SUMMIT AGRONEGÓCIO BRASIL 2018

Tecnologia no campo

Tecnologias avançam, mas efeitos sobre a produtividade são limitados pela falta de conectividade no campo. Com isso, adoção de sistemas de precisão continua abaixo do ideal no país.

21 novembro 2018

Valéria Gonçalvez/Estadão

Cleyton Vilarino, Especial para O Estado

A falta de conectividade no meio rural é o principal desafio para o desenvolvimento da agricultura de precisão no Brasil, disse o diretor do Grupo de Soluções Inteligentes (GSI) da John Deere para a América Latina, Nick Block, que participou do Summit Agronegócio Brasil 2018.

Segundo Block, grande parte dos benefícios criados pela tecnologia é perdida pela falta de conectividade nas lavouras. Sem conectividade ficamos limitados mesmo com os avanços tecnológicos.

Dados apresentados por Guilherme Raucci, diretor de Sustentabilidade da Agrosmart, também presente ao evento, mostram que apenas 14% das lavouras brasileiras estão conectadas. No caso dos Estados Unidos, Block estima que cerca de 80% das fazendas tenham acesso à internet.

“O problema da conectividade é enorme e gera, sim, dificuldades. Desde a rastreabilidade de máquinas até barreiras à inovação”, ressalta Marcio Albuquerque, presidente da Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão. “Uma startup que quer fazer algo baseado em celular tem de levar em conta, desde o início, que aquele aparelho pode não ter acesso à internet.”

No caso da John Deere, Block ressalta que a empresa precisou desenvolver soluções específicas para a realidade brasileira, como o armazenamento de dados pelas máquinas.

Sem conectividade ficamos limitados mesmo com os avanços tecnológicos
Nick Block
Diretor do Grupo de Soluções Inteligentes (GSI) da John Deere

Embora os custos adicionais para o desenvolvimento dessas tecnologias sejam classificados como “moderados”, o executivo destaca que a falta de conectividade reduz a capacidade de resposta em tempo real do produtor a qualquer problema observado no trabalho em campo, levando a uma agricultura de precisão “incompleta” quando comparada à de outros países.

Processo lento. O mesmo problema é apontado pela Taranis Brasil, que desenvolve soluções de inteligência artificial para a identificação de pragas e doenças em lavouras. Segundo Georgia Palermo, gerente-geral da empresa, a transmissão de dados por mídias físicas pode levar de algumas horas a até dias em casos de fazendas mais isoladas, retardando a adoção de decisões estratégicas.

“Se identificamos uma doença cuja orientação é a aplicação de algum defensivo, em dois dias pode haver uma mudança climática que prejudique ainda mais a situação do agricultor”, explica. Além disso, o custo de transmissão de dados por mídia física também é um fator que encarece a adoção da tecnologia.

Para Albuquerque, a solução para a falta de conectividade no País passa por três pilares: político, tecnológico e econômico. “Vemos articulações de vontade política e tecnológica começando a surgir, mas, do ponto de vista econômico, o problema não está equacionado”, diz o presidente da CBAP. Segundo ele, o menor volume de dados esperados para o meio rural torna a expansão da rede para o interior do País menos atrativa.

A saída encontrada pelas empresas tem sido trabalhar com os dados internos produzidos pela fazenda. “Conseguimos integrar informações de outras fontes, como máquinas, imagens feitas por drones ou por satélites, sem esquecer dos dados que os produtores podem fornecer”, aponta Raucci, da Agrosmart.

A empresa desenvolveu uma rede de comunicação própria por rádio que transmite os dados da lavoura até um ponto final conectado, mas ainda esbarra na falta de uma base de dados consolidada. “O Brasil sofre com um apagão de dados, principalmente temporal. Ainda não temos um histórico de dados para trabalhar com as ferramentas que temos hoje”, ressaltou Raucci.

Outro problema é o desestímulo à adoção de novas tecnologias por parte dos produtores rurais. “O produtor não vai adotar uma tecnologia só porque é nova, ele quer a solução no bolso”, lembra Daniel Trento, gerente de Inovação da Embrapa. Para ele, a conectividade é um problema de infraestrutura que se soma a outros gargalos do País, como portos e estradas.

