Latinos buscam integrar modais
Buenos Aires, São Paulo e México têm como meta a conexão de redes
A convivência entre os modais e a importância e contribuição de cada um deles no sistema de mobilidade pautou o painel que discutiu as soluções de grandes cidades para garantir o direito de todos. No teatro do Sheraton WTC, além da arquiteta Carolina Caminotti, que representava a Secretaria Municipal de mobilidade e Transportes da prefeitura de São Paulo, discutiram soluções e problemas o diretor da Voom, Clement Monnet, o chefe de Gabinete da Subsecretaria de Trânsito e Transporte da Prefeitura de Buenos Aires, Francisco Alvarado, e David Lamb de Valdés, da Comissão Federal de Concorrência Econômica do México (Cofece).
Monnet, que chegou ao Brasil com a Voom para investir no deslocamento por helicópteros no ano passado, pede um estreitamento das relações entre público e privado. De acordo com ele, São Paulo foi escolhida exatamente pelo gigantismo dos números. O paulistano perde em média um mês e meio no trânsito por ano. “Metade das pessoas que viajaram conosco entraram num helicóptero pela primeira vez”. O preço acessível (uma corrida entre Guarulhos e Congonhas custa 400 reais e leva 14 minutos) é um dos diferenciais da Voom no negócio de mobilidade urbana.
A integração dos diversos meios de transportes e a conservação e aprimoramento das áreas públicas também ganharam coro no debate. “Estamos humanizando a cidade”, explicou Alvarado, sobre Buenos Aires. O centro da cidade argentina teve 259 quadras para caminhar recuperadas, impactando 2 milhões de beneficiados. Câmeras de segurança foram instaladas e o próximo passo é interligar as diferentes linhas de trem, metrô e ônibus, que somadas ao carro, somam em média 8 milhões de viagens diárias.
Em São Paulo, Carolina lembra que é necessário quebrar o paradigma de que o carro é o rei das ruas: “No passado, investimos em rodovias, pontes, viadutos. E o automóvel se sobrepôs a todos os modais. O ideal é que tivéssemos viagens feitas diariamente respeitando números como 30% feita por automóvel, 30% por pedestres e 30% pelo transporte publico”. Segundo ela, o grande desafio é transformar a cidade e deixá-la mais inteligente e eficiente. Para isso, será preciso distribuir de forma igualitária os modais. “Nossa matriz de mobilidade precisa mudar. O pedestre tem muitas opções de deslocamento e a convivência dos modais tem de acontecer de maneira mais assertiva. Temos de medir a importância e contribuição de cada um deles no sistema de mobilidade.”
Valdés, do México, também foca no alvo principal: “Precisamos de modais incorporados. A pessoa tem que poder fazer as suas escolhas.” Para que isso aconteça, é necessário o diálogo maior entre público e privado e regulamentações que apoiem iniciativas como a da Voom e da 99. Uma das dificuldades, de acordo com Carolina, é a morosidade grande em inovar no plano público por causa dos inúmeros protocolos e processos. Ela coloca como exemplo a necessidade de mudança do Bilhete Único, que teve sua ultima atualização em 2011.
Para os próximos anos, a prefeitura de São Paulo tem em seu planejamento as seguinte metas até 2020: reduzir o índice de mortes no transito diminuindo o número para que seja inferior a 6 a cada 100 mil habitantes; aumentar em 10% a participação dos modos ativos de deslocamento (de bicicleta e a pé); aumentar em 7% o uso do transporte publico e reduzir em 15% emissão de CO².
Brasil ocupa a pole position mundial do uso do carro
Uma pesquisa realizada pela Ipsos conseguiu mensurar o apego do brasileiro pelo veículo individual. O estudo, feito apenas com condutores, mostra que o país apresenta a maior média anual de quilometragem rodada entre nove países pesquisados. Um terço os entrevistados ainda supera de longe a média, fazendo pelo menos 30.000 quilômetros por ano (veja quadro).
Segundo o instituto, a alta adesão ao carro pode ser explicada pela falta de confiança dos motoristas brasileiros no transporte público. Para 87% deles, a rede pública não é confiável, índice que cresce entre os mais jovens. “A maioria dos motoristas brasileiros não vê o transporte como parte das soluções de mobilidade”, afirma Fernando Deotti, diretor da Ipsos Loyalty. “A falta de projetos de integração, de disponibilidade de linhas para ir de um ponto a outro e os atrasos na conclusão de obras impactam negativamente na imagem de todo o ecossistema do transporte”, acrescenta ele.
