Taça preta


Luiz Horta
Alessandra Tucci


Nariz de vinho

Texto: Marcel Miwa, especial para o Estado
Foto: Jf Diório/estadão
A ideia era traçar um paralelo entre vinhos e perfumes, já que a conexão entre os dois é evidente nos dois casos orientada pelo olfato. O crítico de vinhos do Paladar, Luiz Horta, e a perfumista Alessandra Tucci, fundadora da Perfumaria Paralela, consultoria especializada em perfumes, se juntaram entre taças pretas, aromas típicos de vinho e perfumes, numa degustação instigante.

Tradicionalmente os aromas do vinhos são classificados em primários, secundários e terciários, conforme o momento que são originados. Primários são os aromas originários da uva, com suas variações ditadas pelo varietal em questão. Secundários são os aromas criados durante a fermentação e estágio do vinho em barris de madeira e terciários são os aromas criados durante o amadurecimento do vinho em garrafa. Nos perfumes, Alessandra Tucci, fundadora da consultoria especializada em perfumes Perfumaria Paralela explica: “Nos perfumes também observamos três fases, ditadas pelo momento da aplicação. No início temos a chamada nota cabeça, onde percebemos as notas mais voláteis e intensas, depois de uns momentos temos a nota de corpo, onde se percebe a personalidade do perfume, e depois de algumas horas, temos as notas de fundo, com as notas mais densas que também ajudam a definir o perfume”.

Outro fator que causa fascinação no universo dos aromas é o protagonismo de um sentido ao qual se costuma dar pouca atenção. “O olfato não é tão imediato quanto a visão ou audição. É preciso alguma atenção que, ao final, ajuda na apreciação e construção do vocabulário de descritores aromáticos”, complementou a especialista em perfumes.

Para avaliar de forma mais técnica e evitar pré-julgamentos, as quatro primeiras bebidas foram servidas em taças escuras, o que bloqueou qualquer sugestionamento antes da real avaliação dos aromas.

1º. herbal, floral, lichia e rosas. (revelado posteriormente: Gewürztraminer da Alsácia)
2º. petróleo, querosene e pedra de isqueiro. (revelado posteriormente: Riesling alemão)
3º. tutti frutti, banana e manteiga. (revelado posteriormente: Gamay brasileiro)
4º. iodo, químicos, defumado e turfa. (revelado posteriormente: Whisky Ardhberg)

Depois trocaram-se as taças. As três amostras seguintes foram servidas em taças transparentes, mas sem revelar quaisquer dados sobre as bebidas. A mecânica foi a mesma, apenas com taças transparentes:

5º. abacaxi, mineral e ervas. (revelado posteriormente: Sauvignon Blanc chileno)
6º. animal, frutas vermelhas, almíscar e alcaçuz (revelado posteriormente: Cabernet Sauvignon brasileiro)
7º. maçã, cogumelo e levedura (revelado posteriormente: Cidra da Normandia)

Em seguida, Alessandra Tucci apresentou os perfumes (também sem revelar as marcas) em sticks de papel apenas numerados em sequência. Ela explicou que na avaliação de perfumes o processo costuma ser o inverso do que se faz com o vinho. “Nos vinhos que cheiramos, primeiro tentamos buscar as notas aromáticas para depois concluir algo sobre o estilo, variedade da uva, origem e etc. Nos perfumes, tecnicamente fazemos primeiro uma análise global para definir o estilo e personalidade, e só depois buscamos as notas aromáticas”.

O exercício proposto foi de primeiro identificar as notas aromáticas nos perfumes para em seguida associar aos vinhos, que a essa altura já haviam sido revelados.

1º. descrito como fresco, com notas de lírio, rosas e pimenta rosa. “Traz a sensação de limpeza e feminilidade, com um estilo muito apreciado pelo mercado norte-americano”, disse Tucci. Foi associado ao Gewürztraminer principalmente pelas notas florais e lichia. (revelado posteriormente: Pleasures - Estée Lauder)
2º. notas de couro, madeira, defumado e talco. Associado ao Cabernet Sauvignon pelas notas animais. (revelado posteriormente: Shalimar - Gerlain)
3º. notas de especiarias como noz moscada, cominho e canela, sálvia, defumado e couro. Associado ao whisky. (revelado posteriormente: Bel Ami - Hermès)
4º. notas de grapefruit, cassis e rosa dominantes. “A assinatura de Jean-Claude Ellena, perfumista da empresa”, completa Tucci. Associado ao Sauvignon Blanc. (revelado posteriormente: In love again - Yves St. Laurent)
5º. notas de frutas vermelhas (framboesa e amora) e caramelo. Perfume lançado em 2005 com a proposta de atingir um público mais jovem. Associado ao Gamay pelo frutado intenso. (revelado posteriormente: Miss Dior - Dior)
6º. notas de ervas, mineral, sutil defumado e almíscar. Associado ao Riesling pela discrição e mineralidade. (revelado posteriormente: Fahrenheit - Dior)

Como grande parte do público era muito mais íntimo do universo dos vinhos que o dos perfumes, Alessandra Tucci, propôs ainda mais dois exercícios que ajudaram a ampliar os descritivos aromáticos. No primeiro, apresentou três imagens com grupos de ingredientes que poderiam ser encontrados nos perfumes (lichia-Pleasures, cassis e groselha-In Love Again e framboesa e amora-Miss Dior) e em seguida distribuiu mais três sticks de aroma, cada um com apenas um aroma base para ser associado a um perfume (styrax-Fahrenheit, bétula-Bel Ami e ambergris-Shalimar). “Para os perfumistas, as notas aromáticas são como acordes que devem estar em harmonia para se chegar à melodia final. Hoje pudemos acompanhar uma parte deste trabalho”, finalizou Alessandra Tucci.