PHERICHE
Quando voltei ao Brasil, a pergunta que mais ouvi foi: como é a altitude? Pois bem, a altitude pega, e forte, depois dos 4 mil metros. A questão é se aclimatar – e beber água, muita água. O ar falta e bastam alguns degraus ou a necessidade de fazer um raciocínio mais complexo (uma conta, por exemplo) para perceber isso. A média de velocidade de 1,8 quilômetro por hora ajuda a comprovar que nas pernas, assim como na cabeça, o ritmo desacelera.
Alguns começaram a ter problemas com o ar rarefeito e a apresentar um mal-estar crônico a partir de Pheriche. A consultora e professora Tania Belmiro, de 47 anos, foi uma delas. Neste ponto ficou nítida a importância do papel dos guias, de quebrar a insegurança e ajudar na persistência. “Nunca esquecerei a frase do guia Carlos Santalena: ‘você tem condições para subir e alcançar o Acampamento-Base, mas não posso andar por você. Se quiser ir, estarei com você, no seu compasso e condição.’ Era só o que eu precisava”, recorda.
Além da experiência dos guias, as histórias pelo caminho inspiram e motivam a prosseguir. Talvez a do alpinista paquistanês Mirza Ali tenha sido a que mais me tocou. No ano passado, ele trouxe sua irmã, Samina Baig, então com 21 anos, com o objetivo de fazer dela a mais jovem mulher muçulmana a escalar o Everest – parte de um projeto para promover a igualdade entre os sexos em seu país. Subiu com ela até o Acampamento 4 (o último antes do cume), a 7.924 metros e, apesar de estar em plena forma física, voltou ao Acampamento-Base, encorajando a irmã a seguir ao cume com um guia sherpa. Ela conseguiu. “Eu não poderia subir junto, senão a causa perderia força. Este ano vim sozinho para tentar chegar ao topo”, disse.
A ascensão de 670 metros entre Pheriche e Lobuche é constante, mas não tão íngreme. O Rio do Leite vai sumindo do percurso, a paisagem é cada vez mais pedregosa e árida, as narinas enchem de pó. Utilizar um lenço ou buff, espécie de bandana que protege boca e nariz, é uma boa – o problema é arrumar um jeito de os óculos escuros não embaçarem a cada expiração.
No meio do caminho, um baque seco na alma. Nunca havia sentido um vento tão sério, funesto, respeitoso. Espalhado em um raro trecho plano, o Memorial dos Mortos no Everest concentra montes de pedras enrolados e conectados em bandeiras budistas coloridas. Destaque para a homenagem a Scott Fischer, alpinista morto em 1996.
Lobuche, a parada seguinte, é singela, com um quê de estação de esqui mambembe. Estreei ali meu casaco de pluma de ganso, dando uma voltinha sobre a neve para clicar, e conheci Steven e John, fotógrafos da National Geographic, em busca da melhor luz. A falta de vento permitiu passar quase uma hora ao ar livre no fim do dia, vendo o pôr do sol dar um tom amarelado às montanhas. Na manhã seguinte, partiríamos cedo para enfrentar nove duros e arrastados quilômetros até nosso tão esperado destino. / F.M.
No trecho de Pheriche a Lobuche, a paisagem se torna mais árida e pedregosa, dificultando ainda mais a respiração. Relatos de superação inspiram e dão força diante do Memorial dos Mortos
A subida Entre Pheriche e Lobuche é gradual e extremamente plástica. Conheça o Memorial dos Mortos do Everest e sua energia pesada, porém essencial para entender a grandeza e os perigos da montanha. E neve, muita neve.