PCC 10 anos

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O poder de ‘estado’


Alexandre Hisayasu Texto
Organização criminosa encontra
nos presídios brasileiros espaço
para crescer e ocupar o lugar do Estado

A soma da força financeira com a expansão territorial faz com que o Primeiro Comando da Capital (PCC) desempenhe um papel de “Estado paralelo” diante de um poder público com dificuldades para coibir suas articulações. A falta de uma legislação mais específica contra facções criminosas, de mecanismos eficazes para incentivar integrantes a fazer acordo de delação premiada, de um programa de proteção a testemunhas eficiente e de uma rede de proteção às autoridades que lidam diariamente com processos contra o crime organizado são alguns dos fatores que, segundo promotores e magistrados especialistas no assunto, contribuem para a falta de uma resposta dura do Estado contra o bando.

Um dos instrumentos mais eficazes contra o crime organizado, a delação premiada, tem efeito quase nulo nas investigações contra o PCC em comparação à Operação Lava Jato, por exemplo, que investiga denúncias de corrupção na Petrobrás. Um preso do PCC pode conseguir diminuição de pena apenas no processo em que ele está delatando, se o acordo for firmado – ou seja, o benefício não atinge outros processos a que ele responde.

Outro dado preocupante é que, como praticamente todos os presídios são dominados pelo PCC, o delator teria de estar em uma penitenciária com detentos rivais à facção, mas nem os inimigos admitem uma “traição”. O desfecho é que o preso acaba em uma penitenciária destinada a estupradores.

Segundo investigações do Ministério Público Estadual (MPE), há registros de presos que pertenciam à cúpula do PCC que fizeram delação premiada e foram duramente reprimidos. Um teve a mulher assassinada com vários tiros, outro teve dois irmãos mortos de maneira extremamente cruel. A ordem no PCC é que, se alguém da cúpula colaborar com a Justiça, deve ser executado e seus parentes também.

Se para um delator ou uma testemunha é perigoso, para um juiz que tem a responsabilidade de julgar processos do PCC, o risco também é grande. Se um magistrado se sentir ameaçado, ele pode convocar o Colegiado de Juízes por meio do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que nomeia outros dois juízes para assinar as decisões em conjunto. Porém, quem pediu o apoio continua na mesma localidade e cuidando de outros processos.

Para o promotor Lincoln Gakiya, há a necessidade de criação de varas criminais específicas, com juízes e promotores especializados em combater o crime organizado, como a 13ª Vara Federal de Curitiba, do juiz Sérgio Moro, com estrutura de segurança para desenvolver as investigações.

Escutas. Durante os ataques de maio de 2006, investigações conseguiram informações por meio de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Hoje, porém, segundo o MPE, os presos – principalmente as lideranças do PCC – não usam mais celular. O principal meio de contato entre eles e os subordinados que estão nas ruas a serviço do crime são as visitas que vão aos presídios todos os fins de semana. A fiscalização feita por agentes penitenciários não tem instrumentos eficazes de evitar esse tipo de contato. Investigações mostram que o PCC paga até R$ 2 mil para uma visita ir até o presídio, receber a ordem da liderança e repassá-la aos demais integrantes que estão soltos.

Segundo o promotor Gakiya, outra forma de comunicação usada são os cartões de memória. “Os presos escondem esses chips dentro das televisões de tela fina que têm nas celas. Essas TVs têm saída USB, por exemplo, que acaba servindo para esconder os chips. Nesses cartões, ficam armazenados dados sobre vários assuntos ligados ao PCC, desde despesas com advogados a ordens que devem ser cumpridas.” Hoje, um preso pode comprar uma TV, independentemente do modelo, e colocar em sua cela. A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) faz uma fiscalização para evitar esse tipo de comunicação.

VÍDEO. "É preciso cortar o elo de comunicação da cúpula do PCC"

Comunicação. Para o promotor, um dos meios mais eficazes para combater o PCC é cortar a comunicação entre os integrantes da facção. “A cúpula deve ser isolada no Regime Disciplinar Diferenciado de Presidente Bernardes. Hoje, uma ordem demora uma semana para chegar até o integrante que está na rua. E posso garantir que, desde 2006, eles não pararam de cometer crimes. Então, há a necessidade de isolamento por mais tempo.”

Hoje, um preso pode ficar até um ano no RDD, que, para as autoridades, é um período insuficiente. Em 2013, Gakiya, com outros promotores dos Gaecos de São Paulo, pediu à Justiça, entre outras medidas, a internação imediata de 35 presos da cúpula da facção criminosa no RDD. A Justiça negou, houve recurso e 17 acabaram internados. Porém, as transferências não foram simultâneas, o que prejudicou as investigações. “A proposta era isolar a liderança do PCC e os principais integrantes simultaneamente para quebrar a comunicação, mas não foi autorizado, infelizmente.”

Para a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a superlotação nos presídios é um fator que contribui, e muito, para o crescimento da organização. O Estado tem mais de 200 mil detentos. “Hoje, Centros de Detenção Provisória (CDPs), com capacidade para abrigar 700 presos, estão com 2,5 mil. Dentro do sistema prisional, o PCC adota o preso: cuida dele, da família dele, enfim, se monta uma sociedade criminosa paralela que age justamente onde o Estado está ausente.”

