2006

Fabio Cannavaro festeja a vitória da Itália na Copa Michael Dalder/Reuters

A Copa das improbabilidades. Seria uma boa definição para a edição disputada em 2006, na Alemanha. A seleção mais vistosa da época acabou eliminada enquanto um de seus protagonistas ajeitava o meião, o candidato a craque do torneio se aposentou do futebol dando uma cabeçada no peito do zagueiro adversário e o país envolto em escândalo nacional de manipulação de arbitragem ficou com a taça após ganhar sua primeira decisão por pênaltis na história dos Mundiais.

Depois do título da Copa dos Confederações no ano anterior, com direito à goleada por 4 a 1 sobre a Argentina na decisão, tendo estrelas mundiais do calibre de Ronaldinho Gaúcho e Kaká no auge, alguns astros ainda com lenha para queimar, a exemplo de Cafu, Roberto Carlos e Ronaldo Fenômeno, além de diversos “coadjuvantes” de luxo (Robinho, Adriano e Juninho Pernambucano, entre outros), o Brasil pisou em solo alemão carregado de favoritismo.

A campanha sem sustos, com quatro vitórias (Croácia, Austrália, Japão e Gana), pavimentou um caminho tranquilo até as quartas, quando se deparou com uma França já sem o brilho do time campeão mundial de 1998 e um Zidane prestes a se aposentar. Os franceses haviam feito uma primeira fase sofrível, com empates diante de Suíça e Coreia do Sul e vitória por apenas 2 a 0 sobre a modesta seleção de Togo. Nas oitavas, despacharam o embrião do que viria a ser a Espanha multicampeã dos anos seguintes, uma Fúria ainda imatura.

As coisas começaram a ficar esquisitas, porém, quando Zidane, até então em participação modesta para os seus padrões, desfilou chapéus e talento dos velhos tempos diante dos brasileiros, fazendo o fantasma de 98 surgir com força no Waldstadion, em Frankfurt. Aos 12 do segundo tempo, aconteceu o lance que acabaria menos lembrado pelo gol de Henry em cruzamento de Zizou e mais pelo lateral Roberto Carlos abaixado no canto da imagem da TV, arrumando o meião enquanto os franceses mandavam a bola em direção à área de Dida: 1 a 0 e fim melancólico de Copa para o time de Carlos Alberto Parreira.

Mas como aquela era a edição das contradições, veio o desfecho perfeito sintetizado pela final entre italianos e franceses.

Em 2006, o futebol italiano vivia o auge de um novo escândalo de arbitragem que assolara o campeonato nacional, a exemplo do que já havia ocorrido em 1982, antes do time faturar o tri. No decorrer do Mundial, houve até jogador deixando a concentração da Azzurra para ir prestar depoimento ao inquérito que resultaria, semanas depois, no rebaixamento de Juventus, Lazio e Fiorentina.

Em campo, porém, nada disso parecia abalar o desempenho da equipe dirigida por Marcelo Lippi. Sem nenhuma estrela, mas apoiado em um sólido sistema defensivo – que coroaria, posteriormente, o zagueiro Cannavaro com o prêmio de melhor jogador do mundo –, a Itália foi deixando a desconfiança para trás até chegar à final contra os franceses e, para desespero de sua torcida, a decisão por pênaltis após empate por 1 a 1 no tempo normal e na prorrogação.

Até ali, os italianos haviam definido seu futuro em uma Copa na marca da cal em três ocasiões: derrotas para Argentina (semi de 1990), Brasil (final de 1994) e a própria França (quartas de 1998). Mas, definitivamente, havia algo de estranho no ar alemão. Afinal, pouco antes de as equipes cobrarem as penalidades, Zidane, o símbolo da elegância em campo, perdera totalmente a compostura na prorrogação e desferira uma cabeçada inesquecível no peito de Materazzi. Deu adeus aos gramados com um cartão vermelho e, do vestiário, viu pela TV um lateral de sobrenome Grosso (quanta ironia!) estufar as redes de Barthez para coroar o tetra da Itália.

