Felipe Resk Textos
Bruno Ribeiro Textos
Clayton Souza Fotos
Homens, negros e pobres mortos na periferia são a maioria das vítimas deixadas de fora da conta oficial
A análise dos casos de assassinato relatados como “morte suspeita” na capital paulista mostra que a maioria das vítimas tem um perfil relacionado à fragilidade social. Em geral, o morto é um homem negro ou pardo, de baixa renda, na faixa entre 30 e 40 anos, muitos deles moradores de rua.
No total, 21 das 24 vítimas eram homens e 2 mulheres. Um dos corpos, desconhecido e carbonizado, achado em um córrego, não teve o sexo registrado no boletim de ocorrência. Há 7 boletins que não identificam as vítimas, registradas como “desconhecido”.
Quase metade dessas ocorrências é da zona leste de São Paulo, que registrou 12 casos. Em seguida, vem o centro da cidade, com seis. A zona sul teve duas ocorrências. A zona oeste, só uma, na Barra Funda. E a zona norte fez três dos registros.
De acordo com as informações dos boletins de ocorrência, nove vítimas eram brancas, 14 eram negras ou pardas e uma não teve a cor de pele relatada. Quatro vítimas eram moradores de rua, segundo os informes da polícia. Dois registros descrevem os mortos como usuários de drogas. Dois dos casos são de pessoas que morreram, segundo os registros, após praticarem assaltos.
Os históricos relatam que os mortos foram vítimas de agressão ou descrevem ferimentos causados por terceiros. Dois dos registros levantam hipótese de suicídio. Um é de um jovem supostamente envolvido em um assalto, que poderia ter atirado em si mesmo. Familiares do rapaz negam a versão. Dizem suspeitar que ele possa ter sido assassinado por policiais. O próprio boletim de ocorrência traz relato de um colega da vítima, que não descarta que o tiro tenha sido dado por um terceiro. O outro é de um dependente químico que poderia ter se enforcado deitado, dentro de uma Kombi. O irmão da vítima disse que ele havia arrumado briga com vizinhos e a porta do veículo apresentava amassados - que teriam sido causados por quem fez força para enforcá-lo. A Justiça trata o caso como homicídio.
Há quatro boletins que dizem que a vítima foi baleada. Em três, há informação de que a vítima tinha sido ferida por faca ou arma branca. Um dá notícia de que a vítima sofreu linchamento. Em outro, a morte suspeita é de um corpo encontrado carbonizado em um córrego, que também seria depósito de lixo clandestino, na zona sul. 16 boletins citam ainda pedradas, pauladas ou espancamento. Todos os 21 boletins têm, em seus textos, descrição de agressões sofridas pelas vítimas antes de morrer.
Severino Manoel Santana foi agredido por um conhecido, ex-marido de sua companheira, durante uma briga de rua. Ele levou um golpe com um balde e travou uma luta corporal com o adversário. Sobrinha da vítima, a atendente Daniela dos Santos Carmo, de 21 anos, conta que o desentendimento começou depois de “fofocas” envolvendo os dois homens e a mulher.
Santana morreu depois de chegar em casa, sangrando, e se sentir mal. Foi levado para o hospital, mas não resistiu. A sobrinha diz acreditar que o caso se tratou de um “homicídio culposo”, quando não há intenção de matar. “Ele (o autor do golpe) chegou a ir na delegacia depois, e prestou depoimento, mas não ficou preso. Depois, nós perdemos contato com ele, não sei onde está”, diz a jovem.
O boletim de ocorrência do caso, de natureza “morte suspeita”, informa que a Polícia Militar foi chamada para atuar em um caso de briga, ou “desinteligência” no jargão dos documentos desse tipo. Quando os policiais chegaram, Santana já havia sido levado para o pronto-socorro do Hospital São Mateus.
“O vizinho jogou um balde plástico vazio (em Santana) e ambos entraram em luta corporal. A vítima retornou para casa, teve início de hemorragia na região da cabeça, teve um mal súbito e houve socorro por parte dos familiares até o hospital São Mateus”, descreve o boletim de ocorrência.
A sobrinha ressalta que o tio tinha problemas de saúde e era diabético. Por isso, sustenta que o agressor não queria matá-lo, mas acabou ocasionando sua morte.
O boletim de ocorrência diz ainda que Santana deu entrada no hospital com quadro de parada cardiorrespiratória, “dada a causa possível do óbito edema agudo de pulmão”. O boletim de ocorrência do caso, 321/2015, do 49.º Distrito Policial (São Mateus) registrou o caso como “morte suspeita”.
O inquérito policial para apurar a morte de Santana foi aberto exatamente um ano após a data de sua morte, após contato do Estado com a Polícia Civil. A natureza da ocorrência foi alterada para “morte decorrente de infarto”.
Segundo Marcos Carneiro Lima, ex-delegado-geral da Polícia Civil, casos em que uma pessoa é vitima de agressão que desencadeia problema de saúde e leva à morte devem ser tratados como homicídio.
Tentativa e morte
Vítima
Adelmir Moreira, 43 anos
Local
Rua Flor do Rio, 15, Jardim Paulistano, zona norte
Data
8 de janeiro de 2015
B.O.
233/2015 - 13º DP (Casa Verde)
Uma festa de réveillon no Jardim Paulistano, bairro no extremo da zona norte de São Paulo, terminou em briga de família, disparo de arma de fogo e um homem de 43 anos com traumatismo craniano após cair de uma altura de seis metros. A vítima, o pedreiro Adelmir Moreira, morreu em 5 de janeiro, cinco dias depois.
O caso foi registrado no 72.º Distrito Policial (Vila Penteado) como lesão corporal e homicídio simples tentado, quando a vítima ainda estava internada no Hospital da Vila Penteado. O segundo registro, para comunicar o óbito, foi feito depois, no 13.º DP (Casa Verde). Dessa vez, com natureza de morte suspeita.
Aos policiais do 72.º DP, um amigo de Moreira afirmou que estava na festa, em uma casa de dois andares, localizada na Rua Flor do Rio, uma viela no meio da favela, e se envolveu em uma discussão com o cunhado da vítima. Segundo relata, esse amigo foi agredido com chutes e socos e resolveu deixar o local.
