Por Victor Vieira

O desempenho do prefeito Fernando Haddad (PT), ex-ministro da Educação, foi cercado de expectativas na área. Com o plano ousado de zerar a fila de espera por vagas nas creches e construir 243 novas unidades, um dos principais gargalos de São Paulo, a gestão já sinaliza que dificilmente as metas serão cumpridas. Esse desafio também teve um capítulo inédito com a decisão judicial que obriga a Prefeitura a criar 150 mil vagas na educação infantil até o fim de 2016. Com os Centros Educacionais Unificados (CEUs), que tem Haddad como um dos idealizadores, avançou-se pouco até agora: só um dos 20 prometidos já está pronto. E, na reforma do ensino fundamental do Município, uma das principais mudanças foi o aumento das chances de reprovação, o que é alvo de críticas de especialistas.

Capítulo 1

Idealizador de megaescolas, Haddad é o prefeito que menos entregou CEUs

O prefeito Fernando Haddad (PT) prometeu 20 Centros Educacionais Unificados (CEUs) até o fim de 2016. Mas, por enquanto, entregou apenas um – o de Heliópolis, na zona sul. Um dos criadores desse modelo de escola na capital, quando integrou a gestão Marta Suplicy (2001-2004), Haddad é, até agora, o prefeito que menos construiu CEUs. Marta entregou 21 equipamentos à cidade, enquanto a gestão José Serra-Gilberto Kassab (2005-2012) concluiu mais 24.

A capital tem hoje 46 CEUs, que juntam unidades de ensino com outros equipamentos, como ginásios, piscinas e teatros. Para facilitar a expansão da rede, as unidades previstas por Haddad, na maioria, são espécies de “puxadinhos” de equipamentos já existentes, como clubes-escola ou centros comunitários subutilizados. A ideia é que os futuros CEUs sejam menores e mais baratos. Mesmo assim, a entrega de unidades empacou.

A Prefeitura afirma que a falta de recursos travou o processo. O valor estimado para concluir os outros 19 CEUs é de R$ 950 milhões. Para tirar os projetos do papel, Haddad pediu dinheiro ao governo federal. O problema é que esses recursos demoraram e foram garantidos somente em junho. A verba federal vai bancar entre 30% e 50% das unidades. A União será responsável por R$ 149,4 milhões dos R$ 400 milhões a serem gastos no primeiro lote, com oito CEUs. “Outra aposta da Prefeitura para conseguir recursos é a venda de um terreno na Freguesia do Ó, zona norte, avaliado em R$ 200 milhões.”

Pela periferia

FONTE: secretaria municipal de educação

Segundo a Prefeitura, essas unidades já estão com projetos elaborados e licitações feitas. A previsão é começar as obras neste segundo semestre. Já para os 11 restantes, os projetos estão em elaboração, com licitação prevista até novembro. Haddad estima 11 meses de duração para as obras. A gestão mantém a meta de deixar todos os CEUs prontos até o fim de 2016.

Pendências. O CEU Heliópolis foi inaugurado em abril deste ano, mas ainda não está em funcionamento completo. A biblioteca, por exemplo, está aberta ao público e a maior parte dos livros já está enfileirada nas estantes novas do prédio de três andares, idealizado pelo arquiteto Ruy Ohtake. Quando a reportagem visitou o CEU, na primeira semana de julho, ainda não era possível fazer cadastro nem pegar livros emprestados, segundo relatos de funcionários, porque nem todo o acervo estava organizado e registrado.

“Isso faz muita falta. Queria pegar livros e ler para o meu filho em casa”, afirma a dona de casa Marcia Nascimento, de 30 anos, mãe de Bruno, de 4, que estuda na pré-escola do CEU. Segundo ela, o centro é uma importante opção de lazer e cultura para os jovens da comunidade. Licitado ainda na gestão Gilberto Kassab (PSD), o CEU Heliópolis aproveitou a estrutura de um polo educacional da favela já existente e custou R$ 29 milhões.

Cronologia CEUs

Os moradores da região elogiam o novo equipamento, mas dizem que a programação de oficinas ainda precisa aumentar. “Tem bem menos atividades do que no CEU Meninos (na mesma região)”, diz o estudante Pedro Batagliotti, de 14 anos.

Durante a visita da reportagem, dois grupos jogavam futebol nas quadras – um deles para a aula de Educação Física. Algumas crianças brincavam no playground, acompanhadas dos pais, e outros jovens entraram no local para aproveitar a rede gratuita de Wi-Fi.

