Ao permitir novas opções de contrato e licenciamento de conteúdo, serviços de vídeo sob demanda viram alternativa ao modelo tradicional
A popularização dos serviços de streaming no Brasil mudou a maneira como as produtoras estão negociando o seu conteúdo. Se antes elas estavam reféns das propostas feitas pelos canais de televisão, agora com o vídeo sob demanda (VoD) o controle mudou de mãos. Nesse novo cenário, ao apresentarem um projeto de um filme ou uma série, as produtoras já adicionam a exibição em plataformas de VoD no valor final do contrato, o que ajuda a viabilizar as filmagens e aumenta a quantia arrecadada na exploração comercial.
“O VoD entra na conta das emissoras e elas pagam antecipadamente por isso”, afirma Denise Gomes, gestora de Entretenimento da BossaNovaFilms. Apesar de cada contrato ser firmado separadamente, em parte por falta de legislação que inclua o streaming, Denise estima que a receita gerada apenas pelos vídeos online corresponde a 50% do faturamento total da TV paga com publicidade, merchandising e audiência. Quando um filme é oferecido em conjunto com streaming, portanto, cresce o potencial de receita com a veiculação.
Além disso, um personagem ou uma série de sucesso pode se transformar em diversos outros produtos. Mesmo que o conteúdo seja veiculado nas plataformas de streaming, as produtoras podem explorar a marca, o que não acontecia quando os contratos eram feitos com emissoras de TV.
Assim, as empresas com foco nesse tipo de plataforma, como a Netflix, preferem licenciar os conteúdos do que comprar seus direitos. O objetivo, segundo Paulo Schmidt, presidente do Conselho da Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (Apro), é aumentar a base de assinantes por meio de uma programação ampla. “O interesse é ter uma grade diversificada de conteúdo, situação ideal para preservar o direito patrimonial e intelectual dos produtores”, afirma.
A estratégia de produção de conteúdo local, além de incentivar o audiovisual brasileiro, ajuda a diferenciar uma plataforma daquela de seus concorrentes. “Não basta ter as redes de distribuição de conteúdo, pois hoje existem muitos competidores nesse segmento”, avalia Adriano Adoryan, gerente executivo de Inovação na EBC e pesquisador dos modelos de negócio da televisão. “É preciso oferecer conteúdos relevantes e a única forma de garantir essa oferta em condições competitivas é produzindo os próprios conteúdos.”
O desafio desse modelo é o financiamento, pois muitos produtores nacionais não têm capital suficiente para bancar o desenvolvimento do conteúdo sozinhos. Nesses casos, o serviço de vídeos online pode entrar como parceiro da produção. A Netflix, depois de lançar a série Narcos na América Latina, decidiu investir especificamente no Brasil,. A série distópica “3%” é o primeiro conteúdo nacional original da popular plataforma de streaming, produzida pela Boutique Filmes.
Para o produtor executivo do seriado, Tiago Mello, o streaming dá mais poder de negociação às produtoras independentes e torna o audiovisual brasileiro mais competitivo. “A entrada de um novo participante global tem tudo para melhorar as condições do nosso mercado”, acredita. “É uma nova oportunidade, um novo caminho.”
Em comunicado, a Agência Nacional do Cinema diz que o vídeo sob demanda (VoD) oferece um horizonte de expansão do mercado audiovisual, mas observa que é construir um modelo tributário que torne esse avanço sustentável. Hoje, cada título de catálogo é tributado, o que representa um empecilho para plataformas em desenvolvimento, avalia a agência. O que a Ancine procura é um modelo que seja adequado tanto para quem produz conteúdo de entretenimento no País quanto rentável para quem tribute.