O casal Edu, de 37 anos, e Mônica, de 27, é um bom exemplo. Nascido em uma família de classe média de Botucatu, Edu começou a usar drogas aos 14 anos, passou para a cocaína aos 15, às seringas aos 16 e aos 18 conheceu o crack. Por dia, chegou a usar dez gramas, mais ou menos 20 pedras. "Não me contentava mais injetando e passei para o crack. Aí não parei mais, fiquei até os 36 anos e meio. Hoje estou com 37." A partir dos 30, calcula, o crack interrompeu sua vida, o fez "só andar para trás", perder tudo... "Primeiro foi minha família. Perdi o principal que tinha deles: a confiança. Depois, foi a perda material, minha casa mobiliada. Vendi tudo, carro, moto."
Mônica experimentou droga aos 17 e passou para o crack aos 20. "Experimentei e já gostei. No começo, fumava uma (pedra) por semana, depois uma por dia e comecei a aumentar. A gente se conheceu aqui na casa dele fumando crack", diz, lembrando que depois de se encontrarem, há 4 anos, no imóvel do qual Edu vendeu toda a mobília, os dois se afundaram em um consumo frenético.
Nesse período, eles tiveram um filho, que está com 2 anos e é criado pela cunhada. Em dezembro, o casal buscou tratamento no hospital recém-inaugurado pelo Estado em Botucatu. Estão "limpos" desde então.
"Droga não existe mais na nossa vida. Quem quer parar com o crack tem de parar com o álcool, evitar as companhias do passado. Se você andava pela esquerda, tem de começar a andar pela direita", conta Mônica. "Estou tendo o prazer de recomeçar minha vida, mas longe do crack. Nasci de novo", afirma Edu. "A pessoa tem de dar o primeiro passo, buscar ajuda. Não existe esse negócio de não posso, não consigo. Se você quer mesmo, não quer ficar naquela vida, não quer ficar usando droga, se buscar ajuda você consegue. Cada dia é um dia de vitória." Para eles, a família é o maior pilar em toda recuperação.
Na mesma clínica, Ediel, de 28 anos, segue em ritmo parecido. Sem ver a filha há meses, ele lembra que decidiu buscar ajuda quando visitou a criança, na casa da mãe, com duas pedras de crack no bolso, que usaria logo em seguida. "Estava com aquela pedra no meu bolso e ela no meu colo, falando em lágrimas: ‘Pai, eu perguntei para a professora e ela falou que você tem de buscar ajuda porque sozinho o senhor não consegue’. Consegui soltar aquelas duas pedras no chão, passei o pé em cima e falei que eu não queria nunca mais isso aí."
"As pessoas têm conseguido se recuperar", confirma o secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Vitore Maximiano. "Temos tido relatos e relatos de gente com disposição e vontade individual muito forte, seja por cobranças da família, seja por disposição de quem está vivendo esse drama. Porque efetivamente cada um tem sua história, cada um tem sua disposição para tratar dessa questão."
Dênis (nome fictício) nasceu filho de pais ricos e conhecidos. Sempre teve uma casa na cidade e outra na praia, para os fins de semana. Morou em Londres, foi empresário, tentou oito vezes tratar a dependência de crack em clínicas caras e boas, mas recaiu. Desta vez, ele garante que para. "O mais difícil é lidar comigo mesmo. Tenho de me conhecer porque o problema não é a droga, sou eu. O problema é lidar com meus sentimentos, minhas frustrações, é saber lidar com isso sem usar a substância. Quando eu souber, aí eu não vou mais usar."
Nascida na região de Ibitinga, Talia tem cinco irmãos – como ela, mais dois se viciaram em crack. Mas foi a única que conseguiu sair, após acompanhamento ambulatorial.
"Não é futuro para ninguém, é uma vida sem saída, a pessoa cai num
buraco, tenta escalar e nunca consegue sair. Tem de ter força de
vontade mesmo e garra." Mãe de dois filhos, ela usou crack até o
último dia do nascimento da menor. "Quando ela nasceu, fiz uma
promessa para mim mesma que eu não ia mais usar. E estou
cumprindo."