Outra testemunha disse que o suspeito também foi embora por volta das 2 horas, mas voltou para a festa, procurando pelo amigo de Moreira. Ao perceber que o cunhado estava armado, o pedreiro tentou interceder. Houve discussão e o homem efetuou um disparo na direção da vítima.
Para se proteger do tiro, Moreira teria pulado de uma sacada, batido a cabeça no chão e perdido massa encefálica. “Consta como causa provável do óbito: ‘morte encefálica por T.C.E. (traumatismo crânio encefálico) grave”, diz o boletim de ocorrência do 13.º DP. O Estado foi ao local do crime, mas a família não quis comentar o caso.
“Em casos em que eu tenho um antecedente dizendo que foi vítima de tentativa de homicídio e depois o hospital comunica que ela faleceu, precisa fazer um B.O. digital que a tentativa veio a se concretizar como homicídio”, afirma o ex-delegado-geral Marcos Carneiro Lima.
A Secretaria da Segurança Pública informou que o caso foi reclassificado como “homicídio” e que o inquérito policial foi aberto um dia após a data da ocorrência. O caso passou a ser investigado pelo 74.º DP (Parada de Taipas), responsável pela área do crime. O Estado não contabilizou o caso no levantamento.
Lincharam o suspeito
Vítima
Paulo José da Silva, 54 anos
Local
Desconhecido. Registrado no Hospital Estadual de Sapopemba: Rua Manuel Franca dos Santos, 174, Sapopemba, zona leste
Data
14 de janeiro de 2015
B.O.
397/2015 - 69º DP (Teotônio Vilela)
O eletricista Paulo José da Silva, de 54 anos, foi vítima de linchamento em uma rua da Fazenda da Juta, periferia na zona leste de São Paulo, em janeiro do ano passado. Segundo relato de familiares, ele foi acusado de abusar de uma criança na região - e acabou julgado e sentenciado por moradores.
Na noite do dia 13 de janeiro, a família recebeu um telefonema avisando que Silva estava internado no Hospital Estadual de Sapopemba, também na zona leste. Quando os parentes chegarem na unidade de saúde, contudo, o eletricista já havia morrido. “Bateram nele até matar. Ele morreu disso”, afirma um familiar, que pediu para não ser identificado. “Ninguém sabe quem foi porque, no fim das contas, foi todo mundo.”
Silva era permanbucano, estudou até o primeiro grau e morava só em uma casa aos fundos da Travessa Francesco Vallara. Familiares o definem como um homem reservado e que “não fazia mal a ninguém” - mas estranhavam o fato de ele estar quase sempre na companhia de crianças, para quem distribuía doces e trocados. Segundo dizem, o eletricista chegou a ficar dois anos preso por ter morado com uma jovem menor de idade.
O boletim de ocorrência foi registrado no 69.º Distrito Policial (Teotônio Vilela) na madrugada do dia 14. De acordo com o histórico, Silva foi “hospitalizado em decorrência de ferimentos que sofreu, segundo seus parentes, em uma briga em local desconhecido”.
O documento serviu para o corpo ser removido do hospital, mas familiares afirmam que nunca foram procurados pela polícia. “A gente entrega na mão de Deus. O que está feito, está feito: a vida dele não volta mais.”
O inquérito policial do caso foi aberto dois meses após a morte do eletricista, ainda com o registro de “suspeita”. A Polícia Civil informa ter dúvidas se o caso se trata de uma “lesão corporal seguida de morte” ou se a vítima sofreu “infarto”. O caso foi encaminhado para a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa. O inquérito do caso na Justiça tramita como homicídio.
Enforcado na Kombi
Vítima
Lucas Valadão Coelho, 32 anos
Local
Rua Inácio Sinkus Filho, Itaim Paulista, zona leste
Data
18 de janeiro de 2015
B.O.
753/2015 - 50º DP (Itaim Paulista)
Encontrado deitado, dentro de uma Kombi sem placas, sem motor nem bancos e com queixa de furto descoberta a partir de pesquisa pelo chassis, o corpo do mecânico Lucas Valadão Coelho, de 32 anos, foi visto por seus familiares antes mesmo da chegada da polícia. “Estava na casa da minha mãe quando nos procuraram e falaram que ele estava morto. Fomos ver. Ele estava com uma corda enrolada no pescoço, mas já tinham tirado a corda quando a gente chegou, feito a maior muvuca ao lado do corpo”, diz o irmão da vítima, o analista de sistemas Thiago Valadão Coelho, de 34 anos, descrevendo a adulteração da cena do local de encontro do corpo. “Não preservaram nada.”
O boletim de ocorrência 753/2015, do 50.º Distrito Policial (Itaim Paulista), registra o caso como “morte suspeita”: “Não obstante de se tratar de morte violenta, o fato restou capitulado como morte suspeita (...) por haver dúvidas se a causa teria sido ação criminosa ou suicídio”, diz o texto. “A autoridade (delegado que registrou o caso) constatou no local uma corda amarrada no veículo com um laço na ponta, que poderia ter sido utilizada tanto para o suicídio como instrumento de homicídio”, termina o registro.
“Eu já falei que foi assassinato. Ele era usuário (de drogas), já tínhamos tido um monte de problemas com ele”, diz o irmão, ao responder se, conforme informa o boletim de ocorrência, havia suspeita de suicídio. “Acharam ele deitado. Era como se alguém tivesse puxado ele”, conta o irmão. Thiago relata ainda que chegou a ser chamado, dois meses depois da morte, à delegacia de polícia. Mas revela descrédito diante do trabalho policial. “Queriam que eu levasse cópia do atestado de óbito. Não fui. Achei que ia adiantar nada”, disse.
O inquérito do caso, que foi reclassificado pela polícia como “suicídio”, está aberto desde janeiro do ano passado, sem conclusão. Esse caso tramita no Tribunal de Justiça como homicídio, na Vara do Júri.
Agredida pela vizinha
Vítima
Thuany Tainá de Sousa Monteiro, 19 anos
Local
Desconhecido. Registrado no Hospital Planalto: Rua Augusto Carlos Bauman, 1074, Itaquera, zona leste
Data
23 de janeiro de 2015
B.O.
