Dezoito mil, seiscentas e oitenta e duas árvores. O número está anotado à mão, na página número 57 de um amontoado de folhas sulfite chamado de agenda. Em 12 anos e dois meses, o empresário Hélio da Silva, de 64 anos, “gastou” 612 fins de semana no Parque Linear Tiquatira, na Penha, zona leste. Cada visita rendeu uma anotação, seja porque naquele dia ele plantou 200 mudas, porque podou as árvores ou ainda só ficou por lá, “conversando com as plantas”.
Paulista de Promissão, Silva veio para São Paulo com 10 anos e nunca mais saiu do bairro da zona leste. “Nesse tempo todo, vi a evolução de um lado e a depredação do outro. A área que margeia o Córrego Tiquatira estava toda deteriorada, com lixo acumulado”, conta.
Em novembro de 2003, ele decidiu que ajudaria a mudar a realidade plantando árvores. “Estava tudo tão feio e abandonado que botei uma meta para mim mesmo: em 10 anos, transformaria o local.” O projeto inicial, há muito superado, era plantar 5 mil árvores. “No começo, tive problemas em casa. Achavam que eu tinha ficado maluco”, ri.
As espécies foram escolhidas após pesquisa: só árvores nativas. Privilegia as de Mata Atlântica. E, importante: a cada 12 plantadas, uma tem de ser frutífera. “Para atrair aves”, explica. Então começaram a se espalhar pelas margens do Tiquatira ipês, jequitibás, aroeiras, araucárias, guapuruvus, maçarandubas, goiabeiras, pitangueiras, amoreiras...
Resistência. A primeira empreitada, ainda em 2003, foi infrutífera. “Plantei 200 mudas. No dia seguinte, todas haviam sido arrancadas”, conta, suspeitando de comerciantes da região, descontentes com o fato de que as árvores “tirariam a visibilidade” de seus negócios. “Voltei na semana seguinte e plantei 400.” Nova frustração. Só a partir do terceiro plantio é que – apoiado por moradores da região – ele conquistou simpatia à causa.
O empresário gasta R$ 1,5 mil por mês, em média, com compras de mudas e manutenção das árvores – em alguns meses, o investimento dobra. “Já recebi oferta de patrocínio. Sempre nego. É um projeto pessoal, faço questão de bancar.”
Em 2007, quando já eram 5 mil árvores às margens do córrego, a Prefeitura decidiu transformar o terreno em parque – o primeiro da cidade a ser chamado de “linear”, justamente por funcionar como mata ciliar ao longo de uma extensão de água. “Posso dizer que, desde então, a administração municipal se tornou minha parceira, muitas vezes até fornecendo mudas”, diz.
A meta agora é chegar a 50 mil árvores. “Pelas minhas contas, precisarei de uns 20 anos”, calcula o empresário. “Árvores são graciosas. Dão ar puro, frutos, sombras e atraem pássaros. Tudo de graça.”
Quem planta colhe – diz o adágio popular. Silva quer que seus netos, Catarina, de 2 anos, e João Pedro, de 8, tenham sombra e brinquem no Tiquatira. Também sonha com uma biblioteca pública no parque, cheia de livros e histórias de sustentabilidade. “E quem sabe uma fundação, uma instituição para ‘cuidadores de árvores’”, vislumbra.
Acima de tudo, porém, ele quer que sua história inspire outras pessoas. Que não precisam plantar árvores, podem “plantar” outras boas ideias por aí. “Hoje em dia, o ser humano precisa ser empreendedor ambiental. Fico imaginando que lindo seria um mundo em que as pessoas cuidassem de árvores, rios, montanhas... Já imaginou alguém dizendo ‘eu adotei três cachoeiras’?”
O número total até impressiona. Em São Paulo, há 53,97 m² de cobertura vegetal por habitante, segundo dados de 2013 da Secretaria do Verde. Mas o número é distorcido pelos grandes bolsões verdes que existem no extremo sul e no norte da cidade, onde a Mata Atlântica ainda é preservada. Em Parelheiros (zona sul), por exemplo, essa relação salta para 265,5. No Jaçanã (norte), 165,4. Mas na Sé (centro), despenca para 6,2. O menor valor é no Itaim Paulista (zona leste): 2,1, de acordo com estatística de 2012. Neste bairro, há apenas 0,06 árvore por habitante.
O cálculo foi feito pelo pesquisador Marcos Buckeridge, da Universidade de São Paulo (USP), que publicou artigo no ano passado na revista Estudos Avançados, da mesma universidade, destacando a má distribuição da arborização na cidade. O déficit maior é nas zonas leste e central, mas mesmo em subprefeituras mais nobres, como Pinheiros e Vila Mariana, o índice de cobertura vegetal é considerado baixo (22,5 e 11,9, respectivamente, ou 0,63 e 0,33 se contadas as árvores por habitante).
Uma das metas do prefeito Fernando Haddad (PT) ao assumir o cargo era plantar 900 mil mudas em passeios públicos, canteiros centrais e nas áreas verdes do Município. Faltando 11 meses para o fim da gestão, apenas 33% da meta foi cumprida, de acordo com dados da Prefeitura. Para ambientalistas ouvidos pelo Estado, a gestão das áreas verdes da cidade e a baixa arborização são as principais deficiências na busca por tornar São Paulo mais sustentável.
“A gestão teve um começo promissor, ao colocar no Plano Diretor uma série de instrumentos que poderiam ajudar nesse sentido, como o plano de conservação e recuperação de áreas prestadoras de serviços ambientais, o plano de arborização urbana e o reconhecimento de que 20% do Município é área rural, promovendo a agricultura orgânica, mas nada foi muito concretizado”, critica Roberto Resende, da Iniciativa Verde.
O secretário do Verde, Rodrigo Ravena, rebateu as críticas alegando que a pasta tem de lidar com várias outras questões ligadas ao ambiente, mas reconheceu que o índice de cobertura vegetal está abaixo dos números internacionais e disse que ainda vai tentar cumprir a meta de plantio até o final do ano.
Iniciativas. Alguns projetos têm tentando resolver essa deficiência. Lançado em 1999 pelo Jornal da Tarde e pela Rádio Eldorado, empresas do Grupo Estado, o Projeto Pomar Urbano, do governo do Estado, vem transformando as margens do Rio Pinheiros na Grande São Paulo. Até agora, 500 mil mudas de 250 espécies nativas diferentes já foram plantadas ao longo de 26 km. “Muitas delas, frutíferas, para atrair aves”, explica o gestor ambiental Alex Maia, diretor do projeto. Há pitangueiras, goiabeiras, uvaias, pau-brasil, quaresmeiras...
Agora, está nos planos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente transformar a região em um parque linear. Para isso, entretanto, melhorias de infraestrutura estão previstas, ainda sem prazo definido.
Outra proposta foi desenvolvida por dois professores e 12 alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. A pedido do Projeto Verdejando, da Rede Globo, eles repensaram a região do entorno do Mercado Municipal, no centro, contemplando o plantio de centenas de árvores, de ipês-amarelos a jequitibás. “É uma ideia para o futuro, que recuperaria uma área bastante degradada”, diz o arquiteto e urbanista Paulo Pellegrino, vice-coordenador do LabVerde da USP.
Pela proposta, o estacionamento do Mercadão daria lugar a uma área arborizada. “Seria um grande food park”, diz Pellegrino. As vias do entorno do Mercado seriam de uso compartilhado: para pedestres, ciclistas e motoristas.