CAMPANHA DO CAMPEÃO

12/6 – França 2x0 Gana (fase de grupos)
17/6 – França 1×1 Estados Unidos (fase de grupos)
22/6 – França 2×0 República Checa (fase de grupos)
26/6 – França 1×0 Austrália (oitavas de final)
30/6 – França 3×0 Ucrânia (quartas de final)
4/7 – França 2×0 Alemanha (semifinal)
9/7 – França (5)1×1(3) França (final)

NÚMEROS DA COPA

Participantes: 32
Jogos: 64
Gols: 147 (2,3 de média)
Vermelhos: 28
Amarelos: 345
Público: 1.545.791 pessoas
Cidades-sede/ estádios: 12
Berlim (Estádio Olímpico), Signal Iduna Park (Dortmund), Allianz Arena (Munique), Zentralstadion (Leipzig), AWD Arena (Hannover), AOL Arena (Hamburgo), Veltins-Arena (Gelsenkirchen), Waldstadion (Frankfurt), Rhein Energie (Colônia), Frankenstadion (Nuremberg), Fritz-Walter-Stadion (Kaiserslautern), Gottlieb-Daimler (Stuttgart)

FICHA DA FINAL

Itália (5) 1 x 1 (3) França

Gols: Zidane, aos 7, e Materazzi, aos 19 do 1º tempo

Pênaltis: Pirlo, Materazzi, De Rossi, Del Piero e Grosso (Itália); Wiltord, Trezeguet (errou), Abidal e Sagnol

Itália: Buffon; Zambrotta, Cannavaro, Materazzi e Grosso; Camoranesi (Del Piero), Pirlo, Gattuso, Perrotta (Iaquinta) e Totti (De Rossi); Luca Toni
Técnico: Marcelo Lippi

França: Barthez; Sagnol, Thuram, Gallas e Abidal; Makelele, Vieira (Alou Diarra), Frank Ribéry (Trezeguet) e Zidane; Malouda e Henry (Wiltord)
Técnico: Raymond Domenech

Juiz: Horacio Elizondo (ARG)
Amarelos: Zambrotta, Sagnol, Makelele, Malouda
Vermelho: Zidane
Data: 9/7/2006
Local: Estádio Olímpico, em Berlim
Público: 69.000 pessoas

DESTAQUE

Jogo: Itália (5) 1×1 (3) França
Não há como evitar a redundância e deixar de citar a final do Mundial como a partida de maior destaque do torneio em 2006. Por tudo o que já foi mencionado, mas também porque, antes de decidirem o troféu nas penalidades e de Zidane chocar o mundo ao abalroar um oponente com sua careca lustrosa, italianos e franceses faziam um confronto disputado no Estádio Olímpico de Berlim. Logo aos 5 minutos, o árbitro argentino Horacio Elizondo marcou pênalti bastante duvidoso de Materazzi em Malouda. Na cobrança, de cavadinha, Zidane infartou meia França com a bola que tocou no travessão, mas quicou dentro do gol de Buffon. O empate viria aos 19, com Materazzi escorando de cabeça o escanteio batido por Pirlo. Aos 5 minutos do segundo tempo da prorrogação, os autores dos gols se encontrariam na fatídica agressão, captada pelas câmeras de TV – uma associação de advogados franceses chegou, inclusive, a entrar com uma ação contra o suposto uso do vídeo pelo quarto árbitro da partida, que teria informado Elizondo da cabeçada. Interferência externa, como se percebe, não é assunto tão atual.

Personagem: Zidane
Se o grand finale teve ares de melancolia, com a imagem da televisão captando o exato momento em que o camisa 10 se dirige ao vestiário e passa rente à Taça Fifa, exposta na beira do gramado, todo o resto até o minuto 110 da prorrogação merece um capítulo à parte na carreira de quem acabou, mesmo expulso na partida mais importante, eleito o melhor jogador do Mundial. Afinal, se a França estava ali em Berlim jogando pelo título, devia isso ao seu maior craque de todos os tempos. Zizou fez gol nas oitavas, contra a Espanha, deu a assistência para Henry despachar o Brasil, marcou o gol da classificação na semi contra Portugal e deixou o dele na decisão. Uma pena, para o futebol, que o seu último ato na carreira tenha sido tão contraditório à beleza com a qual encantou o planeta.

GRANDES JOGOS

Alemanha (4) 1 x 1 (2) Argentina
Muita gente não vai se lembrar, mas a eliminação argentina em 2006 foi com Messi o tempo todo no banco de reservas. Pode parecer incrível, mas, na ocasião, a jovem promessa do Barcelona acabara de completar 19 anos. Os gols saíram no segundo tempo. Primeiro, Ayala completou de cabeça um cruzamento de escanteio feito por Riquelme. Depois, os alemães empataram graças ao artilheiro daquele Mundial, Miroslav Klose, autor de cinco gols – oito anos depois, no Brasil, ele balançaria a rede outras duas vezes e se isolaria como o maior goleador da história das Copas. Nas penalidades, o goleiro Lehmann defendeu as cobranças de Ayala e Cambiasso e garantiu a vaga para as semifinais.