780/15 - 63º DP (Vila Jacuí)
Em uma noite de quinta-feira, Thuany Tainá Monteiro, de 19 anos, terminou de jantar e sentou no terraço para ouvir música e tirar selfies com um primo mais novo. Pouco depois, avisou à avó, a cozinheira Alieti da Silva, de 64 anos, que ia passar na casa de uma amiga, na vizinhança de Cidade A. E. Carvalho, zona leste, para receber uma roupa que havia emprestado. Seria a última vez que a família a veria com vida.
Familiares relatam que Thuany Tainá foi pega de surpresa no caminho de volta para casa e agredida por uma vizinha, com quem havia se desentendido outras vezes. “Ela catou Tainá assim, pegou pelos cabelos e tacou no chão - que a cara dela ficou roxa”, afirma Alieti, enquanto simula com os braços uma imobilização por trás. “Só que ela bateu com alguma coisa que a gente não sabe o que foi. Bem aqui, no meio da cabeça dela, estava fundo”, diz a avó, apontando para a própria nuca. Nas mãos da jovem, também ficaram marcas de unha.
Testemunhas disseram à família que a agressora ainda chutou a jovem duas vezes quando ela estava caída no chão. Segundo relatam, a mulher sentia ciúmes porque Thuany Tainá costumava jogar em máquinas caça-níquel no mesmo lugar que o marido dela. Depois do crime, a suposta agressora sumiu do bairro.
A vítima foi socorrida às pressas por moradores e deu entrada no Hospital Planalto, também na zona leste, já sem vida à 1h10 da sexta-feira, 23 de janeiro. O caso foi registrado como morte suspeita no 63.º Distrito Policial (Vila Jacuí), delegacia de plantão, onde a avó e uma prima de Thuany Tainá contaram aos policiais o que sabiam. “Eles não quiseram nem vir aqui para ver se a mulher estava escondida em algum lugar. Só imprimiram o boletim de ocorrência para a gente levar no hospital e liberar o corpo”, conta a prima.
A Polícia Civil abriu inquérito no mesmo dia do registro da morte, e primeiro informou ter alterado a natureza da ocorrência de “morte suspeita” para “lesão corporal seguida de morte”. O inquérito, que foi transferido para o 64.º DP (Cidade AE Carvalho), continua aberto. Ao ser questionado sobre o entendimento da Justiça para a ocorrência, que trata o caso como homicídio e o mantém o processo na Vara do Júri, o governo reconheceu que crime é homicídio.
Perseguição na zona leste
Vítima
Cleiton Gonçalves da Silva, 27 anos
Local
Rua Costa Barros, Parque São Lucas, zona leste
Data
24 de janeiro de 2015
B.O.
496/2015 - 56º DP (Vila Alpina)
Às 22 horas do dia 24 de janeiro, Cleiton Gonçalves da Silva, de 27 anos, foi abordado por uma viatura do 19.° Batalhão da Polícia Militar por estar, de acordo com o boletim de ocorrência 496/2015, do 56.º Distrito Policial (Vila Alpina), em “atitude suspeita”. Mas ele foi liberado após averiguação da PM, diz o boletim.
No fim da mesma madrugada, ainda de acordo com o registro de “morte suspeita”, a vítima foi vista por um motorista de ônibus saindo de uma travessa da Avenida Costa Barros. Na hora, ele era perseguido por um Ford Fiesta ocupado por duas pessoas. Mais tarde, Silva foi encontrado caído na rua, quando foi pedido socorro médico. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) chegou e encontrou Silva morto.
“Apresentava lesão na cabeça e nariz e com pequeno vestígio de sangue no nariz”, descreve o boletim de ocorrência. Os policiais concluíram, na hora, que os ferimentos eram “provavelmente decorrentes de queda”, sem detalhar as circunstâncias do suposto acidente.
O boletim de ocorrência informa também que, paralelamente, na noite, um carro com a mesma descrição daquele que o perseguia foi apreendido depois de uma perseguição policial que se arrastou pela zona leste, envolvendo a jurisdição de três delegacias diferentes. O boletim diz que o veículo “pode ter relação com a morte suspeita”, mas o registro foi concluído sem explicitar se o caso se tratou ou não de homicídio.
O inquérito foi aberto cinco dias após o registro. A natureza do delito se manteve como “suspeita”, com a observação “decorrente de queda”, segundo informações da Secretaria de Estado da Segurança Pública.
Espancado no bar
Vítima
Pablo Armin Gemio Gutierrez, 29 anos
Local
Rua Costa Valente, altura do número 287, Brás, centro
Data
26 de janeiro de 2015
B.O.
666/2015 - 8º DP (Brás)
O comerciante Pablo Armin Gemio Gutierrez, boliviano de 29 anos, foi levado em estado grave ao Hospital do Servidor Público Municipal, na Liberdade, região central de São Paulo, com ferimento na base do crânio, hematomas na cabeça e quadro de parada cardiorespiratória. Era 25 de janeiro. A equipe médica tentou reanimá-lo por cerca de 30 minutos, sem sucesso.
Segundo o boletim de ocorrência, registrado no dia seguinte como morte suspeita no 8º Distrito Policial (Brás), a guia de encaminhamento de cadáver afirma que Gutierrez deu entrada no hospital socorrido em uma prancha e usando um colar cervical. Também de acordo com o documento, a guia do hospital “menciona” que o comerciante teria sofrido queda do mesmo nível.
O único declarante do BO é um primo da vítima, o comerciante Edwin Zabala, que contou aos policiais que Gutierrez havia sido agredido em um bar da Rua Costa Valente, no Brás, e que o autor do ataque morava na frente do local. “Todavia, como se denota, a guia de encaminhamento de cadáver não menciona se tratar de ocorrência policial”, assina o delegado no BO, que determina o encaminhamento do registro ao delegado titular “para que seja constatada a veracidade do relato prestado”.
Ao Estado, Zabala afirmou que o primo estava bebendo no primeiro andar do bar por volta das 13h30, quando encontrou uma mulher com quem já havia se relacionado acompanhada pelo atual namorado. Segundo conta, os três se desentenderam e o suspeito começou uma briga com Gutierrez. “Chegaram uns amigos, uns cinco ou seis, e vieram para cima dele (Gutierrez). Foram brigando, brigando. Empurraram ele da escada de uns três metros de altura e ele caiu até embaixo.”
Zabala afirma que foi registrar o BO acompanhado por outros três parentes da vítima. “A Polícia não fez nenhuma investigação”, disse. “Acho que é porque a gente nunca conseguiu um advogado por causa da economia da gente.” Segundo afirma, o agressor continua morando no mesmo lugar e é visto com frequência caminhando pela região.