'Unicórnio' no setor deve surgir nos próximos três anos

Valéria Gonçalvez/Estadão

Cleyton Vilarino, Especial para O Estado

O agronegócio brasileiro deve passar pelo surgimento de suas primeiras startups com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão (unicórnios) nos próximos anos, avaliou Francisco Jardim, CEO e diretor executivo da SP Ventures, fundo de investimentos com operação em mais de 20 agritechs no País.

No painel do Summit Agronegócio 2018, Jardim ressaltou que algumas startups do setor financeiro atingiram esse status este ano, o que deve ocorrer com o agronegócio nos próximos três anos. “Até o fim de 2017, o Brasil nunca havia tido um ‘unicórnio’. Em 2018, empresas como 99, PagSeguro e Stone atingiram esse patamar. Essas companhias cresceram e foram desenvolvidas entre 2014 e 2018, num período em que nosso PIB encolheu”, explica Jardim.

Segundo ele, o primeiro investimento brasileiro em agritechs data de 2009, com maiores aportes em soluções digitais a partir de 2014. A maior demora para o primeiro bilhão de dólar em valor de mercado poderia ser explicada pelas especificidades do setor. “Uma agritech precisa lidar com fatores mais complexos e uma maior interdisciplinaridade de áreas, com biólogos, agrônomos e veterinários.”

Jardim avalia ainda que as startups brasileiras contam com a vantagem de desenvolverem soluções focadas nos problemas da agricultura tropical praticada no Brasil, o que lhes confere uma “vantagem competitiva brutal” diante das agritechs que surgiram nos últimos anos em países desenvolvidos, como Estados Unidos e Israel.

“Há uma maior maturidade atualmente no Brasil para experimentar e adotar novas tecnologias no campo, seja pela troca de comando nas fazendas, seja porque as tecnologias estão adquirindo um nível que as tornam mais baratas e mais fáceis de usar”, diz. A expectativa, diante do avanço das novas tecnologias no campo, é de gestão rural cada vez mais próxima do observado na indústria, onde há maior controle dos processos.

“Temos uma chance única na agricultura, a de fazer uma gestão similar ou quase idêntica à industrial. Nunca tivemos essa oportunidade na história”, ressalta Daniel Latorraca Ferreira, superintendente do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea). Segundo ele, o desafio para o setor atualmente não é apenas levantar o custo de produção, mas entender o que de fato o influenciou.

Mais pessimista, contudo, o professor do Departamento de Genética da Esalq/USP, Mateus Mondin, ressalta que a falta de um projeto estruturado para o agronegócio brasileiro põe em risco o desenvolvimento esperado das agritechs. “A agricultura digital não é futuro, ela já é o presente. O que estamos vivendo hoje é o mesmo que ocorreu com a informática na década de 70, quando havia um milhão de novidades e no fim sobraram poucas”, aponta.

De opinião semelhante, o CEO da MSW Capital, Richard Zeiger, avalia ser preciso contribuir para o desenvolvimento dessas empresas para além do financiamento. “O grande desafio é fazer com que essas startups cresçam de forma saudável”, destaca.

Para o presidente do Conselho de Administração da Cocamar, Luiz Lourenço, os mais velhos têm dificuldade de aceitar novas tecnologias. “Há uma dificuldade quanto a isso no setor. Quanto mais velho o agricultor, mais distante da sua realidade.”.

Produtor ainda resiste à agricultura de precisão no País

Presidente da CBPA estima que cerca de 20% da agricultura adote sistema, índice expressivo, mas abaixo do ideal

Valéria Gonçalvez/Estadão

Cleyton Vilarino, Especial para O Estado

A agricultura de precisão ainda esbarra na baixa adoção por parte do produtor brasileiro, segundo apontou o presidente da CBAP, Marcio Albuquerque. Ele estima que cerca de 20% da agricultura adote sistemas de precisão, índice considerado expressivo, mas abaixo do ideal.

