Brasil começa a surfar a onda dos aplicativos de finanças; reguladores estão de olho

Alexandre Garcia, Flávia Nosralla, Maurício Ferro, Paloma Rodrigues e Thaís Barcellos

Com apenas cinco perguntas, um conselheiro digital diz onde você deve colocar sua poupança para ter o melhor retorno. Na prática, é um robô que indica o destino do seu dinheiro, levando em conta um conjunto de algoritmos. Essa opção já existe no mercado brasileiro, assim como centenas de outras possibilidades de fintechs – empresas de tecnologia que propõem soluções para tornar as finanças um terreno mais amigável. O sucesso pode ser medido pela cifra que foi investida mundo afora no último ano: US$ 19 bilhões apenas em 2015, segundo o Citibank.

O Brasil entra com dois anos de atraso nesta onda, mas os grandes bancos já reconhecem o seu impacto. O Itaú acredita que as inovações têm potencial para reduzir margens dos bancos. Para se aproximar dessas iniciativas, o Itaú participa de um grupo global sobre o tema e criou um núcleo em São Paulo. O Bradesco, segundo maior banco privado do País, passou a incentivar novos projetos de serviços financeiros e a Caixa deve lançar um programa de inovação aberta até o fim deste ano. As agências de risco, por sua vez, observam as novidades com cuidado. “A competição com os bancos é improvável, mas a força do conjunto de pequenos pode fazer pressão para mudanças na indústria”, analisa a Moody’s.

O avanço das fintechs também está no radar do Banco Central: desde junho, um grupo estuda as atividades dessas empresas. Por enquanto, a intenção não é criar regras. “Pode ser que alguns exemplos nem precisem de regulação”, diz Paula Ester Farias de Leitão, chefe-adjunta do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro (Denor), do BC.

No País, 400 empresas já se enquadram de alguma forma nesse conceito, segundo o FintechLab, plataforma de desenvolvimento de negócios entre fintechs e instituições financeiras. As prestadoras de serviços de pagamento, como o Nubank, que oferece cartão de crédito próprio, online e sem anuidade, foram reguladas pelo BC em 2013. E vêm conquistando adeptos como o auxiliar administrativo Michel Martins, de 27 anos. Ele usa o Nubank há um ano, após testar três cartões convencionais. “É algo diferente, que não está vinculado a um banco. Todo mundo tem aversão a banco, que é muito burocrático. O Nubank é mais prático.”

Agora, o BC vai analisar se outros tipos de serviços precisam de regras específicas. Um deles é a concessão de crédito feita sem instituição financeira, o peer-to-peer (ou ponto a ponto, em português). Hoje, é possível fazer um empréstimo por meio de um aplicativo sem necessariamente ser correntista bancário. Para isso, basta que a fintech tenha um banco parceiro associado à operação.

A abertura desse mercado poderia aumentar o número de operações arriscadas, na visão de especialistas como o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola. Embora o peer-to-peer tenha começado a crescer em alguns países, ele diz que há sinais de que é um mercado complicado. “No fundo, adiciona muito risco e eu sou cético nesse aspecto.” Para o BC, a expansão desses empréstimos por meio de fintechs não significa que as operações sejam feitas à margem da regulação. “Não identificamos um caminho de desintermediação de uma forma tão aberta assim”, diz Paula.

Para os bancos, é consenso que os novos negócios devem ser regulados para que a concorrência seja justa. “Regular é importante para não permitir assimetria entre bancos e fintechs, e também que se faça negócios mais arriscados, colocando o sistema financeiro em risco”, defende Adriano Volpini, diretor da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).

Na visão das fintechs, o maior risco está na concentração do sistema financeiro. “O risco sistêmico é maior quando o ambiente tem poucos players”, diz Alexandre Lara, fundador do FintechLab. Por serem pequenas, as empresas não significam aumento do risco, acrescenta Bruno Diniz, da Next Bank. “As startups não vão, de uma hora para outra, ficar gigantes e evoluir com potencial para criar dano ao mercado.

Regras

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais, também criou um grupo para acompanhar as inovações. No foco, estão as plataformas de financiamento coletivo em que o investidor vira acionista da empresa – modalidade conhecida como equity crowdfunding. Atualmente, esse tipo de captação não precisa de registro, mas a CVM vai criar uma norma específica. A ideia é garantir a qualidade dessas fintechs, diz o superintendente de Desenvolvimento de Mercado da CVM, Antonio Berwanger.

Outro foco são os robôs advisors – os robôs que indicam investimentos após o cliente responder algumas perguntas. Para operar, essas empresas precisam de um registro de gestor de investimentos emitido pela CVM e uma corretora parceira para executar a operação. A Vérios, por exemplo, oferece uma “carteira inteligente” baseada em algoritmos que sugere até cinco aplicações. Se o cliente quiser investir, é a corretora Rico – parceira da Vérios – que conclui a aplicação.

Para o consultor Robert Contri, da Deloitte, as inovações nos serviços financeiros pedem uma cooperação internacional. Os bancos centrais, avalia, estão pensando mais dentro de seus países em vez de pensar globalmente. “Precisamos de padrões internacionais, porque a internet não tem fronteiras”, diz Contri.