De saída, um bolinho de miolo (o cérebro de boi) com espinafre abriu os apetites, escoltado por uma dose de cachaça. Veio crocrante, envolvendo uma massa cremosa, que quase fazia esquecer que o que se mastigava eram neurônios. "Quando eu era criança, o que punham na mesa eu tinha de comer. Esse negócio de comer bife era de final de semana", lembrou Rueda. As memórias da infância são recorrentes nas aulas, falas e pratos do chef, natural de São José do Rio Pardo, no interior paulista.
O próximo prato foi um original nugget de dobradinha - foi a estratégia de Rueda para dobrar o preconceito de quem nem cogita traçar bucho (o estômago do boi). "Porque miúdos, ou se odeia ou é paixão", disse Rueda, que, afinal, fisgou pela barriga até mesmo quem dizia odiá-los. A dobradinha que serviu passou por longo preparo, foi cortada na ponta da faca, com paio e pancetta, e reduzida com araruta, gelada por um dia e depois frita com farinha de rosca. No prato com picles de legumes e purê de feijão branco, formou trio equilibrado. Os nuggets tinham a casca crocante e o recheio macio, com pequenos pedaços de bucho. O picles dava nota cítrica que quebrava a intensidade da dobradinha e do purê. O público lambia os beiços. Rueda provocou: "Quem falou que o povo não come dobradinha?".
Um enorme fígado de boi wagyu então tomou a cena. Foi preparado em cocção de baixa temperatura, tornando-se uma espécie de patê. Cortado em cubos e chamuscado com maçarico, foi servido com cebola crocante e um purê de batata doce, um feliz casamento. O grand finale foi do mocotó: a pata do boi que virou um, à primeira vista improvável, doce de leite. Sim: o caldo do mocotó foi transformado em geleia e a cartilagem foi dissolvida em um doce de leite. Ambos foram servidos com uma farofa de pão-de-ló na manteiga noisette.
Sem perceber, fígado, cérebro, estômago e pata de boi tinham sido devorados pelo público. No embalo da brejeirice de Rueda - e de Maria Bethânia a cantar "Trocando em Miúdos", de Chico Buarque - todos foram obrigados a concordar com o chef: "Não existe carne de segunda e carne de primeira. Existe boi 'bão' e boi ruim". Ao que se deve acrescentar, recobrindo a modéstia de Rueda: existe chef bão e chef ruim.