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Na montanha, aprendizado pode incluir frustraçãO

O caminho de volta do Acampamento-Base, pegamos um atalho para subir aos 5.550 metros do Kala Patthar, de onde se tem a melhor vista do Everest. Cinco duras e desgastantes horas de caminhada sobre pedras soltas, com frequência usando as mãos como apoio. A 5.400 metros de altitude já avistávamos o cume do Everest com nitidez, o pico negro encravado entre o Nuptse e o Ombro Esquerdo. “Bem pertinho, gigante, imponente, claramente se sobressaindo”, anotei no diário.

 

E então, o tempo fechou. Por rádio, o chefe da expedição, Sumit Joshi, deu a ordem para que retornássemos – havia risco de neblina na descida. Faltavam 100 metros verticais para o já visível cume do Kala Patthar, mas não teve jeito: recuamos e começamos o retorno a Gorak Shep (5.140 metros).

 

Foi uma das ocasiões em que o trekking ao Acampamento-Base nos fez experimentar o gosto – amargo, algumas vezes – do imponderável. A necessidade de abrir mão dos planos previamente traçados, lidar com imprevistos e com os limites impostos pelo corpo e pelo ambiente. Frustrante, mas são regras de sobrevivência.

 

Outro desses momentos veio com o retorno para Namche Bazar. O plano era fazer o percurso pelo Vale do Gokyo, considerado uma das áreas mais bonitas do Himalaia por seus lagos azulados. No início da subida ao Cho La Pass, a 5.368 metros, constatou-se que um dos integrantes do grupo estava com baixo nível de oxigênio no sangue e dor de cabeça provocada pela altitude. A decisão do guia Lucas Sato, da Grade 6, foi dar meia-volta rumo a Pheriche, para dali seguir a Namche Bazar.

 

A impressão a respeito de tal decisão também foi anotada no diário: “Hoje optamos por recuar pela segunda vez. É conflitante o sentimento na montanha. Em casa, a milhares de quilômetros, pareceria haver uma única resposta: arriscar. Aqui, uma série de fatores se somam. O cenário é complexo, arriscar pode ser um equívoco. Agora, com calma, acredito que, tanto hoje quanto há dois dias, as decisões foram acertadas.” F.M.

 

 

 

 

Retratos de uma temporada atípica As manchetes de 18 de abril assustaram o mundo. Uma avalanche matou 16 guias sherpas na Cascata de Gelo do Khumbu, na maior tragédia da história do Everest. Havíamos saído do Acampamento-Base cerca de 24 horas antes e soubemos do ocorrido via rádio, em Lobuche. Depois do acidente, todas as expedições rumo ao cume pela face nepalesa foram canceladas. Apesar de haver mulas e iaques, os sherpas carregam a maior parte do peso. Ganham cerca de US$ 10 por dia – para muitos, única opção de sobrevivência. Quem se destaca vira guia de alta montanha, e pode faturar de US$ 7 mil a US$ 12 mil na temporada. Os riscos são altos. Depois da tragédia, o debate se acirrou. O governo do Nepal ofereceu uma indenização de US$ 400 para as famílias das vítimas – imediatamente recusada. O governo recuou e pagou US$ 10 mil para cada uma. Os escaladores sherpas almejam agora uma parcela maior do montante arrecadado pelo governo com as permissões de escalada (US$ 10 mil para cada estrangeiro). / F.M. cenário