A Prefeitura informa que, em julho, um analista de esportes passou a dar aulas regulares no equipamento e já foi elaborado um projeto de lei para contratar mais profissionais de educação física e também para a biblioteca, que é maior do que nos outros CEUs. Além disso, foram contratados quatro bibliotecários em caráter emergencial. A gestão acrescenta que a catalogação dos livros já está finalizada e que a biblioteca já está em “pleno funcionamento”. Porém, a reportagem entrou em contato com o CEU e foi informada de que o serviço não está em operação. Disse também que oferece recurso mensal para a contratação de oficinas, em áreas como Teatro, Dança e Artes Visuais.

Atividades diversificadas

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À espera. Enquanto em Heliópolis a comunidade já frequenta o “puxadinho” de Haddad, a maioria dos moradores da Vila Medeiros, zona norte da capital, nem sabe que uma megaescola é prevista para a região. O terreno onde deverá ser erguida a unidade atualmente serve, na maior parte, de estacionamento para caminhões que passam pelo Terminal de Cargas Fernão Dias.

“Nunca ouvi falar dessa proposta”, conta o motorista Marcos Dantas, de 28 anos, que levava o filho Gabriel, de 7, para soltar pipa em uma praça perto do local. “Aqui faltam mais lugares para o pessoal jogar bola, se divertir”, diz ele, morador do bairro. Na tarde da visita da reportagem, nesta quinta-feira, dia 31 de julho, dezenas de crianças e adolescentes também soltavam pipa no local. Como muitos também ficam na beira de uma avenida, segundo moradores, há riscos de acidentes. A obra do CEU Vila Medeiros, segundo o portal de acompanhamento de metas da Prefeitura, ainda não entrou na fase de licenciamento.

Casa lotada. Geralmente na periferia, carente de equipamentos públicos, os CEUs são pontos de encontro locais. Um exemplo é o CEU Jambeiro, em Guaianases, zona leste, o primeiro inaugurado na capital, em 2003. “Nos fins de semana, fica sempre cheio”, conta Mayra Gabriela Silva, de 14 anos. “Os meninos gostam de vir para jogar bola. Eu faço aulas de Música e Dança e vou muito à biblioteca. Às vezes também uso a piscina.”

Além de reunir moradores do entorno, os CEUs atraem público de outros bairros da zona leste e até da Grande São Paulo. “Tira a criança da rua para cultura e esporte. São comunidades pobres, que não conseguem isso de graça em outro lugar”, diz Otacílio Freitas, de 43 anos, após coordenar uma treino de futebol no campo do CEU Jambeiro.

Morador da região, Freitas testemunhou a transformação do bairro com a chegada do centro e lamenta o freio na expansão da rede pela cidade. “É uma falta de atenção muito grande deixar projetos desses dentro da gaveta”, afirma.

Além de educação, cultura e esporte, os CEUs também alavancam a urbanização das áreas onde são instalados. “Tem um efeito multiplicador de atrair investimentos públicos e privados”, diz Daniel Cara, cientista político e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Cara considera que a atual gestão investiu em políticas corretas, como de mobilidade e na negociação do Plano Diretor, mas falha em direitos sociais, como a educação. “O impacto dessa dificuldade de conciliar as ações é muito alto na periferia”, afirma.

Apesar da baixa entrega de novas unidades, Haddad cumpriu uma das promessas em relação aos CEUs. Uma das metas da gestão era criar polos de educação a distância em 31 dos centros – já foram feitos 32, com oferta de licenciaturas, bacharelados e especializações. De acordo com a Prefeitura, foram cerca de 8,6 mil vagas ofertadas em 2014 e quase 5,1 mil alunos matriculados neste ano.

Capítulo 2

Fila das creches de São Paulo cresce e tem 124 mil crianças

Yasmin, de 3 anos, vive pedindo uma mochila escolar. Adriana Liberato, a mãe, diz que a bolsa até dá para comprar, mas a vaga na creche ainda é um sonho distante. A criança é uma das 124,7 mil na fila de espera da creche na cidade de São Paulo, segundo dados de junho. Durante a eleição de 2012, ano em que Yasmin nasceu, o prefeito Fernando Haddad (PT) prometeu acabar com o déficit de vagas, de 94 mil na época. O balanço mais recente da gestão, porém, indica que o déficit de vagas cresceu e a fila não está zerada em nenhum distrito da capital.

O problema é mais grave em bairros da zona sul, como o Jardim Ângela, onde mora Yasmin, com cerca de 7,8 mil crianças na espera. Outros em quadro crítico, na mesma região, são o Grajaú (8.018) e o Capão Redondo (6.639). Nesses bairros, a falta de creche faz mães recusarem empregos. A alternativa é deixar os filhos com parentes e cuidadores – muitas vezes em troca de uma parte dos salários dessas mulheres, geralmente baixos.

