Com novos modelos de negócio, aplicativos e startups revolucionam serviços e provocam mudanças na economia
Um mercado de bilhões de dólares se esconde atrás de pequenos ícones em telas de smartphones. Ao conectarem consumidores a serviços mais baratos, aplicativos como Uber, Airbnb, Netflix e Nubank criaram um modelo de negócio inovador que desafia empresas líderes nos seus setores. O fenômeno, batizado de Uber Economia, coloca a regulação dos mercados em xeque e muda as relações de trabalho.
Com valor de mercado estimado em US$ 60 bilhões e apenas sete anos de existência, o Uber vale hoje mais do que gigantes como a Honda e se iguala à Time Warner, conglomerado de produção cinematográfica nos Estados Unidos. O Airbnb, no mercado de hospedagem desde 2008, comemora dois milhões de anúncios no ar no mundo inteiro e, pela primeira vez, é parceiro oficial em Jogos Olímpicos. Ao mesmo tempo, os serviços de transmissão online de conteúdo mudaram a indústria de mídia e entretenimento e já movimentam US$ 756 milhões na América Latina. Até no regulado setor financeiro, o fenômeno conseguiu abrir um espaço com as fintechs (empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros), que atraíram investimentos globais de US$ 19 bilhões no último ano.
Esses negócios têm em comum um movimento que se popularizou quando o termo Uber Economy – ou Uber Economia – foi usado pelo pesquisador norte-americano Steven Hill, um dos primeiros a classificar o modelo adotado pelas novas empresas. “Essas companhias com base na internet e em aplicativos criam plataformas que conectam compradores e vendedores de bens, trabalho e serviços, deixando de fora qualquer intermediário de uma forma nunca antes possível”, define Hill no livro Raw Deal: How the “Uber Economy” and the Runaway Capitalism is Screwing American Workers – Pacto selvagem: Como a “economia uberizada” e o capitalismo descontrolado estão sufocando os trabalhadores americanos, em tradução livre, publicado em outubro.
Enquanto o Uber elimina a necessidade das cooperativas de táxi, ligando diretamente quem precisa de transporte a motoristas, o Airbnb une quem procura hospedagem com quem tem um quarto vago, dispensando o serviço dos hotéis. “O modelo novo remove um intermediário e agrega qualidade ao serviço prestado, além de um custo menor que o tradicional”, define Bruno Herrera, diretor de Tecnologia da Fundação Certi, pólo de pesquisa e inovação em Florianópolis (SC).
O preço mais baixo é uma estratégia desses serviços para atrair clientes que vai ser ajustado depois, afirma o especialista em Negócios Digitais e professor do Insper Gustavo Reis. A experiência é o que sustenta esses negócios e fideliza os usuários. Foi o que aconteceu com a estudante Amanda Frois, de 23 anos. Depois de usar o Airbnb para se hospedar em Curitiba (PR) durante quatro dias, ela afirma que a plataforma vale mais a pena que um hotel. “O contato é direto com o proprietário, você fica em um apartamento que não é um quarto de hotel e isso é aconchegante”, diz. Amanda também usa o Nubank, um cartão de crédito que não cobra tarifas e dispensa a conta corrente em um banco. “Não tem anuidade, a única coisa que se paga a mais é a taxa de juros se atrasar o pagamento. É por isso que compensa”, afirma.
Essas inovações têm sido desenvolvidas essencialmente por startups, pequenas empresas que têm custos de manutenção baixos e potencial de atingir muitas pessoas. Há cerca de 4 mil no Brasil atualmente, de acordo com a Associação Brasileira de Startups. Até 2035, elas podem responder por 5% do Produto Interno Bruto (PIB) do País, projeta o gerente da associação, Rafael Ribeiro. Mas só será possível chegar a esse número se os negócios transformarem os mercados consolidados, capacidade que os especialistas chamam de disrupção.
Impacto. A ameaça aos setores tradicionais acende um sinal de alerta em empresas como bancos, hotéis e cooperativas de táxi. Nesse cenário, companhias líderes de mercado tendem a se adaptar ou até mesmo incorporar a Uber Economia nos seus serviços para não perder competitividade. “Quando surge uma tecnologia nova, não necessariamente o antigo modelo tem de morrer, a não ser que a eficiência em se usar a nova seja muito clara”, afirma Flavio Pripas, diretor do Cubo, centro de empreendedorismo tecnológico criado pelo Itaú Unibanco e pela empresa de capital de risco Redpoint eventures.
No Brasil, bancos começam a olhar com mais interesse para as fintechs e reagem desenvolvendo novas plataformas. E até comprando essas empresas. Em 2015, o Santander adquiriu metade da ContaSuper, um serviço de conta bancária digital em que o cliente não precisa ter a conta em um banco. “O setor tradicional tem de estar com o radar ligado, senão vai ser pego de surpresa”, afirma Lucimar Dantas, gerente de Articulações do Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mas nem sempre as empresas reagem com a velocidade ideal a concorrentes com modelos inovadores. “As cooperativas de táxi ficaram esperando as pessoas ligarem até que descobriram que ninguém mais usava o telefone para isso”, diz Silvio Meira, um dos fundadores do Porto Digital do Recife (PE). A Prefeitura de São Paulo se adiantou e estuda incorporar o Uber ao sistema público de transporte. “Quem não se adaptar morre, quem se adaptar sai na frente”, afirma Gustavo Reis, professor do Insper.
Se demorar, a empresa perde o cliente para um modelo inovador e vai ser difícil resgatá-lo, avisam especialistas. “Dificilmente uma pessoa volta atrás depois de experimentar um modelo como o Uber, a não ser que ocorra uma mudança muito radical na sociedade”, diz o diretor executivo da Fundação Certi, Marcelo Otte.