Entre os desafios, destaca a falta de conhecimento dos produtores e de incentivos de mercado. “Precisamos levar treinamento para mão de obra qualificada e criar acesso a linhas de crédito. Por que o produtor que adota todas as tecnologias possíveis tem o mesmo seguro rural do que o que não adota?”

Pecuária. Daniel Trento, gerente de Inovação da Embrapa, tem a mesma opinião. Para ele, a Embrapa tem buscado aproximar desenvolvedores de tecnologias e a pecuária para encontrar soluções para a atividade. “O produtor quer a solução que atenda à sua necessidade.

Converso muito com startups, mas não adianta levar solução com a mesma mentalidade da cidade.” No caso da pecuária de corte, Trento ressalta que já existe movimentação de frigoríficos em busca de soluções para rastreabilidade e sanidade animal. Segundo ele, “a capacidade de responder a questões sanitárias será um dos eixos para soluções pecuárias no futuro”.

O presidente da Climatempo, Carlos Magno, alertou para a falta de estações meteorológicas no País – 500 aqui ante 25 mil nos EUA. “Temos um bom material nas universidades, mas sem investimento na conectividade com as estações das fazendas”, disse.

A vez das Agritechs

Inteligência artificial e o rebanho

Leonardo Guedes da Luz Martins, cofundador e diretor comercial da startup CowMed, destacou a importância do monitoramento para reduzir a mortalidade do rebanho. Com uma coleira, é possível monitorar tempo de ruminação, de caminhada e de pausa. Segundo ele, enquanto a taxa média de descarte de bovinos no País é de 35%, entre os clientes da CowMed chega a 18%.

Inteligência artificial e a lavoura

Georgia Palermo, gerente-geral da Taranis Brasil, que desenvolve soluções de inteligência artificial para a identificação de pragas e doenças em lavouras, levantou o problema da falta de conectividade. Segundo ela, a transmissão de dados por mídias físicas pode levar dias em casos de fazendas mais isoladas, o que retarda a adoção de decisões estratégicas.

Ferrugem da soja

Com previsão de lançamento em 2021, o CEO da startup Gênica, Marcos Petean, apresentou um composto natural capaz de ativar as rotas bioquímicas naturais da planta, contribuindo para melhorar a eficácia no combate ao fungo que já levou a perdas de mais de 25% na produtividade da soja.

Operação de barter

Outra operação que passa por uma revolução tecnológica é o barter – modalidade de crédito na qual o agricultor troca parte da produção por insumos. A solução encontrada pela Bart Digital foi a digitalização dessas operações, reduzindo o prazo de conclusão dos contratos de meses para dias, explica Renato Wihby Girotto, presidente executivo da companhia.

Grãos conectados

Pedro Paiva, COO da Grão Direto, plataforma digital para a compra e venda de grãos, acredita que o produtor tem evoluído muito e se adaptado a novas tecnologias. Segundo ele, o uso dessas ferramentas “é cada vez mais essencial para manter as atividades em campo”. A startup desenvolveu um sistema digital que conecta compradores e vendedores.

Operação agrícola mais eficiente

A AgriConnect, atenta para o avanço da agricultura de precisão agregada a máquinas, desenvolveu uma solução que permite o uso de dados em qualquer trator, explica Boris Rotter, CEO da empresa. O resultado é menor uso de combustível, de insumos e redução nos custos com manutenção do maquinário.

Drones nas fazendas

O uso de drones nas lavouras tem contribuído para a otimização de custos e eficiência da produção. “Com os drones há redução no uso de insumos, aumento na produtividade e maior número de informações geradas", destaca Fabrício Hertz, CEO da Horus Aeronaves.

Compra de insumos

Na compra de insumos, a Bee Agro tem buscado fornecer mais informações a seus clientes por meio de uma plataforma coletiva de compartilhamento, facilitando o acesso a ofertas de defensivos e fertilizantes a preços mais competitivos, explicou Guilherme Ferraudo, CCO da companhia.

Big Data

Com os dados gerados pela própria fazenda, a Agrosmart faz o monitoramento das informações coletadas pelo maquinário e pelo produtor para gerar modelos agronômicos baseados nas características e especificidades de cada lavoura, como tipo de solo.