Adriana Liberato ainda espera por vaga na creche para a filha Yasmin, de 3 anos. Rafael Arbex/Estadão

Dos R$ 1,1 mil que Adriana Liberato, de 32 anos, ganha como faxineira, R$ 200 são repassados à mãe, para que ela cuide de Yasmin. “Já recusei emprego em um restaurante por causa disso”, diz. “Pedi para a minha mãe ajudar quando já não tinha mais jeito”, diz Adriana, que cria os dois filhos sozinha. A casa da avó ainda abriga a sobrinha da faxineira, Sabrina, de 1 ano, também na estatística da fila da creche desde os primeiros meses de vida.

Embora goste da companhia da prima, Yasmin quer a chance de conviver com mais crianças. “Quero ir na escolinha pra brincar”, diz a menina, entre uma cambalhota no chão e uma escalada na cadeira.

Adriana diz acreditar que, dentro de casa, a filha não consegue liberar toda a energia. “Minha mãe já está mais velha e sofre porque a Yasmin é danada”, conta.

Na Justiça. Vizinha de Adriana, a agente social Marcela Campos, de 34 anos, já pode comprar a mochila e a lancheira pedidas pelo filho Jhames, de 4 anos. A confirmação de que o menino conseguiu a vaga na pré-escola só veio em julho – um telefonema esperado por mais de três anos. “Mal acreditei que era verdade”, diz Marcela. A vaga só foi possível após Marcela entrar na Justiça, por meio de ação proposta pela Defensoria Pública. Até agora, 15.534 crianças garantiram a matrícula neste ano por determinação judicial – 8.242 na creche e 7.292 na pré-escola.

Após mais de três anos de espera, somente agora o filho de Marcela Campos, Jhames, conseguiu uma vaga na pré-escola. Rafael Arbex/Estadão

Como passou da idade de frequentar a creche, Jhames vai para a pré-escola, em que a demanda é bem menor. Até agora, a criança ficava durante o dia com a avó, que recebia R$ 150 por mês para cuidar do neto. O pai também não pode cuidar da criança porque trabalha o dia inteiro, de segurança. A principal preocupação de Marcela era com o desenvolvimento do menino. “Meu filho do meio frequentou a creche e teve muito mais facilidade quando entrou no 1.º ano (do ensino fundamental)”, afirma.

Fila sem fim. No plano de metas da gestão Haddad, constava a promessa de criar 150 mil vagas na educação infantil até o fim de 2016. A Justiça obrigou a Prefeitura a garantir todas essas matrículas neste mandato, em resposta a uma ação movida pelo Ministério Público Estadual (MPE), Defensoria Pública e entidades sociais. Segundo o balanço mais recente da Prefeitura, 44,5 mil vagas foram criadas. Em caso de descumprimento da decisão, multas, bloqueio de verbas de algumas áreas da Prefeitura e até ações de improbidade administrativa contra Haddad são possíveis punições.

Déficit crescente

FONTE: Secretaria Municipal de Educação - junho de 2015

Salomão Ximenes, membro da ONG Ação Educativa, diz que a Prefeitura acertou na opção inicial de expandir a oferta em creches pela rede própria, e não por unidades conveniadas, como aconteceu na gestão anterior. Haddad, porém, falha, segundo ele, no planejamento, uma vez que não tem conseguido atingir os objetivos previstos. “O plano (de metas para a educação infantil) foi lançado sem uma análise mais aprofundada de terrenos e recursos disponíveis para construir creches”, diz ele, que também é professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC).

“Esperamos que na próxima disputa eleitoral, no ano que vem, os candidatos apresentem planos mais próximos da realidade”, afirma Ximenes, que também participa do grupo de entidades que acompanha o processo contra a Prefeitura por vagas em creches. Ele ainda diz acreditar que a negociação de creches com empresas, defendida pela Prefeitura nos últimos meses, deve ser detalhada. “Faltam mais transparência e debate público sobre essa proposta.”

Prefeitura alega ter criado 45 mil vagas

A Prefeitura diz que criou, desde o começo da gestão, 45.978 vagas na educação infantil – 40.047 em creches e 5.931 na pré-escola. Das vagas criadas em creche, 95,8% foram na rede conveniada. Das 243 creches previstas até o ano que vem, 34 foram entregues – a maioria no primeiro ano de mandato. Desde janeiro, só cinco creches foram concluídas. Ainda há 37 unidades em obras, nove sendo licitadas e com áreas liberadas, 78 licitadas à espera de desapropriações, 34 prontas e outras 51 com áreas viáveis para desapropriação.

