1978

O capitão Daniel Passarella (c) ergue a taça e comemora com companheiros a conquista do primeiro título mundial pela Argentina Carlo Fumagalli/AP

Se futebol e política integram junto com religião a tríade que não se discute, a Copa de 1978 virou um prato cheio para polêmicas: um torneio futebolístico disputado em meio à ditadura militar de Jorge Videla, na Argentina, que terminou envolvo a suspeitas de “marmelada”. O primeiro Mundial conquistado pelos “hermanos” teve também um campeão moral, o Brasil, maior prejudicado por um dos resultados mais surpreendentes da história das Copas.

Aliás, não há como falar sobre o enredo daquela edição sem começar pelo seu fim: para avançar à decisão contra a Holanda, novamente finalista diante do anfitrião do torneio, a equipe dirigida por César Menotti precisava derrotar o Peru, na última partida da fase semifinal, por ao menos quatro gols de diferença. O saldo dos brasileiros, concorrentes diretos na chave, era bem superior, principalmente depois da vitória por 3 a 1 sobre os poloneses em duelo realizado poucas horas antes de argentinos e peruanos se enfrentarem.

A goleada por 6 a 0, que carimbou a vaga da Argentina à final, viraria mote para as mais diversas teorias da conspiração surgidas após aquele jogo: de uma atuação, digamos, tecnicamente incomum do goleiro peruano Quiroga (nascido no país-sede) a um grande acordo entre ditaduras sacramentado antes da Copa – o Peru era governado pelo general Francisco Morales Bermúdez e integrava o Plano Condor, um pacto entre ditadores latino-americanos para reprimir adversários políticos.

Como se não bastasse a cisma em torno dessa trama extracampo, dentro das quatro linhas a seleção peruana não parecia tão vulnerável a ponto de levar uma sacolada dessas. Apesar de vir de duas derrotas na segunda fase, incluindo um 3 a 0 para o Brasil, ela havia surpreendido ao ficar à frente da Holanda na fase de grupos.

Fato é que a combinação de resultados tirou da seleção canarinho a possibilidade de lutar pelo tetra. Restou, como prêmio de consolação, a vitória diante da Itália na disputa do terceiro lugar. “O Brasil não é o campeão do mundo, mas é o campeão moral”, afirmaria, pouco depois do torneio, o técnico Claudio Coutinho, que liderou um time bastante talentoso a uma campanha invicta: quatro vitórias e três empates.

Com nomes como Leão, Nelinho, Dirceu, Zico, Reinaldo e Roberto Dinamite, o Brasil começou a Copa vacilante, com dois empates: Suécia (1 a 1) e Espanha (0 a 0). Derrotou a Áustria pelo placar mínimo para confirmar a classificação à segunda fase, quando mostrou seu melhor futebol. Além da vitória por três gols sobre os peruanos, segurou um 0 a 0 em jogo bastante pegado diante da Argentina e se vingou da Polônia, de Lato, algoz da disputa do teceiro lugar, em 1974, com o triunfo por 3 a 1.

No jogo que valia a terceira colocação, saiu atrás dos italianos, mas virou com gols de Nelinho e Dirceu. Ainda sem Maradona, considerado jovem demais aos 17 anos para defender a seleção, a equipe da casa apostou no faro de gol de Mario Kempes, que seria o artilheiro da competição, e na força defensiva do sistema liderado por Daniel Passarella e pelo goleiro Fillol.

Após superar Hungria e França pelo mesmo placar (2 a 1), perdeu a invencibilidade diante dos italianos (1 a 0), o que jogou os “hermanos” para o grupo de brasileiros e poloneses na fase semifinal. Foi quando Kempes passou a fazer a diferença.

Na grande final, o encontro foi com uma Holanda que já não tinha Cruyff, ausente da Copa por razões familiares. Mas contava ainda com praticamente toda a base do Carrossel Holandês, incluindo Neeskens, Rensenbrink e Johnny Rep. Os donos da casa saíram na frente, com Kempes, mas levaram o empate de Nanninga a oito minutos do fim, e uma bola no travessão chutada por Rensenbrick no último minuto do período normal. Na prorrogação, Kempes, mais uma vez, e Bertoni decretaram o placar final de 3 a 1. Em Buenos Aires, futebol e política saíam vitoriosos.

