidente Prudente, em parceria com colegas do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), denunciou 175 integrantes da facção em outubro de 2013. Ele pediu também a prisão preventiva de mais de cem bandidos (muitos já cumprindo pena) à Justiça e a internação da cúpula e seus principais “assessores” no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), além de mandados de busca e apreensão na casa dos acusados e de parentes.
“A intenção era adotar as medidas simultaneamente justamente para cortar o contato das lideranças com seus subordinados diretos”, conta. A Justiça na cidade do oeste paulista negou os pedidos. A promotoria recorreu e aguarda nova decisão.
“Essa investigação serviu para mostrar, com provas, que o PCC nunca parou de praticar crimes. Ela expõe como a facção funciona e tem servido de base para investigações em outros Estados contra o PCC”, diz Gakiya.
Análise: A simbiose no encarceramento
Camila Nunes Dias*
Uma década após a maior crise na Segurança Pública já vivida no Brasil, o que mudou no sistema prisional paulista? As prisões de São Paulo continuam apresentando condições lastimáveis em termos de sua estrutura física e o Estado é cada vez menos capaz de suprir itens de necessidade básica para seus custodiados. A intensificação do encarceramento tem como um de seus efeitos diretos a superpopulação das prisões. Em Centros de Detenção Provisória (CDPs) da capital, por exemplo, encontram-se de 50 a 60 presos por cela, cuja a capacidade é de 12.
A manutenção de uma política de encarceramento em massa, como a adotada por São Paulo há mais de duas décadas, impõe um custo econômico com o qual o Estado é incapaz de arcar. Consideremos, por exemplo, a manutenção de uma determinada proporção entre presos/agentes. Quanto mais se encarcera, mais abissal se torna essa proporção e, portanto, menos controle o Estado tem sobre a população carcerária.
Nestas condições, o que explica a estabilidade do sistema prisional de São Paulo – leia-se ausência de rebeliões – desde 2006? Para responder a essa pergunta é importante lembrar que, quanto mais se encarcera, também se fortalece mais o PCC, uma vez que é na prisão que a sua atuação é mais insidiosa e onde o recrutamento acontece de forma mais eficaz. Portanto, a política de encarceramento massivo paulista é diretamente responsável pela criação, expansão e consolidação da hegemonia do PCC nas prisões.
De 2006 para cá, nada mudou. O PCC ampliou aquilo que demonstrara ter conquistado há dez anos: uma ampla hegemonia nas prisões e bairros periféricos das cidades paulistas. E é justamente essa hegemonia que lhe permite exercer nas prisões um amplo controle dos presos e gerir a população carcerária com uma “eficiência” inédita na nossa história. E, neste sentido, é o controle exercido pelo PCC sobre os presos de São Paulo que permite ao governo manter a política de encarceramento massivo com custos – econômicos e políticos – bem menores, uma vez que tem um poderoso aliado que garante que a massa carcerária seja submetida às condições anteriormente relatadas e, ainda assim, que a “ordem prisional” seja mantida.
Em dez anos, essencialmente após a troca da gestão da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) ocorrida ainda em maio de 2006, a relação entre o governo de São Paulo e o PCC assumiu um caráter simbiótico: o encarceramento massivo é essencial para o fortalecimento do PCC; o fortalecimento do PCC, por sua vez, é condição imprescindível para a manutenção da política de encarceramento em massa do governo paulista.
* É SOCIÓLOGA, PROFESSORA DA UFABC E AUTORA DO LIVRO ‘PCC: HEGEMONIA NAS PRISÕES E MONOPÓLIO DA VIOLÊNCIA’