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Minicidade entre picos nevados

GORAK SHEP

Sol, céu azul espesso e neve parecem anular o frio com sua beleza. Foram poucos passos desde Lobuche até quebrar a simbólica barreira dos 5 mil metros. O vale fica cada vez mais estreito e as montanhas, mais altas. A chegada para o almoço em Gorak Shep (5.136m) é reconfortante, após transpassar riachos com finas e escorregadias camadas de gelo.

 

Ao longe, lááááá no fundo do vale, pequeninos pontos alaranjados encravados num mar de pedras de todos os tamanhos. “São as barracas do Acampamento-Base”, anunciou o guia Eduardo Sartor. Sentimentos controversos. Pensei: “Que símbolo da ganância humana! Por que passar dois meses vivendo neste lugar apenas para chegar ao cume da montanha mais alta do mundo?”

 

Depois de mais de 6h30, alcançamos o marco de entrada do Acampamento-Base: um monte de pedras empilhadas envoltas em bandeirinhas de oração. Do nada, senti o despertar. Os grupos de trekking normalmente param ali e pernoitam em Gorak Shep. A nossa sorte era que dois membros da equipe da Grade 6 faziam parte de uma expedição rumo ao cume do Everest . Dormiríamos ali.

 

Entre pedras e blocos de gelo azulados de todos os formatos, milimetricamente dispostos, se colocam os acampamentos, pequenas vilas com identidade visual próprias e uma lógica comum. Cada uma com suas barracas-dormitório, refeitório, comunicação, banheiro e até chuveiro, com bacias de água quente. Nosso lar agora era a aldeia no meio de um coliseu de paredões e picos nevados de mais de seis mil metros: Khumbutse (6.639m), Pumo Ri (7.165m), Nuptse (7.864m), Lhotse (8.516m). Ironia: o Everest não é visível desde o Acampamento-Base.

 

Durante o dia, uma caminhada no Glaciar do Khumbu deu uma mínima ideia da guerra que é subir a montanha. Mas também encantou, com o gelo revelando improváveis formas de chantilly e suspiro, e o sol que realçava sombras e texturas. Em quase 48 horas ali, presenciei seis avalanches, avaliadas como normais pelos guias. “São blocos de gelo pequenos, do tamanho de uma geladeira”, me disse um dos sherpas. Ninguém poderia imaginar o que ocorreria dali a dois dias.

 

A espaçosa barraca amarela, com dois colchões de espuma e altura suficiente para ficar em pé lá dentro, foi uma das responsáveis pelas duas excelentes noites passadas ali. Conforto para duas pessoas maior do que em qualquer lodge no caminho. Sono profundo a 5.350 metros de altitude. O saco de dormir aguentou o tranco quando a temperatura baixou a 15 graus negativos. Além das três camadas de roupa e do casaco de pluma, tinha como companheiro o cantil com água quente para me reconfortar.

 

À noite, a lua cheia iluminava o vale tornando a lanterna desnecessária. Nascia entre o Nupste, que impera neste horizonte, e a Cascata de Gelo Khumbu, ponto de partida para escalar o Everest, e parte mais perigosa do percurso. Não cansava de admirar. Só ia dormir quando não sentia a ponta do nariz. Havia chegado ao sonho.  / F.M.

 

 

1 A Avalanche de 18 de abril
mudou o curso de empreitadas televisivas e cinematográficas na montanha. Quando chegamos, ocorriam as filmagens de Everest, longa sobre a temporada de 1996, com Keira Knightley e Jake Gyllenhaal
2 a tentativa do paraquedista Joby Ogwyn de saltar de wingsuit do alto do Everest seria transmitida ao vivo pelo Discovery Channel. O canal também gravaria mais uma temporada de Beyond the Limit (sobre pessoas que rompem seus limites físicos), com o aclamado alpinista Russell Brice 9,3 KM
4º TRECHO
Gorak Shep
Acampamento-base

Eis que no fundo do vale surgem barracas alaranjadas e blocos de gelo em forma de chantilly. Sim, depois de oito dias de andanças, sustos e deslumbramentos, enfim, alcançamos o sonho

Ingrato e sofrido, este duro percurso acentua as dificuldades da altitude, após ultrapassarmos a marcante barreira dos 5 mil metros. Pedras soltas, rios sob geleiras que se esfarelam, e todo tipo de desafio ressaltam o porquê do Acampamento-Base do Monte Everest não ser um lugar para muitos.

Qual a sensação de chegar ao objetivo final da trilha, após oito dias subindo? Com a câmera ligada na chegada ao Acampamento-Base do Everest, nosso repórter relata as primeiras impressões. Sinta o ambiente cercado por imensas montanhas, pedras e muito gelo a 5.350 metros acima do nível do mar