Como ocorreu com outros casos desta reportagem, o inquérito policial para apurar a morte de Gutierrez só foi aberto depois de o Estado procurar a Secretaria da Segurança Pública, que abriu investigação em 25 de fevereiro. A natureza da ocorrência foi alterada para “lesão corporal seguida de morte”. A falta de inquérito fez o governo determinar que a Corregedoria passe a apurar a conduta dos policiais responsáveis pela investigação
Tiros no abdome
Vítima
Desconhecido
Local
Rua Moisés Alves dos Santos, 10, Itaim Paulista, zona leste
Data
31 de janeiro de 2015
B.O.
1254/2015 - 50º DP (Itaim Paulista)
O boletim de ocorrência número 1.254/2015, registrado pelo 50º Distrito Policial (Itaim Paulista), teve como declarante um funcionário do Hospital Santa Marcelina, da zona leste. Ele relata que um homem pardo, de cabelo “carapinha” e com 1,70 metro de altura, estava internado havia dois dias no centro médico, com “ferimentos causados por arma de fogo na região abdominal” e tinha morrido.
O registro, feito como “morte suspeita”, informou que seria feita a coleta de dados digitais da vítima para possível identificação. O boletim diz ainda que o homem havia sido levado ao hospital pelo Resgate do Corpo de Bombeiros, mas sem dar detalhes de como o socorro médico havia sido chamado para atender o paciente.
Por meio de uma planilha repassada pessoalmente pelo secretário de Estado da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, o governo informa que o inquérito policial sobre o caso foi aberto em 29 de janeiro - no dia da agressão, mas antes do óbito - como tentativa de homicídio. A secretaria afirma que contabilizou a ocorrência. O site da pasta, contudo, informa que o 50º DP divulgou dois casos de homicídio em janeiro de 2015. O Estado localizou nas planilhas obtidas por Lei de Acesso as duas ocorrências: uma no dia 7 e outra no dia 10.
Espancada por traficantes
Vítima
Gésica Terriano, 34 anos
Local
Desconhecido. Registrado no Hospital Cidade Tiradentes: Avenida dos Metalúrgicos, 1.797, Cidade Tiradentes, zona leste
Data
9 de fevereiro de 2015
B.O.
1828/2015 - 49º DP (São Mateus)
O laudo da morte de Gesica apresenta fratura e traumatismo craniano, segundo familiares. A família sustenta que ela foi espancada por traficantes após tentar comprar drogas com uma cédula de R$ 100 falsa. Dependente química e mãe de quatro filhos, de 4, 10, 12 e 17 anos, a vítima era constante fonte de problemas para os parentes.
Na manhã de 9 de fevereiro de 2015, a mãe de Gesica recebeu um telefonema. Eram pessoas dizendo que estavam com a moça. “Falaram que ela tinha dado uma nota falsa de R$ 100 para os traficantes. Eles queriam o dinheiro. Depois de conversar e minha mãe dizer que pagava, falaram: ‘Fica tranquila que a gente não vai fazer nada com ela’”, lembra a irmã da vítima, uma faxineira de 49 anos que, por medo, preferiu não ter o nome publicado.
O companheiro de Gesica chegou a ir à casa da família pra buscar o dinheiro, mas se desentendeu com outra irmã de Gesica e foi embora sem a quantia. À noite, telefonaram do Hospital Cidade Tiradentes. “Disseram que ela tinha dado entrada lá. Quando chegamos, o médico falou que ela tinha tido overdose”, lembra a irmã.
“A gente achou que ela tinha morrido de overdose. Mas no laudo tinha uma fratura no braço e traumatismo craniano. A filha dela e a minha filha viram o corpo. Elas falaram que tinha muita marca no pescoço também”, conta a irmã.
“Fizemos o registro na polícia. Depois, conhecidos dela, que moram aqui também, falaram para a gente o que aconteceu. Foram quatro caras que espancaram ela. Dois deles até já morreram de lá para cá. Um foi de overdose, outro mataram. Mas dois ainda estão vivos. A gente não sabe quem eles são, mas eles sabem quem nós somos. Eles estão soltos”, conta a irmã.
O inquérito policial do caso ainda está aberto, segundo a Secretaria da Segurança Pública. Foi instaurado um dia depois da morte de Gesica. O assassinato foi reclassificado como “lesão corporal seguida de morte” e permaneceu fora das estatísticas.
Baleado ao lado de moto
Vítima
Wendell Sanches Ferreira, 17 anos
Local
Rua Manoel de Souza Azevedo, Pirituba, zona oeste
Data
28 de fevereiro de 2015
B.O.
2039/2015 - 13º DP (Casa Verde)
Wendell Sanches Ferreira, de 17 anos, morreu no Hospital Geral Vila Nova Cachoeirinha, depois de ficar internado por 13 dias. Ele foi encontrado com um tiro no abdome ao lado de uma moto que havia sido roubada de um policial militar.
O boletim de ocorrência do roubo, registrado no 72º Distrito Policial (Vila Penteado), informa que o PM foi roubado e pediu ajuda à corporação. Depois, o rapaz e a moto foram achados pelos policiais que apresentaram a ocorrência.
Segundo o registro, o rapaz, ainda vivo, teria confessado participação no assalto e indicado aos policiais o paradeiro dos comparsas. “Narram os policiais militares que aparentemente Wendell foi mexer na arma que estava em sua cintura e acabou disparando em si mesmo”, diz o texto.
No próprio boletim, entretanto, outra versão para a morte é apresentada. Um dos conhecidos de Wendell, também indiciado, afirmou ter ouvido o disparo, “mas não visualizou se Wendell teria atirado em si mesmo ou se alguma outra pessoa tivesse disparado contra ele”.
O Estado conversou com um tio de Wendell, um sociólogo de 34 anos. Ele diz que a família está indignada com a insinuação de que o rapaz pudesse ter atirado em si mesmo. “A família não sabe como lidar com isso”, diz. Segundo ele, os familiares têm certeza de que o rapaz foi assassinado e que o caso não foi investigado. “Nunca deram um feedback para a gente depois que eu registrei o óbito”, afirma. “Para mim, o caso foi uma violação de direitos. Pensamos em procurar o Ministério Público, algum promotor, mas ainda estávamos pensando. A polícia sabe onde moramos”, afirmou.