Governo aponta ‘dificuldades
impostas pela lei’ no
monitoramento de presos

A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), da gestão Geraldo Alckmin (PSDB), afirma, por meio de nota, que as atuais leis implicam barreiras no monitoramento dos presos. “Mesmo com as dificuldades impostas pela legislação brasileira, que atualmente proíbe o monitoramento da conversação entre advogados e seus clientes em prol do sigilo profissional, a pasta tem se esmerado no enfrentamento ao crime”, informa, a fim de evitar o envio de mensagens das lideranças detidas aos criminosos que atuam nas ruas.

Preso com potencial de risco à segurança, segundo a secretaria, é “imediatamente isolado” nas Penitenciárias I de Avaré ou II de Presidente Venceslau. Nessas unidades, os detentos só podem deixar as celas algemados. Além disso, 23 presídios do Estado, incluindo as duas de segurança máxima, têm bloqueadores de sinal de celular para eliminar a comunicação externa. As unidades operam, de acordo com a pasta, dentro dos padrões estabelecidos de segurança, “sem qualquer registro de motim, rebelião ou fugas ao longo dos últimos cinco anos”.

Na Penitenciária II Maurício Henrique Guimarães Pereira, de Presidente Venceslau, onde está Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, há, segundo a secretaria, “rigorosos procedimentos de segurança, ordem e disciplina, tais como o uso do Grupo de Intervenção Rápida (GIR)”. Os agentes acompanham os detentos em todos os atendimentos aos quais são submetidos fora do raio, bem como inclusões e exclusões do presídio, auxiliam nas revistas das celas e também na retirada do sentenciado para atendimento de saúde no período noturno. A unidade tem mais de cem câmeras internas e externas de monitoramento e os pavilhões são cobertos com estrutura metálica para evitar o lançamento e a chegada de objetos.

Ainda de acordo com a SAP, “o combate às organizações criminosas é realizado diuturnamente”. Para isso, trabalham de forma articulada os órgãos de inteligência da pasta, os serviços de inteligência da Polícia Militar e da Polícia Civil, o Judiciário e os Grupos de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaecos), do Ministério Público Estadual (MPE), e a Polícia Federal.

O Estado de São Paulo tem 230.743 mil presos, de acordo com dados atualizados até o dia 9 de maio de 2016, em 164 unidades – é o maior sistema carcerário do País.

A luxuosa vida e a
ilustre visita das
damas do crime

Quando chega o fim de semana, a Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira, conhecida como P2 de Presidente Venceslau, no oeste paulista, começa a ser rodeada por ônibus de excursão e também carros de luxo. Neles, estão as mulheres consideradas as primeiras-damas do Primeiro Comando da Capital (PCC), que se deslocam de várias cidades, principalmente de São Paulo, para visitar seus companheiros. Isso não é segredo nenhum para agentes penitenciários, polícia e Ministério Público.

No fim de semana do Dia das Mães, o sábado, 7, ficou reservado para as visitas de metade dos presos. Os ônibus com os parentes começam a chegar por volta de 1h30 da madrugada. As mulheres descem, pegam uma senha na porta da prisão e vão para um hotel próximo. Elas retornam por volta das 6 horas, quando os portões se abrem. Os comerciantes brincam dizendo que “a crise chegou ao Comando (PCC)”. “Eles cortaram dois ônibus para diminuir os gastos. Agora são só cinco fretados por dia de visita”, conta um deles.

O local tem barracas com lanches e refeições para os parentes, que complementam as encomendas com o “jumbo” trazido de casa para os presos. É comum as mulheres comprarem fiado e algumas tentarem ir embora sem pagar. Quem trabalha por lá diz também que não é incomum buscar clientes dentro do ônibus para acertar as contas. Comuns mesmo são as brigas entre elas quando uma pega a encomenda da outra.

No domingo, foi a vez de as mulheres e os filhos dos integrantes da cúpula do PCC fazerem as visitas. Para ver os companheiros na unidade onde vivem 841 detentos, com vagas para até 1.280 – uma das poucas prisões sem problema de superlotação –, elas descartam os fretados e preferem ir em seus próprios veículos.

Cynthia Giglioli da Silva Camacho, mulher de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, chega em um Toyota SW4 2014, conduzido por sua motorista particular. O carro custa mais de R$ 150 mil. Os comerciantes dizem que ela é discreta e muito educada. Na Justiça, Cynthia responde em liberdade às acusações de associação para o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

A família de Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, condenado por sequestros, homicídios e tráfico de drogas, também costuma chegar a bordo de carros importados avaliados em mais de R$ 100 mil. Sua mulher, Luciane de Seixas, também estava no presídio e chegou em um Kia Sorento, avaliado em R$ 120 mil. No domingo, o Estado flagrou os veículos de luxo parados perto da prisão. À frente estava o carro de Cynthia, seguido do Sorento de Luciane e, logo atrás, havia um Toyota Corolla 2016.