As 16 pessoas que vivem naquelas sete casas já sabem: ali, a cartilha é ecológica. Culpa daquela viagem para a Escócia, seis anos atrás. E daquela temporada em Portugal, pouco depois. Ambos músicos, os irmãos Fábio e Claudio Miranda de Moura, de 37 e 38 anos, respectivamente, decidiram promover mudanças no dia a dia dos vizinhos no Jardim Ângela, distrito da zona sul de São Paulo que, em 1996, foi considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) a região mais violenta do mundo.
Fábio sabe bem o que é nascer e crescer no bairro, mas não alardeia muito. Claudio fala mais, lembra do tempo em que a preocupação com a ecologia era a última prioridade – mais urgente era sobreviver aos tiros, à criminalidade, aos problemas que se amontoavam. “Perdemos muitos amigos assassinados”, diz Claudio. No segundo semestre de 2010, os irmãos decidiram viajar com sua banda, que existia desde 1989. A turnê, de três meses, passou por diversos países europeus. Na Escócia, conheceram a vila sustentável Findhorn, no norte do país. Foi o estalo. “Passamos a tentar incorporar elementos dessa vida ao nosso cotidiano”, conta Fábio. Em seguida, foram passar uma temporada em Tamera, ecovila portuguesa. Voltaram de lá vegetarianos e preocupados com energias renováveis.
“No mercado, passei a me questionar: por que pedir sacolinha plástica? Pronto: agora sempre levo uma reaproveitável, feita de material reciclado”, diz Fábio. “Agenda é outra coisa que parei de comprar. Sempre arranjo uma velha, do ano anterior, sem uso. E só mudo ali o dia da semana, tudo certo”, prossegue. “Conta? Por que receber a fatura por papel? Pago tudo pela internet. Também tem a segunda via na hora de pagar no cartão, né? Dispenso. E é papel a menos sendo impresso, lixo a menos sendo produzido.”
Mudança na rotina. Entrou ainda em cena o lado “professor Pardal” de Fábio, curioso por eletrônica e engenhocas do tipo. Com placas solares, ele faz funcionar um sistema hidropônico para cultivar hortaliças. Os fertilizantes também são feitos ali, um dos produtos finais de um sistema de biodigestores que ele implementou no quintal que une as sete casas anexas. Todo o lixo orgânico produzido pelas famílias que vivem no endereço – um total de 10 kg por dia, em média – é descartado no local. O sistema, desenvolvido por Fábio, gera gás, que é usado na cozinha. “Antes, gastávamos dois botijões por mês. Agora, passamos dois meses com um botijão.”
Um tubo preto de 50 metros percorre o telhados das casas, transportando água da caixa para o chuveiro, o que, na maior parte dos dias, garante a dispensa de aquecimento elétrico na hora do banho.
O sistema de “ar-condicionado” é feito de tubos de PVC instalados perto do chão (para a entrada de ar frio) e próximo do teto (para a saída de ar quente) de alguns cômodos – do lado de fora, esses tubos do teto têm uma espécie de chaminé pintada de preto para forçar a circulação do ar, por aquecimento.
Dentro ou fora de casa, os irmãos dão sempre um jeito de viver cada vez mais de forma sustentável. Mesmo sem ciclovia por perto, Fábio vendeu seu carro e hoje faz tudo de bike – tomou tanto gosto que tem 11 delas, espalhadas pelo quintal. “Meu sonho é montar uma cartilha”, diz Fábio. “Ensinar para as pessoas como é possível viver de um modo mais simples, inovar, para que o morar seja ecológico.”
A tecnologia ajuda a aproximar interessados em emprestar objetos, alugar o sofá ou dividir o carro; a chave está nas relações pessoa-pessoa, em que fornecedor e consumidor contratam-se diretamente
Compartilhar é preciso para viver no século 21. Do carro à panela de pressão, do livro ao sofá na hora de se hospedar. E a tecnologia ajuda a viabilizar essas redes de intercâmbio. “Estamos vivenciando uma mudança de mentalidade econômica em que a sustentabilidade é fundamental”, avalia a historiadora, socióloga e pedagoga Cláudia Coelho Hardagh, professora de Tecnologia Educacional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Um exemplo é o site Tem Açúcar?, criado em dezembro de 2014 pela empreendedora social Camila Carvalho Vilela de Moraes, de 26 anos. “Estava estudando a economia de compartilhamento e pensei em uma solução para que as pessoas pudessem usar os recursos já existentes de forma mais sustentável e eficiente”, explica ela.
O serviço cria uma rede entre vizinhos, num raio de 8 quilômetros. Se alguém precisa de uma máquina de escrever, uma panela de pressão ou um aspirador de pó emprestados, ela posta e todos os moradores da região recebem o pedido. Aí, é só combinar como será o empréstimo, qual o prazo de devolução, etc. “Metade das solicitações é atendida”, afirma Camila. A base já tem 78 mil usuários – 25 mil em São Paulo. Por enquanto, tudo é feito pelo site e os pedidos chegam por e-mail. Mas em três meses deve ser lançado um aplicativo, facilitando a interação.
A economia do compartilhamento não necessariamente prescinde do dinheiro. A preferência pode ser por alugar, em vez de emprestar – mas não em comprar. E a chave está nas relações pessoa-pessoa, ou seja, em que fornecedor e consumidor contratam-se diretamente.
Em julho, o empresário Flavio Estevam, de 35 anos, fundou o Dinneer, um serviço de compartilhamento gastronômico. “Notei que nas redes sociais fotos de comida fazem sucesso, sempre com comentários de gente querendo experimentar”, diz. Então ele criou a plataforma, em que qualquer um pode vender um jantar em sua casa – o site fica com 10% do anfitrião e 10% do contratante. Por enquanto, a transação é feita pelo site, mas um aplicativo deve ser lançado. Já há 1,4 mil chefs caseiros cadastrados, 400 de São Paulo.
Estevam se inspirou no Airbnb, empresa fundada na Califórnia em 2008 e que hoje está presente em 35 mil cidades de 192 países. Por meio do serviço, as pessoas podem alugar seu apartamento – completamente ou parte dele – para receber gente de outros lugares. Sites e aplicativos de couchsurfing, que começaram a se popularizar há ao menos uma década, vão ainda mais fundo na ideia de compartilhamento. Neles, viajantes encontram anfitriões dispostos a emprestar o sofá. É o compartilhamento da residência, em um serviço que reinventa o conceito de hospedagem.
Também é possível compartilhar o carro particular. O Fleety, que chegou a São Paulo em fevereiro do ano passado, permite que qualquer pessoa deixe seu veículo disponível para que outro motorista alugue, por hora. Os valores variam de R$ 5 a R$ 50, conforme o modelo. A empresa cobra até 16% de taxa.
Com 20 milhões de usuários no mundo, a BlaBlaCar chegou ao Brasil há dois meses. O aplicativo viabiliza caronas em viagens – no bom e velho esquema em que todos ajudam a rachar os custos. Ele não permite, entretanto, que os usuários lucrem com o serviço. O próprio aplicativo calcula o gasto com combustível e pedágios, dividindo os custos entre os passageiros.