O inquérito para investigar o caso foi aberto em agosto, seis meses depois do crime. A ocorrência foi reclassificada pela Polícia Civil como “roubo”, com a observação de “um dos autores do roubo morreu”.
Agredido por desconhecido
Vítima
Jesuíno de Almeida Silva, 34 anos
Local
Desconhecido. Registrado no Hospital Geral Jesus Teixeira da Costa: Avenida Miguel Achiole da Fonseca, 1092, Guaianases, zona leste
Data
5 de março de 2015
B.O.
1071/2015 - 44º DP (Guaianases)
O autônomo Jesuíno de Almeida Silva, de 34 anos, deu entrada no Hospital Geral Jesus Teixeira da Costa, em Guaianases, na zona leste da capital, onde morreu às 7h35 do dia 5 de março. Ao registrar o boletim de ocorrência, a irmã da vítima informou aos policiais que Silva “sofreu agressão de um desconhecido” e precisou ser socorrido por uma ambulância.
Silva era natural de Itagi, cidade do interior da Bahia, e morava em uma periferia da zona leste de São Paulo. Apesar da informação da declarante, o caso foi registrado como morte suspeita no 44º Distrito Policial (Guaianases).
O delegado justifica no documento que ela não soube informar o local onde o irmão fora agredido nem os dados do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) que o atendeu. A Polícia Civil também requisitou exame do Instituto Médico-Legal (IML).
A Secretaria de Estado da Segurança Pública informou que o caso já foi relatado à Justiça. Mas não informou se os agressores de Silva foram identificados e indiciados. O registro da morte foi alterado para “lesão corporal seguida de morte”, e permaneceu fora das estatísticas.
Espancado e esfaqueado
Vítima
Caio Augusto Vasconcellos de Tílio, 28 anos
Local
Avenida 9 de Junho, República, centro
Data
8 de março de 2015
B.O.
1336/2015 - 2º DP (Bom Retiro)
Uma moça reclamou de Caio Augusto Vasconcellos de Tilio, de 28 anos, para um grupo de amigos. Ele estava com a namorada em um bar no centro da cidade, um local “perigoso”, segundo conta a tia do rapaz. Os amigos da moça o espancaram e o atingiram com uma facada. Ele ficou três dias internado na Santa Casa de Misericórdia, em Santa Cecília, mas não resistiu.
A tia de Tílio, uma professora de 48 anos, relata revolta diante do caso. O jovem vivia na casa dela e a tinha como única parente. “Eu cansei de ir na delegacia, até começar a ser maltratada. A escrivã, que eu acabei conhecendo, falava que ‘não adiantava’ e que ‘não iam investigar’ o caso, exceto se eu trouxesse o endereço da testemunha”, diz a tia, referindo-se à moça que deu origem à discussão. “Cheguei a pensar em ir no bar, procurar as pessoas, mas uns amigos que eu tenho falaram para eu não fazer isso, porque não sabia onde estava me metendo”, conta a tia. “Então, nem cheguei perto.”
Tílio havia perdido uma namorada também em uma briga de bar, ocorrida dentro da Galeria do Rock, em 2013. A jovem havia recebido um golpe de canivete no pescoço dado pelo namorado de uma outra menina com quem ela havia se desentendido. “Esse cara foi preso na hora, e pelo que sei está preso até hoje.”
Esse caso foi reclassificado pela Polícia Civil como “homicídio” e incluído nas estatísticas, embora esteja fora das planilhas repassadas pelo governo por Lei de Acesso à Informação. O inquérito ainda não foi concluído. O Estado não contabilizou o caso no levantamento.
Invasor linchado
Vítima
Desconhecido, aproximadamente 35 anos
Local
Rua Abílio César, Capão Redondo, zona sul
Data
21 de março de 2015
B.O.
2832/15 - 47º DP (Capão Redondo)
Era noite de sexta-feira, quando um homem desconhecido de aproximadamente 35 anos pulou o muro de uma casa e começou a bater na porta de uma jovem de 19 anos pedindo para entrar. Ao ouvir os gritos de socorro da mulher, um grupo de pessoas arrombou o portão, conteve o suspeito e passou agredi-lo na Rua Abílio César, no Capão Redondo, periferia no extremo da zona sul de São Paulo.
O caso aconteceu por volta das 21h30 do dia 20 de março. Segundo o boletim de ocorrência, o linchamento só acabou porque a chegada de policiais militares dispersou o grupo. Na delegacia, os PMs afirmaram que o homem estava “visivelmente alterado”, não obedecia a ordens e que foi necessário “amarrá-lo” para o conter. Depois, o rapaz foi encaminhado com sangramentos ao Hospital do M’Boi Mirim, onde morreu.
O caso foi registrado como morte suspeita no 47.º Distrito Policial (Capão Redondo), mas foi aberto o inquérito 505/2015 para apurar o ocorrido. Segundo informações da Polícia Civil, o rapaz tentava se esconder na casa da mulher, que é auxiliar escolar, após ter participado de um assalto a um motel da região. Com ele, foram apreendidos 32 gramas de cocaína, 26 de crack e quatro de maconha, que estavam escondidos na cueca - mas nenhum documento foi encontrado.
Aos policiais, a auxiliar escolar afirmou ter visto o homem pular o muro da casa e por isso começou a gritar. No relato, ela confirma que ele foi agredido por populares. O Estado esteve no local do crime, mas não localizou nenhuma testemunha disposta a falar sobre o caso. Na casa invadida, a reportagem foi informada que a jovem não mora mais lá.
A Secretaria da Segurança Pública informou que a morte se deu por overdose e manteve o registro de “morte suspeita” para o caso. A Justiça, porém, entende o processo como homicídio, que corre na Vara do Juri.
Andarilho esfaqueado
Vítima
Edgar Alves da Silva, 37 anos
Local
Hospital do Servidor Público Municipal - Rua Castro Alves, 60, Liberdade
Data
28 de março de 2015
B.O.
2672/2015 - 78º DP (Jardins)
“Vítima de violência de arma branca”, segundo informa o boletim de ocorrência de sua morte, o paulistano Edgar Alves da Silva, de 37 anos, era um “andarilho, sem residência fixa”, de acordo com o registro. Sua morte foi relatada por um funcionário do Hospital do Servidor Público Municipal, que teve de ir à delegacia informar o caso.
