NAMCHE BAZAR
A saída de Namche Bazar simboliza ao mesmo tempo o desapego e a ousadia. Daqui para frente, há cada vez menos infraestrutura, banhos e oxigênio. Os primeiros passos do dia são sempre os mais empolgados, mas também os mais preguiçosos, pois os raios de sol ainda não quebraram o manto frio da madrugada.
Logo nos metros inicias cruzamos os únicos brasileiros em todo nosso caminho, um casal baiano de mais de 50 anos, ele com a camisa do Bahia. Um vestígio pitoresco de Brasil que contrastava com os traços mongóis das dezenas de sherpas, a maioria mulheres, descendo das vilas mais altas com suas cestas de vime rumo a Namche, para o mercado do dia seguinte.
Curva após curva, vale após vale, sempre uma stupa com bandeirinhas de oração. O ingrediente que faltava para compor as fotos do magistral Ama Dablam (6.814m) – com seu pico achatado, é a montanha mais bonita do percurso – e um tímido, porém onipresente, Everest. Imaginei que, a partir de então, não só visualizaria a montanha o tempo todo, como caminharia em trechos planos ou declives. Sabia de nada, inocente.
Se a recompensa por chegar a Tengboche fosse apenas visual, já seria ótimo. A 3.864 metros acima do nível do mar e cercada de imensas montanhas por todos os lados, a vilinha me fisgou por sua energia. De fato, segundo o guia Carlos Santalena, Tengboche costuma ser o ponto predileto dos clientes. “É um lugar elevadíssimo espiritualmente – um dos únicos da região nunca atingido por fenômenos naturais como deslizamentos de pedra ou gelo. E tem o visual mais bonito da viagem, com o Everest alaranjado ao entardecer.”
Seu monastério é um dos mais conhecidos – e belos – do Nepal. Diariamente, às 7h e às 15h, os monges promovem sessões de oração abertas. Inveja, confesso, foi a primeira coisa que senti ao ser atingido pelo sorriso do monge Sonam Sherpa. Suas feições emanavam felicidade numa dimensão que vi poucas vezes. Um frio danado e ele ali, 27 anos, cabelo raspado, vivendo por opção no alto de uma montanha. Deu uma bênção e amarrou em meu pescoço um cordão alaranjado da cor de sua túnica.
Era a quarta noite de viagem e, pela primeira vez, senti frio. O saco de dormir – que suportaria até 15 graus negativos – precisou do reforço de um casaco e de um liner, espécie de segunda pele de dormir. No dia seguinte, a Tengboche cinzenta da véspera deu lugar a uma iluminada vila com seu monastério colorido pulsando. Se pudesse, ficaria mais.
Depois de 2 horas, chegamos a Pangboche para almoçar e visitar o Lama Geshe, o mais importante representante do budismo na região do Khumbu.
As 15 pessoas de nosso grupo se uniram a outros visitantes e, juntos, entoamos vários mantras. Cada um foi presenteado com um khata, espécie de lenço de seda de cor creme que simboliza pureza e compaixão. Como que completando o momento de intensa magia, ao sair, uma neve fininha caía sobre nossas mochilas, pintando o cenário de branco pela primeira vez. Um vento cortante testava a vedação de nossos casacos. Parecíamos bem aclimatados e a subida não foi tão severa, porém a chegada em Pheriche, a 4.240 metros, foi difícil pelo tempo inclemente.
No dia seguinte, subiríamos ao Nagarjun Peak. a 4.750 metros, para aclimatação. Mas as maiores surpresas foram ao amanhecer: a água do cantil estava congelada, assim como a toalha de meu companheiro de quarto, Roberto Mehler. Foi também em Pheriche que provei carne de iaque pela primeira vez (mas ainda prefiro carne-seca). / F.M.
Infraestrutura e oxigênio diminuem a partir de Namche Bazar, mas, em compensação, a energia se renova no contato com monges budistas que transmitem pureza e ensinam poderosos mantra
Ultrapassando Namche Bazar (3.440m) a altitude começa a mostrar seus efeitos. E os bons fluidos também. Conhecemos o energético templo budista de Tengboche e acompanhamos a reza matinal dos monges. Também subimos a 4.750 metros no Nagarjun Peak, próximo a Pheriche, para aclimatar