1962

Mauro Ramos com a taça de campeão CBF

Com o Brasil campeão, a Copa do Mundo voltou ao continente sul-americano em 1962. Foi a vez do Chile receber o torneio, o que acabou por aumentar ainda mais o favoritismo da seleção brasileira. O grupo sofreu poucas mudanças e ainda estava mais experiente. A maior novidade foi a troca de treinador: Aymoré Moreira substituiu Vicente Feola.Mas lá estavam, entre outros, Gilmar, Djalma Santos, Nílton Santos, Didi, Zagallo, Vavá, Pepe, Zito, Bellini (que perdeu a posição para Mauro Ramos) e Garrincha. Além, claro, de Pelé.

O Rei faria o Brasil passar por grande susto, ao se contundir na segunda partida (0 a 0 com a Checoslováquia). Mas então surgiu Amarildo, o possesso, que foi logo marcando os dois gols da vitória sobre a Espanha no jogo seguinte e mostrou-se um bom substituto.

Mas sem Pelé, quem fez a diferença para o Brasil foi Garrincha. Ele fez uma Copa espetacular e tornou-se grande artífice do bicampeonato.

Garrincha foi o protagonista do outro grande susto brasileiro, ao ser expulso por agredir um adversário na semifinal contra os donos da casa, vencido pelo Brasil por 4 a 2. Mas os dirigentes da então CBD (Confederação Brasileira de Desportos) agiram rápido – dizem que até o governo federal mexeu seus pauzinhos junto à Fifa -, conseguiram fazer o julgamento a toque de caixa, absolver o craque e garantir sua escalação na final.

Azar da Checoslováquia, que não foi páreo no estádio Nacional. Eu europeus até abriram o placar, mas Amarildo, Vavá e Zito mostraram quem era o verdadeiro dono da taça.

CAMPANHA DO BRASIL
Brasil 2 x 0 México
Brasil 0 x 0 Checoslováquia
Brasil 2 x 1 Espanha
Brasil 3 x 1 Inglaterra
Brasil 4 x 2 Chile
Brasil 3 x 1 Checoslováquia
Jogos: 6
Vitórias: 5
Empates: 1
Derrotas: 0
Gols pró: 14
Gols contra: 5
Artilheiros: Garrincha e Vavá: 4 gols

NÚMEROS DA COPA
Quantidade de jogos: 32
Gols: 89
média: 2,78 por jogo
Melhor ataque: Brasil (14 gols)
Maior goleada: Hungria 6 x 1 Bulgária
Público total: 776 mil
Média de público: 24.250

FICHA DA FINAL

17 de junho de 1962

Brasil 3 x 1 Checoslováquia

Gols: Masopout, aos 15, e Amarildo, aos 17 minutos do primeiro tempo. Zito, aos 23, e Vavá, aos 33 minutos do segundo tempo.

BRASIL: Gylmar; Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Amarildo, Vavá e Zagallo.
TÉCNICO: Aymoré Moreira.

CHECOSLOVÁQUIA: Schrojf; Novak, Popluhar, Pluskal e Ticky; Pospichal, Kvasnak e Masopust; Jelinek, Scherer e Kadraba.
TÉCNICO: Rudolf Vytlacil.

JUIZ: Leopold Sylvain Horn (URSS).
PÚBLICO: 68.679 torcedores.
LOCAL: Estádio Nacional, em Santiago.

DESTAQUE

Dribles desconcertantes, daqueles de deixar o marcador sem ação. Cruzamentos e passes perfeitos, escanteios venenosos. Até faltas ele cobrou com maestria. Fez gol de cabeça. Garrincha foi o grande nome da Copa do Mundo de 1962.

Com Pelé fora de combate, coube a ele “ganhar” a Copa para o Brasil. Na época, Garrincha vivia grande fase no Botafogo e já chegou ao Chie como grande nome da seleção, justamente ao lado de Pelé.

O talento e a irreverência foram fundamentais para que Garrincha arrebentasse na Copa. Mas uma mudança de posicionamento ocorrida a partir da saída do camisa 10 também colaborou. Antes mais restrito ao lado direito do ataque, ele ganhou mais liberdade em campo.Pode “flutuar” pelo meio, confundindo, jogo após jogo, os marcadores rivais. Assim, tomou para sí um Mundial em que, apesar do talento, inicialmente era para ele ser apenas um bom coadjuvante.

GRANDES JOGOS

UNIÃO SOVIÉTICA 4 x 4 COLÔMBIA
O placar, por si só, já revela no mínimo um jogo movimentado. O empate entre União Soviética e Colômbia, pela primeira fase da Copa do Chile, compensou tanto pela emoção como pelas jogadas de alto nível.

A partida foi disputada no acanhado estádio Carlos Dittborn, em Arica, único construído para o Mundial e que tinha capacidade para apenas 10 mil pessoas – algo impensável nos dias atuais. O juiz foi um brasileiro, João Etzel Filho. Os soviéticos eram amplos favoritos. Tinham grande time, e o melhor goleiro do mundo, Lev Yashin.

Era impensável o Aranha Negra levar quatro gols em um jogo. E os soviéticos consideraram que a segunda vitória na Copa estava garantida quando abriram 4 a 1 aos 11 minutos da etapa final. Mas a Colômbia, time fraco à época, decidiu não se entregar.

E ganhar ainda mais moral quando, aos 28 minutos do segundo tempo, Coll fez um gol olímpico em Yashin. Depois disso, o arqueiro mostrou-se inseguro, soltou bolas fáceis e falhou em pelo menos um dos gols que os colombianos fizeram para empatar.

