SUMMIT MOBILIDADE URBANA LATAM 2018

Menos carros, mais bikes e pedestres

Para o consultor Gabe Klein, boas ruas são as que têm espaço para diferentes usos e modais

30 de Maio de 2018
Tecnologia. Aplicativos podem ajudar as pessoas a se deslocar, diz Klein, ainda mais se reunirem diferentes modais AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO
Flora Monteiro, especial para o Estado

Cada cidade é um caso e cada caso tem seus problemas, mas em todos os grandes centros urbanos, sejam em países de primeiro ou terceiro mundo, existem pessoas que desejam e necessitam viver, trabalhar e se deslocar de modo acessível e com qualidade e segurança.

A constatação de Gabe Klein, apresentada na palestra de abertura do Summit Mobilidade Urbana Latam 2018, revela que, apesar de complexa, a busca por soluções efetivas na melhoria dos deslocamentos nas metrópoles precisa ser guiada por políticas e estratégias voltadas para a felicidade e o bem-estar da população. “São Paulo é diferente de Nova York, de Miami ou de Washington, seja por questões geográficas, econômicas ou de densidade, mas em todas elas há cidadãos que querem habitar espaços agradáveis, e, para isso, a mobilidade é crucial”, defende.

Cofundador da CityFi, Klein, de 47 anos, presta consultoria para governos, companhias e startups de trânsito. Ele iniciou sua trajetória na Bike USA, maior rede varejista americana do setor dos anos 1990, foi diretor do Departamento de Trânsito de Washington D.C. e, posteriormente, do Departamento de Trânsito de Chicago. Por meio das experiências profissionais, Klein levantou bandeiras a favor da popularização do uso de bicicletas e do compartilhamento de carros e bikes, medidas apontadas por ele há mais de 20 anos como fundamentais para a melhoria da mobilidade urbana.

Segundo Klein, uma estratégia importante para melhorar os deslocamentos nas cidades está em inverter a lógica de que para reduzir o congestionamento é necessário abrir mais espaço para os carros. “Quanto mais área oferecemos para os veículos particulares, maior será o volume deles, pois mais pessoas irão optar por utilizá-los, e o problema nunca terá fim”, explica. A alternativa mais inteligente é diminuir o espaço destinado ao carro, fechando as ruas para pedestres e diminuindo a oferta de estacionamentos.

Para o sucesso de tal medida, é importante que a cidade ofereça estrutura segura e eficiente para transporte público e bicicletas. E o compartilhamento de espaços nas vias é a opção mais econômica e inteligente. “Há uma diferença enorme entre investir e gastar em infraestrutura. Esse tipo de obra é cara, por isso devemos priorizar estratégias para redesenhar o tráfego urbano, considerando que as vias devem ser adequadas para pedestres e para todos os modais, de ônibus a bikes.”

Veículos. O compartilhamento vai além do espaço urbano. Os carros e bicicletas também devem ter seu uso compartilhado entre os usuários. Em Oslo, a medida foi levada tão a sério que não há mais carro circulando só com um ocupante. Já em Barcelona estão sendo implementadas estratégias de reorganização de tráfego para banir a circulação de veículos com apenas o motorista e, assim, reduzir 60% do trânsito nos bairros.

Os sistemas compartilhados devem ter a tecnologia como grande aliada. Os aplicativos de trânsito possibilitam o funcionamento dessa estrutura e podem contribuir ainda mais na melhoria dos deslocamentos nos centros urbanos se integrarem todos os modais – em Helsinque, um projeto piloto de um app multimodal está trazendo resultados positivos no cenário da mobilidade local.

“A tecnologia faz com que seja mais vantajoso ter acesso ao carro e à bicicleta do que ser dono deles”, diz Klein. Em Washington, 80% dos cidadãos já não tinham carro em 2014, pois preferiam se deslocar usando aplicativos de trânsito por sistemas de transporte integrados e compartilhados.

