André Borges (textos) e Werther Santana (fotos)
Trabalhos de fiscalização e proteção em andamento no Vale do Javari se devem, basicamente, a recursos enviados por outros países, mais precisamente da Noruega e da Alemanha. Alvo de cortes constantes no orçamento, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem um acordo de cooperação firmado desde 2014 com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), uma associação sem fins lucrativos criada em 1979 por antropólogos e indigenistas.
Desse acordo entre a Funai e o CTI nasceu o projeto de “Proteção etnoambiental de povos indígenas isolados e de recente contato na Amazônia”, que prevê a liberação de R$ 19 milhões para toda a região amazônica até o fim deste ano. Esse dinheiro é sacado do Fundo Amazônia, alimentado pelos cofres públicos dos governos da Noruega e da Alemanha.
Sem os aportes internacionais, as ações de proteção do Vale do Javari já teriam virado lenda. O que governo federal tem reservado à Funai para executar seu trabalho mal dá para fazer o mínimo. No ano passado, o valor total empenhado nas ações da chamada Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados (CGIIRC) foi de R$ 3,919 milhões. Desse total, R$ 2,967 milhões foram usados nas atividades com povos isolados e outros R$ 490 mil em ações com povos de recente contato. A diferença de mais R$ 461 mil só entrou nos cofres por causa de emenda parlamentar.
Desde o ano passado, agentes da Funai alertam que metade das 12 Frentes de Proteção Etnoambiental mantidas pela fundação em todo o País corre risco de fechar as portas. A Funai disse que os alertas de risco de fechamento das frentes de proteção se deram “em contexto do bloqueio de orçamento federal”.
O CTI deixa claro que não pode fazer o trabalho sozinho. “Historicamente, a Funai tem um peso para os povos indígenas nessa região e, nos últimos anos, vinha desempenhando um importante papel na organização da agenda indigenista no Vale do Javari, cumprindo sua missão institucional de coordenar a política indigenista”, diz o coordenador adjunto do CTI, Conrado Octavio. “O enfraquecimento do órgão interrompe esse processo, abrindo espaço para a desmobilização de determinadas agendas e para relações clientelistas na implementação de políticas públicas de fundamental importância para os povos indígenas. Além disso, coloca em risco a integridade territorial desses povos, o que é gravíssimo, tendo em vista o quadro de ameaças a que estão sujeitos cotidianamente”, completa.
A ação indigenista numa área com mais de 8,5 milhões de hectares exige, segundo Octavio, constante cooperação e articulação interinstitucional, além de disponibilidade de recursos humanos e financeiros. “A debilitação da Funai e das condições necessárias para que o órgão implemente a política de proteção e promoção dos direitos dos povos isolados e de recente contato prejudica muito o controle dessas ameaças e coloca a integridade física e territorial destes povos em risco.”
Com a chegada de Osmar Serraglio (PMDB-PR) para o comando do Ministério da Justiça, a pressão sobre a Funai e as terras indígenas atingiu um nível sem precedentes. Serraglio é uma das lideranças da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), grupo que tem posicionamento contra a fundação e que atuou para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura supostas irregularidades na autarquia vinculada ao Ministério da Justiça.
Mais do que uma liderança da bancada ruralista, Serraglio também é o relator da polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que praticamente sela o destino da Funai, ao retirar o processo de demarcação de terras indígenas do governo, para repassá-lo ao Congresso Nacional.
Historicamente, a Funai tem feito uma forte oposição à PEC 215, proposta que tramita há 17 anos na casa. O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo tinha uma posição clara sobre a inconstitucionalidade do texto, por entender que o processo de demarcação é resultado de uma série de levantamentos de dados técnicos e antropológicos feitos pela Funai, para posterior aprovação pelo governo.
Serraglio, no entanto, sempre combateu essa visão. Em 2015, no papel de deputado, rebateu Cardozo, alegando que a Constituição prevê que é prerrogativa do Congresso definir limites dos bens da União e que, como as terras indígenas são bens públicos, caberia ao Congresso essa decisão. Procurado pela reportagem para comentar o assunto, o Ministério da Justiça não quis se manifestar.