O boletim de ocorrência tem um histórico de cinco linhas, menor do que os registros do tipo. Relata apenas que guardas-civis municipais o levaram ao hospital depois de encontrá-lo com o ferimento, sem precisar data da internação, “em circunstâncias incertas, local e autoria desconhecidos, por ora…”, diz o texto, que termina com o sinal de reticências, dando indicação de que o caso teria desdobramentos.
A Polícia Civil abriu inquérito para o caso em 25 de fevereiro, quando o Estado pediu informações sobre a ocorrência. A natureza do registro foi alterada para “lesão corporal seguida de morte”, mas depois o governo informou ter reclassificado o crime como homicídio. A Secretaria da Segurança disse ainda ter ordenado que a Corregedoria da Polícia Civil investigue o motivo de o inquérito para o caso não ter sido aberto antes.
Professor espancado
Vítima
Onyeka Osilonya, 35 anos
Local
Viaduto Liberdade, sem número, Liberdade, centro
Data
7 de abril de 2015
B.O.
1338/2015 - 05º DP (Aclimação)
O nigeriano Onyeka Osilonya vivia em um albergue no Brás, região central da cidade. Havia terminado curso de eletricista no Senai 19 dias antes de morrer e dava aulas de inglês a brasileiros. Uma de suas alunas, a webdesigner Silvia Diaz Medina, de 40 anos, foi quem registrou na polícia a morte do professor.
Silvia conta que o nigeriano deu entrada no Hospital do Servidor Público Municipal supostamente após ter sido atropelado. Estava em coma, com poucas chances de sobreviver. “Conversei com o médico. Ele disse: ‘Chegou como atropelamento, mas o que acho é que ele levou uma pancada’”, diz a testemunha, por causa do tipo de ferimento na cabeça.
Como Osilonya não tinha parentes no Brasil, coube à aluna providenciar o enterro. “Ele tem família, tem irmão na Nigéria, com quem converso pelo WhatsApp, mas disseram que o sistema da Polícia Federal tinha saído do ar e que, por isso, não tinham como confirmar a identidade dele. Tive de falar com um amigo, que procurou a Defensoria Pública, senão teria enterrado como indigente”, conta.
Silvia relata descaso com a apuração da morte. “O médico disse que ele tinha uma pancada. E ele foi encontrado na Avenida Liberdade, sabe? Tem várias câmeras de segurança por lá, era só olhar”, conta.
Ela disse que, passado alguns meses do ocorrido, foi orientada pelos policiais da delegacia onde foi feito o registro, na Aclimação, de que deveria procurar o 1.º Distrito Policial (Liberdade), responsável pela área onde o professor foi encontrado, para saber se o caso havia sido esclarecido. “O delegado mandou eu ir na delegacia saber se tinham aberto inquérito. Quando fui, acabei sendo supermaltratada. Disseram que, como eu não era parente, não tinha direito de saber”, relembra.
“Quando veem um nigeriano, a primeira coisa que pensam é: é traficante”, diz a ex-aluna, relatando o caso. Coube a Silvia contatar os parentes e informar da morte. “Eles ainda querem saber o que aconteceu”, conta.
O inquérito para investigar a morte de Osilonya só foi instaurado pela Polícia Civil em 25 de fevereiro, quando o Estado pediu informações do caso. A natureza do caso havia sido alterada para “atropelamento”. Passados nove meses da ocorrência, a polícia ainda espera o laudo do caso.
Ferido em ataque
Vítima
Yago Matheus Moraes da Costa, 18 anos
Local
Rua Gabriel Martins, Vila Albertina, zona norte
Data
9 de abril de 2015
B.O.
3472/15 - 73º DP (Jaçanã)
Em pouco mais de seis horas, uma série de ataques iniciada na noite de 8 de abril deixou quatro mortos e um ferido a tiros na zona norte de São Paulo. Os crimes aconteceram em três pontos diferentes, separados por cerca de cinco quilômetros de distância um do outro. O único sobrevivente, Yago Matheus Moraes da Costa, de 18 anos, morreu no Hospital São Luiz Gonzaga na tarde do dia 9.
O jovem foi baleado diversas vezes no abdome por quatro suspeitos em duas motos na Rua Gabriel Martins, na favela Vila Albertina, por volta das 23h25. Acionados para atender uma ocorrência de agressão por arma de fogo, policiais militares afirmaram na delegacia que não conseguiram obter testemunhas do crime no local porque os moradores da comunidade estavam exaltados.
Uma hora depois, o 20.º Distrito Policial (Água Fria) registrou um boletim de ocorrência de tentativa de homicídio qualificado. Após a morte de Costa, no entanto, o B.O. seria complementado pelo 73.º DP (Jaçanã), mas como morte suspeita. Essa mesma delegacia faria um terceiro boletim de comunicação de óbito em que afirma que o registro anterior não foi vinculado ao primeiro.
Depois do crime, a família da vítima se mudou da casa onde morava no bairro de Cachoeirinha, na zona norte, e o Estado não conseguiu localizá-la, mas conversou com moradores da região. Duas semanas antes dos ataques, um cabo da PM havia sido assassinado a tiros na zona norte.
A Polícia Civil informou que o caso foi reclassificado como homicídio e que é investigado pela Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa. O Estado não contabilizou o caso no levantamento.
Assalto na Barra Funda
Vítima
Antônio Gomes de Brito, 57 anos
Local
Desconhecido, na Barra Funda, zona oeste
Data
20 de abril de 2015
B.O.
4787/2015 - 11º DP (Santo Amaro)
A morte do pedreiro Antônio Gomes de Brito foi registrada por seu irmão, o armador José Gomes de Brito, de 60 anos, que acompanhou o sofrimento da vítima, segundo conta, por oito dias.
Antônio foi vítima de um assalto na Barra Funda, zona oeste, em abril, quando teria sido espancado pelos criminosos que o roubaram. José não sabe quantos eram os bandidos. “Ele ficou muito machucado e foi no hospital, com dores. Não deram remédio para ele, mandaram tomar dipirona”, lembra o irmão, com tom rancoroso. “Passaram três dias, ele tornou a ir para o médico, ainda com dores. Nada”, diz.