Campanha do campeão
2/6 – Argentina 2×1 Hungria (1ª fase)
6/6 – Argentina 2×1 França (1ª fase)
10/6 – Argentina 0x1 Itália (1ª fase)
14/6 – Argentina 2×0 Polônia (2ª fase)
18/6 – Argentina 0x0 Brasil (2ª fase)
21/6 – Argentina 6×0 Peru (2ª fase)
25/6 – Argentina 3×1 Holanda (final)

Números da Copa
Participantes: 16
Jogos: 38
Gols: 102 (2,68 de média)
Vermelhos: 3
Amarelos: 59
Público: 1.545.791 pessoas
Cidades-sede: 5 (Buenos Aires, Córdoba, Rosário, Mar del Plata e Mendoza)
Estádios: 6 (Monumental de Nuñez, José Amalfitani, Olímpico, Gigante de Arroyto, José Maria Minella e Ciudad de Mendoza)

FICHA DA FINAL

Argentina 3 x 1 Holanda

Gols: Kempes, aos 38 do 1º tempo, Nanninga aos 37 do 2º; Kempes, aos 15 do 1º tempo da prorrogação, Bertoni, aos 10 do 2º tempo.

Argentina: Fillol; Olguín, Galván, Passarella e Tarantini; Gallego, Ardiles (Larrosa) e Kempes;
Bertoni, Luque e Ortiz (Houseman)
Técnico: César Menotti.

Holanda: Jan Jongbloed; Ruud Krol, Wim Jansen (Suurbier), Brandts e Jan Poortvliet; Neeskens, Arie Haan e Willy van der Kerkhof; René van der Kerkhof, Johnny Rep (Nanninga) e Rensenbrink
Técnico: Ernst Happel.

Juiz: Sergio Gonella (ITA)
Amarelos: Ruud Krol, Ardilles, Larrosa, Suurbier, Neeskens
Data: 25/6/1978
Local: Estádio Monumental de Nuñez, em Buenos Aires
Público: 71.483 pessoas

DESTAQUE

Jogo: Argentina 6 x 0 Peru
A partida que definiu o adversário dos holandeses na final foi a última do dia 21 de junho de 1978, uma quarta-feira. Começou às 19h15, pelo horário local. Outras três já haviam sido realizadas naquele dia: duas às 13h45 e uma às 16h45 (Brasil x Polônia). Mais de 37 mil torcedores no Gigante de Arroyto, em Rosário, viram um apático e pouco combativo Peru sofrer o primeiro gol aos 21 minutos, de Kempes. Apesar de precisar de quatro para se classificar, a equipe anfitriã foi para o intervalo vencendo por apenas 2 a 0 – Tarantini, que não precisou sequer subir para cabecear, completou cruzamento de escanteio aos 43 e escorou no canto de Quiroga. Na etapa complementar, Kempes fez o terceiro com três minutos de bola rolando. Dois minutos depois, em troca de passes de cabeça dentro da pequena área, a Argentina chegou ao quarto com Luque, que repetiria a dose aos 27, após falha bisonha de Duarte, que perdeu o controle da bola à frente da grande área. Antes, Houseman marcara o quinto, aos 22.

Personagem: Mario Kempes
O mais surpreendente em relação ao artilheiro do Mundial de 1978 foi que ele passara os três jogos da primeira fase em branco. Os seis gols vieram quando os argentinos mais precisaram do seu atacante: dois logo no primeiro jogo da fase semifinal, contra a perigosa Polônia, dois na polêmica goleada sobre o Peru e mais uma dobradinha na final, quando ainda deu a assistência para Bertoni. Curiosamente, a taça da Copa foi a sua primeira conquista como jogador profissional, já prestes a completar 24 anos de idade – no ano seguinte, ele ergueria o primeiro troféu por clubes, quando se sagrou campeão da Copa do Rei da Espanha defendendo o Valencia. Outra curiosidade: apesar de ter outros dois Mundiais no currículo (1974 e 1982), só balançou as redes na edição de 1978.

GRANDES JOGOS

Brasil 1 x 1 Suécia
Como se não bastasse o que vivenciaria na última rodada da segunda fase, com a estranha classificação argentina, a seleção de Coutinho já experimentara uma polêmica naquele mesmo Mundial. Logo na estreia, acabou sendo vítima da arbitragem do galês Clive Thomas. No último lance do jogo, quando o placar assinalava 1 a 1, Nelinho cobrou escanteio na cabeça de Zico, que fazia sua estreia em Copas, e o meia testou para o fundo das redes. Antes que o time brasileiro pudesse se animar com o gol da vitória, o árbitro invalidou a jogada alegando que havia encerrado a partida durante a cobrança do tiro de canto. Afastado pela Fifa, o galês não apitou mais no torneio.

GRANDES SELEÇÕES

Tunísia
Em sua estreia em Copas, fez campanha surpreendente, que jamais repetiria nas quatro outras presenças posteriores. Tornou-se a primeira seleção africana a vencer um jogo de Mundial: bateu o México por 3 a 1. Na segunda rodada, vendeu caro uma derrota pelo placar mínimo para a Polônia, terceira colocada na edição anterior. Por fim, encerrou sua campanha com um empate por 0 a 0 com a favoritíssima Alemanha Ocidental, que terminou um ponto à frente dos tunisianos no grupo e acabou ficando com a segunda vaga para a fase seguinte.