Lina chegou há apenas 8 dias e já está integrada. À maior cidade do País e ao bairro do Butantã, onde mora, na zona oeste. Ao dia a dia de seus pais, o permacultor, educador e arquiteto Tomaz Lotufo, de 39 anos, e a engenheira de alimentos Danuta Chmielewska, de 34. E ao cotidiano do pequeno Martim, de 2 anos e 1 mês, recém-promovido a irmão mais velho.
“Estar integrado” é expressão-chave para Tomaz na hora de explicar seu jeito de ser sustentável. Com uma palavra que a complementa: reaproveitamento. “É muito mais lógico aproveitar o que existe do que começar do zero”, diz, apontando para a casa da família.
Quando Tomaz e Danuta compraram o imóvel, em 2012, havia ali uma velha construção térrea. Foram demolindo as paredes e reaproveitando. Tijolos acabaram rearranjados de um cômodo para o outro. Um segundo pavimento foi erguido com madeira de demolição. O piso do banheiro veio de um bar fechado na Vila Madalena. Até os móveis da nova moradora foram feitos pelo casal, sempre com material reaproveitado.
Tudo resultado da experiência acumulada nos 9 anos em que Tomaz trocou São Paulo por um sítio em Botucatu, no interior do Estado – entre 2002 e 2011. Desiludido com a vida em escritório de arquitetura, ele descobriu o “caminho” na permacultura, método holístico para planejar e manter sistemas ambientalmente sustentáveis, socialmente justos e financeiramente viáveis.
Visibilidade. “O sítio era meu laboratório: criei galinhas, plantei e, sobretudo, consegui me dedicar a uma arquitetura em que acredito”, conta. Eram materiais locais, sistemas de tratamento biológicos de esgoto, técnicas ambientalmente corretas. O trabalho no sítio rendeu-lhe visibilidade. Em seguida, ONGs e empresas passaram a recorrer a seus conhecimentos, tanto para a execução de projetos como para ministrar cursos sobre o tema. Consequência direta: Tomaz virou educador, com mestrado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
“O importante é compreender que não somos parte isolada de um sistema. Só então conseguimos adotar um modo de vida mais orgânico”, diz. “Isso começa nas relações de família e vai se desdobrando na água reaproveitada da chuva, no sabão biodegradável, no laguinho com os peixes do quintal, na árvore que quero plantar.”
A árvore ainda depende de autorização da subprefeitura. A água reaproveitada da chuva é parte de um engenhoso circuito que ele fez em casa – tudo o que cai ali, e também a “água cinza” que sai da máquina de lavar, vai para dois reservatórios no segundo piso do sobrado; lá, plantas típicas de brejo fazem um tratamento biológico e, em seguida, a água é levada para o lago do quintal. Ela é usada para regar as plantas do pequeno pomar e da hortinha.
E a família participa de tudo, desde o início: o pequeno Martim, por exemplo, acompanha o pai na hora de separar o lixo e alimentar as minhocas da composteira. “A vontade de ser integral é uma busca do dia a dia”, filosofa Tomaz.
Quando Lina chegou, encontrou no coração de seus pais uma forte impressão: a de que São Paulo e seu concreto começam a vislumbrar um futuro mais verde. Ainda falta muito, mas já é um começo. Tomaz e tantos outros tiveram de mudar para serem sustentáveis. Lina é da geração dos que podem começar a vida dessa forma.
Mudanças no modo de vida da cidade se devem mais aos esforços da população do que necessariamente a uma gestão pública voltada para a sustentabilidade, dizem especialistas
Há quem diga que viver em São Paulo é para os fortes, os que moram em condomínios fechados e os que têm carro. Que em São Paulo se trabalha demais e que a cidade nunca para. Um monte de clichês, verdade, embora não sem uma ponta de razão. Mas há uma São Paulo que quer ser diferente. Tem ganhado força nos últimos anos um movimento que busca ocupar os espaços públicos de modo a deixar a cidade mais amigável, com maior qualidade de vida e, por que não, mais sustentável.
Isso tem a ver com hortas urbanas, food parks, ocupação de ruas, praças e a luta por parques urbanos. Tem a ver com ciclovias, transporte público e com a criação de espaços compartilhados. E com muitas iniciativas pessoais que têm buscado adotar uma vida que proteja o ambiente (como as que aparecem ao longo deste especial).
“Se olharmos sustentabilidade de uma forma ampliada, que vai além do ambiente, mas que cuida da mobilidade urbana, da cidadania, tem ocorrido um avanço enorme no comportamento médio do cidadão paulistano”, afirma André Palhano, coordenador da Virada Sustentável e blogueiro do estadão.com.br. “Temos uma geração que eu chamo de ‘protótipo’, que faz as coisas, como a criação de hortas urbanas ou a Praça da Nascente, na Avenida Pompeia (na zona oeste, que foi recuperada por moradores)”, exemplifica.
A própria evolução da Virada Sustentável em São Paulo dá uma noção de como tem crescido o interesse da população nesse sentido. Na inauguração, em 2013, eram 350 projetos. No ano passado, já passavam de 2 mil.
Para Palhano, a crise hídrica que atingiu a cidade no último verão também deu uma chacoalhada na população. “Fomos forçados a conviver de uma forma diferente com os recursos e isso mudou, espero que para sempre, nossa relação com a água.”
Especialistas ouvidos pelo Estado opinam que muitas das mudanças se devem mais aos esforços da população do que necessariamente a uma gestão pública voltada para sustentabilidade, mas não descartam que ações como a abertura da Paulista para pedestres e a criação de ciclovias incentivam e facilitam o comportamento dos moradores. “A questão da mobilidade em muitos aspectos é a mais importante para o paulistano, porque afeta a produtividade, o bem-estar. Até mais que a poluição, ela causa estresse. Então, nesse aspecto, houve avanços”, diz Laura Valente, consultora em mudanças climáticas e cidades do World Resources Institute.
Mauricio Broinizi, coordenador executivo da Rede Nossa São Paulo, também elogia os investimentos públicos em mobilidade urbana e em coleta seletiva e reciclagem. “Mas para caminhar para a sustentabilidade a passos largos ainda falta muito. Ainda não se avançou em ter uma política de arborização consistente. A defesa de mananciais e da Mata Atlântica continua complicada.”
Mesmo a questão da mobilidade ainda precisa melhorar, defendem os especialistas. “Hoje temos um grande número de pessoas pensando em como melhorar a cidade, mas isso só vai acontecer mesmo no momento em que for uma cidade melhor para o pedestre. Porque todo mundo, mesmo quem tem carro, é pedestre”, defende o ambientalista Lincoln Paiva, presidente do Instituto Mobilidade Verde, que desenvolveu os parklets. “Sem devolver a cidade para o pedestre, não é possível ter melhor qualidade de vida.”