André Borges (textos) e Werther Santana (fotos)
No alto da copa das árvores, ao longo do Rio Quixitinho, o japim fez seu ninho bem ao lado de grandes casas de marimbondos. O pássaro típico da Amazônia sabe que sua sobrevivência depende desses vizinhos. Se o ninho é ameaçado por um gavião ou qualquer outra ave, o japim, também conhecido como xexéu, sacode as asas e desperta os insetos para defender seu território.
A lição ensinada pelo japim não se aplica às trilhas e matas fechadas do Vale do Javari. Os índios isolados estão encurralados. Não há casas de marimbondos ou qualquer outro recurso que consiga frear o avanço de criminosos sobre um território protegido por lei.
Por nove dias, o Estado percorreu os rios, trilhas e matas fechadas da terra indígena Vale do Javari, trabalho que envolveu mais de 320 quilômetros de viagens de barco na fronteira do Brasil com o Peru. A expedição em terra incluiu 22 quilômetros de caminhadas. O objetivo da expedição, que foi autorizada pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) junto à Funai, não foi o de entrar contato com índios isolados, mas pesquisar sinais de sua presença para, a partir daí, analisar seus riscos e medidas de proteção. O que se vê são sinais de invasões por todos os lados.
Na mata fechada da fronteira entre o Brasil e o Peru caçadores sobem pelos rios carregados de armas de grosso calibre e freezers amarrados dentro de embarcações. A fiscalização na região é dificultada pelo emaranhado dos rios que avançam, retrocedem e mudam seus cursos. Como a Amazônia que se move, as aldeias também partem para outros caminhos, por conta da proximidade com não índios. Na floresta, nas trilhas usadas pelos indígenas, a reportagem encontrou cartuchos de espingarda calibre 16 pendurados em tocos, para demarcar o local de passagem. Não se trata de caçadores que buscam animais para a própria alimentação. A caça ali é profissional e predatória. Na floresta, matam macacos, veados, antas, caititus e o que mais aparecer pela frente, para revender nas cidades.
Bruno Pereira, agente indigenista da Funai que atua na Frente de Proteção do Vale do Javari, aponta para um monte de folhagem no chão. Ao erguer as plantas, mostra dezenas de sacos plásticos de sal vazios. “Olha isso. Os caçadores trazem o sal para conservar os animais abatidos, e vão fazendo isso mata adentro.”
Das águas do Javari tem saído grande parte dos peixes ornamentais que abastecem mercados como a China. Os “piabeiros”, como são conhecidos os pescadores, entram nos rios da terra indígena atrás dos alevinos do aruanã. O peixe, também conhecido como sulamba ou macaco d’água, é mandado para a Colômbia, que revende para outros países como peixe ornamental.
A indústria madeireira também marca presença, atrás de espécies nobres como a sumaúma. Do Peru, balsas sobem com guindastes de grande porte, que puxam os troncos com cabos de aço para dentro do rio. Com serras, a madeira é “limpada”, para correr rio abaixo. Quando os troncos chegam ao ponto do rio que não está mais dentro da terra indígena são amarrados e recolhidos por empresas peruanas.
Em fevereiro, uma dessas ações foi alvo de uma operação integrada que envolveu Funai, Ibama, Exército, Polícia Federal (PF) e Batalhão Ambiental da Polícia Militar (PM) do Amazonas. Uma jangada com 432 toras de madeira descia pelo Javari. Além da sumaúma, um peruano transportava toras de ucuúba, marupá, jacareúba, cedro, cedrorana e louro. Ele portava nota fiscal e seus papéis eram falsos. A madeira foi apreendida e o homem, multado em R$ 130,5 mil.
A exploração das terras do Javari não se limita à atuação de aventureiros ou organizações criminosas. A área é alvo constante de estudos e de projetos de mineração e petróleo. A Petrobrás já chegou a ter bases ativas para exploração de gás na região entre as décadas de 1970 e 1980. Nos últimos anos, organizações indígenas do Vale do Javari têm denunciado a presença de lotes de exploração petrolífera em territórios tradicionais do povo matsés, que vive no Peru.