A Colômbia não foi longe na Copa. Despediu-se na primeira fase sendo goleada pela Iugoslávia por 5 a 0. A União Soviética caiu nas quartas diante do Chile (2 a 1). Mas ambas foram marcantes no Mundial de 1962 pelo jogo memorável que fizeram.

CHILE 2 x 4 BRASIL
Clima de guerra. Assim foi definido na época o ambiente para a semifinal da Copa entre Brasil e Chile. A torcida dos donos da casa estava empolgada com a campanha e a possibilidade de chegar à final, derrotando os atuais campeões, e depois conquistar o título. Os jogadores entraram na “pilha”. Nos bastidores, cartolas e políticos faziam pressão sobre a Fifa e a arbitragem.

Até poderia ter dado se o Brasil não estivesse do outro lado. E se Garrincha não estivesse especialmente inspirado. O “anjo das pernas tortas” simplesmente arrasou os chilenos. Fez um gol de pé esquerdo, outro de cabeça, ambos raros em sua carreira, e o Brasil abriu 2 a 0.

O Chile reagia batendo. Até diminuiu. Mas aí Vavá fez mais dois e acabou com a festa. Derrotados, os anfitriões passaram a provocar e a agredir os brasileiros. Até Garrincha perdeu a paciência e deu um “totó” no chileno Rojas, que caiu se contorcendo como se tivesse levado um tiro.

Mesmo sem ver o lance, o amedrontado juiz peruano Arturo Yamazaki, alertado por um não menos medroso auxiliar, expulsou Garrincha. Mané ainda levou uma pedrada ao deixar o campo.

Mas não ficou fora da final. O Brasil colocou seus dirigentes e até sua diplomacia em campo, conseguiu antecipar o julgamento e obteve a absolvição de Garrincha. Quem acabaria levando a pior foi a Checoslováquia.

GRANDES SELEÇÕES

CHECOSLOVÁQUIA
A Checoslováquia chegou à Copa do Mundo de 1962 desacreditada. A seleção era criticada no próprio país e a aposta era de que não passaria da primeira fase, pois caíra num grupo com Brasil, Espanha e México. Os jogadores, então, se uniram com o objetivo de mostrar que os céticos estavam errados.

Com muita garra, disciplina e um futebol simples, mas objetivo, os checos conseguiram se interir na galeria das grandes seleções daquele mundial. Não perderam do Brasil na primeira fase e apesar da derrota para o México, conseguiram o segundo lugar no grupo.

Depois, a Checoslováquia bateu Hungria e a forte Iugoslávia e chegou à decisão. Não foi possível superar o Brasil, mas a seleção voltou para casa de cabeça erguida.

CHILE
É fato que jogar uma Copa do Mundo em casa normalmente uma seleção mais forte. Também é fato que a seleção chilena de 1962 ficou conhecida por intimidar adversários com socos e pontapés – a partida com a Itália foi marcada por uma pancadaria. Sem contar o estranho hábito de consumir comidas típicas do país adversário na véspera dos jogos. Foi assim que comeram queijo antes da estreia contra a Suíça, macarrão antes do jogo com a Itália…

Mas o Chile também tinha bons jogadores. Quando se preocupavam em jogar bola, com a raça que sempre lhes foi característica, os chilenos apresentaram bom futebol. Sanchez, Ramíres, Conteras, Landa, Tobar, juntos, formaram uma equipe competente.

O problema foi que na semifinal o Chile pegou o Brasil. E a feijoada da véspera mostrou-se indigesta quando a bola rolou.

AMARILDO

Seleção brasileira bicampeã do mundo AP

Se em 1958, na Suécia, Pelé era apenas um garoto talentoso e desconhecido no mundo do futebol, em 1962, no Chile, o camisa 10 já era reconhecido como um astro. Tudo parecia caminhar bem para a seleção conquistar com facilidade o bicampeonato, afinal logo na estreia uma vitória tranquila sobre o México com um gol de Pelé.

Mas a calmaria durou pouco. Pelé teve um estiramento muscular na coxa no empate sem gols diante da Tchecoslováquia e estava fora do restante da Copa.

O escolhido para herdar a vaga foi Amarildo, que jogava no grande time do Botafogo, mas que teve sua convocação contestada. O escritor Nelson Rodrigues tratou de acalmar a torcida nacional. “O ataque do Brasil precisa de um Possesso. E Amarildo é um Possesso. Ele é o Pelé Branco”.

Mas o desempenho de Amarildo logo em seu primeiro jogo deve ter surpreendido até mesmo Nelson Rodrigues.

O Brasil tinha pela frente a Espanha e não podia perder. Os espanhóis abriram o placar com Abelardo e poderiam ter ampliado se o juiz tivesse marcado o pênalti cometido por Nilson Santos ou validado o gol de Puskas.

“Todo mundo estava chorando, se lamentando. Menos eu. Não gostei do Pelé se machucar, mas vi ali a possibilidade de provar o meu valor”, disse o Possesso. E ele conseguiu. Fez os dois gols da virada sobre a Espanha, um após cruzamento de Zagallo e outro em cruzamento de Garrincha, seus companheiros de Botafogo.

Brasil seguiu na Copa, passou por Inglaterra e pelo ainfitrião Chile. E Amarildo ainda teve forças para deixar o seu gol na decisão sobre os tchecos. Em uma jogada pela ponta esquerda, ele encarou a marcação adversária, chegou na linha de fundo e teve a sorte de bater direto para o gol, surpreendendo o goleiro e empatando o jogo.

Zito e Vavá deixariam o Brasil em vantagem por 3 a 1 e o bicampeonato garantido no Chile. E Amarildo, com justiça, provou, aos 21 anos, que tinha capacidade para substituir Pelé. Nos dez anos seguintes o Possesso jogou na Itália, onde atuou por Milan, Roma e Fiorentina. Sempre com muito sucesso.