O boletim de ocorrência de “morte suspeita” número 4787/2015, registrado no 11.º Distrito Policial (Santo Amaro) informa que, no dia 19 daquele mês, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi chamado para resgatar Antônio em sua casa, no momento em que ele sentia muita dor. “Informa (o irmão) que em razão das agressões sofridas durante ação delitiva, restaram lesões aparentes na cabeça, face e tórax”. Antônio morreu naquela madrugada.
O irmão disse nunca ter sido chamado para prestar novos esclarecimentos à Polícia, que também não prestou mais nenhuma informação ao irmão sobre a investigação do assalto.
O registro do assassinato de Brito foi alterado pela polícia para “latrocínio” e encaminhado para o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Segundo a Secretaria da Segurança Pública, o caso ainda é investigado, mas foi devidamente contabilizado na estatística.
Enforcado ou erro médico?
Vítima
Vanderlei Aparecido Duque, 49 anos
Local
João Clímaco Lobato, Sapopemba, zona leste
Data
1 de maio de 2015
B.O.
2669/2015 - 56º DP (Vila Alpina)
No dia 19 de abril, o servente Vanderlei Aparecido Duque, de 49 anos, foi beber em um bar da região de Sapopemba, na zona leste da capital, e resolveu jogar snooker com um homem desconhecido. Em meio à partida, os dois acabaram brigando e foram expulsos do estabelecimento. A confusão continuou na rua de trás e terminou com o suspeito enforcando a vítima com um golpe de gravata. Duque caiu no chão e ficou ali.
Uma irmã do servente, que pediu para não ser identificada, afirma que uma vizinha testemunhou a agressão. “Foi na frente da casa dessa moça. Ela escutou como se uma pessoa estivesse pedindo socorro”, conta. “Ela e o marido saíram e tiraram o rapaz de cima do meu irmão, mas o cara correu. Tinha uma molecada na rua que tentou sair atrás dele.”
Segundo a família, a vítima sofria de problemas renais e ficou internada sem fazer hemodiálise até o dia 1.º de maio, quando morreu. Para liberar o corpo, o boletim de ocorrência foi registrado no 56.º Distrito Policial (Vila Alpina). Nenhum registro foi feito anteriormente.
De acordo com o BO, a guia enviada pelo hospital informou que o paciente apresentava escoriações na face e no ombro direito e que a possível causa do óbito seria insuficiência renal crônica. Segundo a irmã de Duque, ela, a vizinha e o dono do bar foram chamados meses depois para prestar depoimento.
“O que me revolta é que não sei quem é esse homem, eu não tenho nada dele e quem estava lá no bar não quis falar”, diz. “Se esse cara não tivesse enforcado meu irmão, ele não teria ido para o hospital. Então, ele foi culpado.” A família diz que a polícia não investigou nem a agressão nem se Duque foi vítima de erro médico.
“Mesmo que ficasse um tempo no hospital e pegasse uma infecção hospitalar. Existe uma previsão já na lei que, se alguém entra no hospital em decorrência de uma violência que sofreu, de alguém que queria matá-lo, essa infecção só conseguiu pegar porque tem o antecedente de uma agressão. Então, a decorrência do ato quem cometeu vai ter de responder”, afirma Marcos Carneiro Lima, ex-delegado-geral.
O inquérito policial do caso só foi instaurado cinco meses depois da morte do servente. A natureza da ocorrência foi reclassificada pela polícia como “lesão corporal seguida de morte”, mas o Ministério Público pediu mais investigações.
Carbonizado na beira do rio
Vítima
Desconhecido
Local
Rua Padre Antonio Gennaro, 302, Sacomã, zona sul
Data
3 de maio de 2015
B.O.
3412/2015 - 26º DP (Sacomã)
Um telefonema feito ao 190 fez com que dois policiais militares fossem até o matagal às margens do Córrego dos Meninos, na divisa da capital com São Caetano do Sul, para averiguar o encontro de um cadáver.
Segundo o registro da ocorrência, o leito do córrego estava repleto de lixo e, de fato, havia um corpo ali – tão carbonizado que, na hora, não foi possível identificar nem o sexo. Estava quase dentro do rio.
O boletim não deixa claro se foi possível constatar se o corpo foi queimado ali mesmo ou se foi carbonizado em outro ponto e descartado no rio. Só informa que a Polícia Civil pediu que o local fosse objeto de perícia. O caso entrou na lista de ‘mortes suspeitas’.
As investigações sobre o caso só começaram cinco meses depois da localização do corpo, em outubro. A Polícia Civil manteve a ocorrência fora das estatísticas, mas reclassificou o boletim como “óbito”.
Pedrada na cabeça
Vítima
Desconhecido
Local
Vale do Anhangabaú, centro
Data
11 de maio de 2015
B.O.
4111/2015 - 14º DP (Pinheiros)
Um homem cuja única descrição é a pele negra, sem idade definida no boletim de ocorrência, foi atendido pelo Hospital das Clínicas depois de levar uma pedrada na cabeça. O registro policial informa que ele chegou até o hospital por meio de uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), sem mais detalhes. No registro, a polícia informa que pediria laudo ao Instituto Médico-Legal para tentar identificar a vítima por meio de exames da impressão digital para a comunicação da morte aos familiares.
Em outubro, a natureza do delito foi reclassificada como “lesão corporal seguida de morte”. O inquérito policial só foi aberto cinco meses depois do fato. Na Justiça, o inquérito tramita como homicídio, na Vara do Júri. Diante do entendimento judicial, a Secretaria da Segurança Pública informou que passou a tratar a ocorrência como “homicídio”.
Apedrejado no centro
Vítima
Desconhecido
Local
Avenida Cruzeiro do Sul
Data
9 de junho de 2015
B.O.
5081/2015 - 14º DP (Pinheiros)
Policiais militares levaram uma pessoa ferida ao Hospital das Clínicas, no centro da cidade, em 4 de junho de 2015. Era um homem, de pele branca, sem identificação. O boletim de ocorrência do caso não dá detalhes da idade, das feições nem outras características que pudessem identificar o homem. Diz que os policiais informaram a equipe do hospital que ele havia sido localizado na Avenida Cruzeiro do Sul, ligação entre o centro e a zona sul da cidade, “agredido por pedras”.