Klein chamou a atenção para a importância dos setores público e privado trabalharem juntos na melhoria da mobilidade urbana. “O governo precisa atuar em conjunto com as empresas para coletar dados que possibilitem entender os deslocamentos e, assim, definir ações”, afirma. “Essa atuação conjunta, somada aos aplicativos multimodais e ao compartilhamento de espaços e transportes, é um caminho eficiente para construirmos cidades mais humanas e felizes.”

Comprar uma calça maior não resolve o problema principal, que é ter engordado. Da mesma forma, não adianta criar mais ruas para os carros. É preciso focar na causa Gabe Klein, fundador do CityFi

Setor privado assume direção de projetos

Do avião à bicicleta, passando por trens e serviços por aplicativo, empresas alavancam soluções de mobilidade

Atuação. Bruno Ribeiro (mediador), Bonetti, Rodgerson, Simone e Rachid discutem papel das empresas AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO

A discussão sobre o papel das empresas privadas na mobilidade foi tema do painel que contou com a participação de Andreas Facco Bonetti (CEO da divisão de Mobilidade da Siemens Brasil), de John Rodgerson (CEO da Azul Linhas Aéreas), de Simone Gallo (gerente de Relações Institucionais e Governamentais do Itaú-Unibanco) e de Mário Rachid (diretor executivo de Soluções Digitais da Embratel).

Para reforçar a urgência de soluções para questões relacionadas aos deslocamentos e transportes em metrópoles como São Paulo, Bonetti, da Siemens Brasil, apresentou dados alarmantes. Em 2050, 70% da população mundial deve morar em cidades – hoje são 54%.

No Brasil, atualmente 85% vivem em centros urbanos, sendo São Paulo a quarta cidade mais congestionada do mundo. “Diante desse cenário, é crucial fazer com que as pessoas renunciem ao uso do transporte individual. Isso vai acontecer quando tivermos uma estrutura de transporte multimodal integrada e eficiente”, aponta Bonetti, que antes de chegar na capital paulista morou em Munique, Teerã, Roma e Moscou.

Segundo ele, essas cidades têm tamanhos e densidades diferentes, mas todas enfrentam desafios de mobilidade semelhantes. “O crescimento das metrópoles é uma consequência da busca por comodidade e eficiência por parte das pessoas”, diz.

Em Dubai e Londres, aplicativos de trânsito que integram modais do sistema público e que permitem planejar a viagem de porta a porta por ônibus, táxi e metrô já são realidade. Já Rachid, da Embratel, citou o aplicativo sueco Ubigo, que também possibilita o transporte intermodal. “A tecnologia vai conectar cada vez mais tudo e todos e prover soluções de mobilidade”, comenta ele, usando o Waze como exemplo por distribuir o fluxo de carros e amenizar o trânsito.

Já a importância da bicicleta como meio intermodal econômico, eficiente e saudável foi lembrada por Simone Gallo, do Itaú-Unibanco. “O ciclista não enfrenta imprevistos de trânsito, por isso se estressa menos para driblar atrasos”, afirma ela. Tais vantagens estão elevando o volume de adeptos dos sistemas de compartilhamento. “O número de viagens por dia no Bike Rio é maior que o de Paris e Nova York”, aponta.

Bikes. Pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a pedido do Itaú-Unibanco, mostra que a bicicleta usada como meio de transporte poderia adicionar até R$ 870 milhões ao PIB da cidade de São Paulo.

O estudo mostra ainda que usar a bike para parte dos deslocamentos poderia reduzir em até 18% as emissões de CO2 e gerar economia de R$ 34 milhões no Sistema Único de Saúde (SUS).

Rodgerson, da Azul Linhas Aéreas, trouxe a mobilidade aérea para a discussão. Segundo ele, o sucesso da empresa hoje está no fato de eles conectarem todos os Estados do País, pois perceberam que as pessoas deixam de viajar quando precisam fazer escalas. Uma lógica semelhante pode ser aplicada aos deslocamentos nas cidades: a população sempre vai buscar a alternativa mais confortável. Se a experiência em transporte público for ruim, o carro vai ser a primeira opção. / F.M.

70% DA POPULAÇÃO MUNDIAL DEVE MORAR EM CIDADES EM 2050 – HOJE SÃO 54%