Entre as principais barreiras para deixar o carro em casa e utilizar linhas de ônibus, trens e metrô, está o tempo gasto nestes percursos, que vai desde a espera no ponto ou na estação até a chegada ao destino final. A imprevisibilidade incomoda mais do que a falta de conforto. Os entrevistados, que podiam escolher mais de uma alternativa, reclamam também de não haver assento disponível na hora do rush (64%), de não ter onde colocar seus pertences (28%), da temperatura interna dos coletivos (49%), da distância do ponto até o destino (36%) e da limpeza (36%).
As queixas ajudam a explicar o rápido crescimento dos aplicativos de transporte na população brasileira, que foi de 4% em 2016 para 12% em 2017, segundo levantamento da Pulso Brasil, realizado com 1.200 pessoas de 72 municípios. “Os serviços por aplicativo acabam cumprindo um papel que o transporte público não cumpre”, avalia Deotti.
Outro segmento que cresce seguindo a mesma lógica é o das bicicletas. Segundo a Abraciclo, 2017 foi um ano de estabilidade para a produção nacional de bicicletas, mas houve crescimento de 114% na importação do produto. Já neste ano, o crescimento no primeiro trimestre de 9% na produção nacional e de 7% nas importações.
Segundo Deotti, os operadores de transporte devem focar na recuperação da credibilidade, na integração com diferentes modais e no aumento da previsibilidade do tempo de cada trajeto. “De outra forma, será muito difícil convencer quem está de carro a optar por outros meios”, afirma.
Infra ruim é entrave ao carro autônomo
Modelos que dirigem sozinhos esbarram na falta de regulação e de fontes de energia
O painel que teve como tema principal a automatização dos veículos urbanos colocou frente a frente Johannes Roscheck, presidente da Audi do Brasil, Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil & CEO América Latina, e o especialista em inovação e ex-cientista da IBM Fábio Gandour.
“O mundo está se transformando e as empresas não podem fugir deste desafio”, disse Schiemer. No painel realizado no teatro do Sheraton WTC, a utilização do carro autônomo elétrico e a necessidade de se implementar a tecnologia no diálogo entre os motoristas e as vias públicas ganharam novos contornos. O presidente da Mercedes foi enfático quanto à utilização do veículo autônomo: “Temos todas as tecnologia para utilizar este carro. Mas estamos longe de o colocarmos em vias públicas. Como será regulamentado? É necessário uma discussão entre a parte publica e a industrial. Quando acontecer um acidente, por exemplo, quem será o responsável?”, indagou.
Para que um carro desses saia do papel e entre no dia a dia das pessoas, muitas mudanças ainda terão de acontecer na seara pública e tecnológica. É bom lembrar que o carro autônomo já vem sendo testado desde os anos 2000 e que o questionamento de Schiemer sobre a regulamentação tem paralelo no revés deste ano, quando uma unidade semiautônomo da Uber atropelou e matou uma ciclista nos EUA. Segundo relatório da investigação, o veículo “não estava programado para frear naquela situação.”
Schiemer lembra que devido aos custos elevados, não é possível ainda aplicar em massa os veículos elétricos rodando na cidade. Já para atender carros autônomos, o CEO da Mercedes cita a infraestrutura como principal inimiga: “Temos de ter espaços e tecnologia. Hoje não temos isso no Brasil. Há estradas impraticáveis e pouca sinalização.” Outro impedimento é a ausência de rede ampliada e de 5G. “Os carros autônomos consomem uma quantidade de dados enorme”, disse Schiemer.
Brasileiro que acompanhou de perto o projeto da GM, EV1, o primeiro carro elétrico fabricado em 1996, o cientista Fábio Gandour prevê alguns obstáculos para o carro autônomo e elétrico no futuro: “Primeiro de tudo: a geração Z não quer ter carro. Pensando no extremo da distopia, se estivermos caminhando numa direção de Mad Max, não teremos mais combustível, e isso não tem só a ver com indústria automotiva. Nós vamos ter que produzir a energia que consumimos. Neste cenário, teremos de gerar de dia a eletricidade que vamos consumir durante a noite”.
Roscheck, da Audi, apresentou o protótipo de carro autônomo voador. “Com o nosso projeto PopUpNext vamos criar um sistema modular com um carro que voa.” / MARCO BEZZI, ESPECIAL PARA O ESTADO
Em um cenário ‘Mad Max’, geraremos de dia a energia que consumiremos à noite Fábio Gandour, cientista