O homem ficou internado por cinco dias, mas não resistiu aos ferimentos. Coube ao hospital informar a morte, registrada no 14.º Distrito Policial (Pinheiros). O boletim diz que foi solicitado exame para identificar a vítima por meio das impressões digitais e que foi solicitado acompanhamento do caso pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
A investigação do caso foi transferida para o 9.º Distrito Policial (Carandiru), mas o inquérito só foi aberto em novembro. A morte foi reclassificada como “lesão corporal seguida de morte”.
Trauma no crânio
Vítima
Desconhecido
Local
Desconhecido. Registrado no Hospital Estadual Vila Alpina, na Avenida Francisco Falconi, 1.501
Data
14 de junho de 2015
B.O.
3637/2015 - 56º DP (Vila Alpina)
Descrito como “com trajes típicos de morador de rua”, um homem negro, de cabelos pretos, aparentando 40 anos, com 1,70 metro de altura e cerca de 70 quilos, deu entrada no Hospital Estadual da Vila Alpina, na zona leste. Foi levado por uma ambulância do Resgate, do Corpo de Bombeiros. Ele morreu depois de ser atendido no centro médico.
Foi uma funcionária do Vila Alpina que informou a Polícia Civil da morte. “A causa dos ferimentos não é certa, talvez pedradas”, informa o boletim de ocorrência, justificando a suspeita com a afirmação que “um dos responsáveis pelo resgate declarou que havia pedras no local” da morte.
Ainda de acordo com o boletim de ocorrência, de “morte suspeita”, a médica que assinou a guia de encaminhamento de cadáver do corpo apontou como causa provável da morte “traumatismo cranioencefálico - hematoma intra-parenquimatoso”. O registro aponta ainda que “a vítima estava inconsciente, não portava bens nem documentos, o que impossibilitou sua identificação”.
A Secretaria de Estado da Segurança Pública informou que o caso teve o registro alterado para “lesão corporal seguida de morte” - o que o manteve fora das estatísticas de homicídio. A pasta declarou ainda que um inquérito para apurar o caso foi aberto em 15 de junho. Depois, a secretaria mudou a versão e confirmou que o caso é um homicídio.
Homofobia na zona norte
Vítima
Desconhecido, aproximadamente 35 anos
Local
Rua Doutor Zuquim, altura do número 1070, Santana, zona norte
Data
18 de junho de 2015
B.O.
1296/2015 - 52º DP (Parque São Jorge)
Um homem aparentando ter 35 anos foi encontrado caído no bairro de Santana, na zona norte da capital, por funcionários da varrição que chegavam para trabalhar às 6 horas. Com uma faixa, tentaram estancar o sangue que ainda saía da cabeça do rapaz e formava uma poça na calçada da Rua Doutor Zuquim, na frente de um motel com fachada de vidro espelhado e grade em vez de muro. Era 18 de junho.
Trazido por uma ambulância, o rapaz deu entrada no Hospital Municipal do Tatuapé, na zona leste, onde morreu momentos antes de entrar na sala de cirurgia, às 12h10, com quadro de traumatismo craniano encefálico grave. Trabalhadores da região afirmam que ele foi vítima de espancamento. “A coisa foi feia, bateram muito nele”, conta uma varredora, que optou por não se identificar.
O motivo do ataque e a quantidade de agressores ninguém informa com certeza. “A gente sabe que foi uma briga durante a madrugada. O comentário é que ele era gay e bateram nele por causa disso”, conta a varredora, que, sem saber o desfecho da ocorrência, perguntou à reportagem, em fevereiro deste ano, se o rapaz havia morrido. “Depois que levaram para o hospital, ninguém procurou mais saber”, diz. “Mas a polícia nunca veio aqui. Nem no dia, nem depois.”
São poucos, no entanto, que ficaram sabendo do crime. No motel, funcionários dizem desconhecer o episódio. Em uma oficina mecânica, a poucos metros do local, idem. Comerciantes da região afirmam que há muitos mendigos na área e que frequentemente eles dormem na calçada e brigam entre si.
No boletim de ocorrência, registrado no 52.º Distrito Policial (Parque São Jorge), a vítima é dada por desconhecida, do sexo masculino, cor parda e 1,70 metro de altura. O único declarante é um zelador do hospital, responsável por levar à delegacia a guia de recolhimento de cadáver. Não há testemunhas no BO.
No histórico, o delegado assina que o paciente “teria sido vítima de espancamento”, mas não se sabe se “esta constatação veio por meio da visualização dos seus ferimentos” ou se “algum funcionário anotou suposto espancamento no campo indicado à apresentação da ocorrência”. O B.O. diz, ainda, que a vítima estava sem documentos e não houve procura de familiares.
O delegado do 52.º DP também pediu exames de praxe e encaminhou o caso para o 9.º DP (Carandiru), que responde pela área do fato. O Estado foi à delegacia responsável pelo caso em outubro, dois meses após o ocorrido: os policiais civis afirmaram que estavam aguardando o resultado do laudo médico para, em caso de apontar morte violenta, dar início às investigações.
A Secretaria de Estado da Segurança Pública reafirmou que a investigação do caso ainda está aberta. A Polícia Civil reclassificou como “lesão corporal seguida de morte”.
Morador de rua espancado
Vítima
Thiago Sales Santos, 25 anos
Local
Avenida Deputado Emílio Carlos, Vila Santa Maria, zona norte
Data
3 de maio de 2015
B.O.
1345/2015
Morador de rua, Thiago Sales Santos, de 25 anos, guardava carros próximo de um parque de diversões na zona norte, segundo uma irmã declarou ao registrar sua morte. Segundo o boletim de ocorrência, a irmã declarou que ele “teria sido agredido fisicamente” por “desconhecidos”. Após a agressão, ele foi encaminhado para o Hospital Vila Nova Cachoeirinha, onde morreu. O texto do boletim de ocorrência destaca que a irmã de Santos não viu a agressão que o levou ao hospital, e que teria sido informada da ação por desconhecidos.
O registro da morte de Santos foi reclassificado como “lesão corporal seguida de morte”, segundo uma primeira informação vinda da Polícia Civil. Entretanto, o inquérito do caso só foi aberto quando a reportagem questionou sobre o desenrolar do caso. O governo determinou que a Corregedoria da Polícia Civil investigue a falta de inquérito, mas passou a tratar o caso como “queda acidental”.