Um dos principais obstáculos para construir as creches, segundo a Prefeitura, é a desapropriação de terrenos. Em 2013, quando a Justiça barrou o aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Haddad disse que as verbas para novas creches ficariam comprometidas. Só em novembro do ano passado, o prefeito conseguiu autorização para reajustar o imposto em até 29,4%.

A gestão Haddad sustenta que, até 2016, vai entregar as 243 creches prometidas e criar pelo menos 100 mil vagas nos equipamentos. Em abril, porém, o secretário municipal de Educação, Gabriel Chalita, admitiu que a gestão só deverá entregar cerca de cem unidades. A Prefeitura ainda informa que, para reduzir o déficit, vai intensificar os convênios.

Outra aposta de Haddad para criar vagas é a parceria com empresas. Segundo a Prefeitura, há negociações em andamento com empresas para doar 16 creches ou terrenos. Pelo modelo, a gestão das unidades é feita pela Prefeitura, por meio de convênios. Não são previstas contrapartidas do Município aos empresários. A ideia é que eles explorem a iniciativa como uma ação de responsabilidade social.

A gestão afirma ainda que a média histórica de elevação da demanda por vagas é de 7% ao ano, o que faz com que o aumento da fila seja maior do que o aumento de matrículas.

Das 65 unidades de pré-escola até o ano que vem, acrescenta a Prefeitura, 26 já foram terminadas. Ainda há 12 escolas em obras e outras 27 licitadas. Também está em construção um novo modelo de unidade, que une creche e pré-escola.

Capítulo 3

Gestão aumenta ciclos de repetência na rede municipal

A chance de que Juan José, de 8 anos, seja reprovado não assusta a mãe, Luciana Silva, de 38. Não que ele já tenha aprendido toda a lição, mas, para a dona de casa, a possibilidade de repetência aumenta o esforço em classe. Essa é a visão mais comum entre pais ouvidos pela reportagem sobre a mudança na rede municipal iniciada em 2014, que elevou de dois para cinco o número de séries em que é possível repetir. A medida, em geral bem aceita entre professores da rede, é bastante criticada por especialistas.

“Meu filho mais velho, que também estudou na rede municipal, demorou até a 5.ª série para aprender a ler direito. Passava de ano sem saber”, diz Luciana. Com Juan, o caçula, ela diz acreditar que a cobrança da escola já tem sido maior. “Se ele não aprender, fará o ano outra vez para conseguir”, afirma. O menino está no 3.º ano do ensino fundamental de uma escola no bairro do Sumaré, zona oeste da capital.

Luciana Silva acha que o medo da reprovação faz com que seu filho, Juan José, se dedique mais aos estudos. Sergio Castro/Estadão

Antes, os alunos só repetiam no 5.º e no 9.º anos do fundamental. Desde o ano passado, com a reforma batizada de Mais Educação, a regra vale para os 3.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º anos. Isso já trouxe reflexos nos índices de retenção da rede. No fundamental, a proporção de reprovados subiu de 2,2% para 5,4% entre 2013 e 2014. Outras mudanças foram a obrigatoriedade do boletim, das provas bimestrais e da lição de casa. A divisão do ensino fundamental deixou também de ser de dois ciclos (do 1.º ao 5.º ano e do 6.º ao 9.º) para três (1.º ao 3.º ano, 4.º ao 6.º e 7.º ao 9.º).

Cobrança. A chance de repetência também é usada, segundo os alunos, como instrumento de pressão dos professores, por conteúdo e disciplina. “Reprovação é o que eles mais falam em sala de aula”, diz Adryelle Barros, de 14 anos, que está no 9.º ano do fundamental de uma escola na Casa Verde, na zona norte.

Já a dona de casa Fabiana Santos, de 30 anos, é contra a repetência na primeira metade do ensino fundamental, por acreditar que os alunos são muito novos. Ela, porém, é favorável a outras mudanças feitas pela gestão, como a obrigatoriedade do boletim. “Ajuda a acompanhar o processo. Dá para ver em que matéria ele não está indo bem”, afirma ela, que tem um filho matriculado no 3.º ano do fundamental da mesma escola, na Casa Verde. O novo modelo também retomou as notas de 0 a 10 na rede para alunos dos dois últimos ciclos, em substituição aos conceitos, usados até 2013.

Para a professora de História Dirce Tilelli, que dá aulas na rede, o novo formato trouxe melhoras, mas efeitos da mudança ainda serão notados nos próximos anos. “Dá uma sacudida em parte dos alunos”, diz. “Tem de usar um pouco da pressão (da repetência e do boletim), mas sem exageros.” O envio de boletins, com notas de 0 a 10, ajuda as famílias a compreender melhor a trajetória escolar dos filhos, segundo Dirce.

Mudanças na rede municipal de ensino

Fonte: Programa Mais Educação

Apesar de aumentar as chances de reprovação, professores ouvidos pela reportagem dizem que houve orientações para não reprovar número grande de estudantes no fim do ano passado. “Quando o governo percebeu a explosão de notas vermelhas, houve pressão para promover os alunos”, diz João Alberto Souza, do Sindicato dos Especialistas em Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp).

Para a consultora em Educação Ilona Becskeházy, a decisão de aumentar as chances de reter estudantes é um atraso e contraria experiências internacionais bem sucedidas. “Essa cultura é arraigada no País, mas a reprovação está ligada a dois aspectos. Um deles é o abandono da escola por desmotivação. O outro problema é que os alunos reprovados são sempre os mesmos, aqueles mais vulneráveis.”

Transição. A Secretaria Municipal da Educação informa que o novo programa prevê possibilidades de acompanhamento pedagógico e alternativas didáticas antes de recorrer à reprovação. Além de reforço no contraturno, existem núcleos de acompanhamento dos alunos. A pasta diz ainda que valoriza a autonomia das escolas.

Rede paulistana

Fonte: Secretaria Municipal de Educação

Sobre as queixas de orientações para não reprovar grande número de alunos, a secretaria afirma que o processo de avaliação formativa “exige a escolha de múltiplos instrumentos de avaliação”. Não se trata, destaca a secretaria, de uma preocupação quantitativa, mas qualitativa de garantir direitos de aprendizagem e permanência.

A reforma no sistema, segundo a secretaria, gerou “movimentação intensa” desde 2013, com engajamento e formação dos profissionais da rede. Destaca, entre outras iniciativas do Mais Educação, o sucesso dos trabalhos de conclusão de curso no fundamental, também elogiado por docentes ouvidos pela reportagem.

Entrevista

Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da USP

‘Aumentar chances de reprovação é retrocesso’

Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP, é contra o aumento das chances de reprovação. Divulgação

Estado: A Prefeitura acertou em aumentar as chances de reprovação na rede?
Ocimar Alavarse: Foi um retrocesso. Em geral, a repetência não tem os efeitos positivos que o senso comum e os próprios professores presumem. A reprovação não se mostrou como a melhor medida pedagógica em outras oportunidades. Quando uma criança de 8 anos, ao repetir, precisa ficar com seus colegas de 7, essa diferença etária não é desprezível. Outro elemento é que o menino que repete é tratado como se estivesse começando aquela etapa pela primeira vez. E não é verdade: o aluno reprovado tem baixo aproveitamento, mas não é zero. Geralmente não há a diferenciação pedagógica que o aluno merece. E também, quando se reprova, contribui para que os alunos abandonem a escola depois. O gestor precisa comprar a briga com os professores que acreditam na reprovação, mas acho que a Secretaria Municipal da Educação fez uma concessão demagógica a eles. Agora, a gestão está preocupada porque os dados de 2014 já mostram alta nas taxas de reprovação. Isso ainda vai impactar depois o Ideb (indicador de qualidade de ensino do governo federal, cuja nota considera a taxa de alunos atrasados).

Estado: Outras mudanças foram a volta do boletim obrigatório, com a nota de 0 a 10, em substituição aos conceitos. Esse formato melhora o acompanhamento pelas famílias e pelos professores?
Alavarse: É um mito de que o boletim com notas ajuda no acompanhamento das famílias. Existe um risco de se transformar a nota em uma escala de medidas. É preciso qualificar, do ponto de vista pedagógico. Para a nota funcionar, precisa vir acompanhada de uma explicação. Se dou nota 9 a um aluno em Matemática, preciso dizer o que faltou para o 10. É necessário mostrar quais elementos ou operações ele ainda não domina.

Estado: A divisão do ensino fundamental em três ciclos, no lugar de dois, foi interessante?
Alavarse: Foi, mas não abalou de fato a estrutura seriada. É positivo ao fazer essa sinalização, mas não avançou nas condições de acompanhamento. Ao definir o ciclo, é como se o ano letivo durasse três, mas para isso ser verdade é necessário mudar o tratamento da escola. Ainda há baixa articulação de acompanhamento. O ideal é que um grupo de professores acompanhasse os mesmos alunos por três anos, diferenciando cada um deles. Só que as escolas não têm condições para fazer esse trabalho. Algumas ideias, como as de trabalhos de conclusão de curso ao fim do último ciclo, são interessantes. O problema é tornar isso obrigatório para todos.

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