SUMMIT AGRONEGÓCIO BRASIL 2018

Agronegócio do País fatura com guerra comercial

Disputa entre EUA e China dá sinais de que deve se prolongar e especialistas vêem oportunidade para o Brasil. Prejuízo americano é irreversível, mas cenário para as exportações brasileiras ainda é desafiador diante da escalada do protecionismo.

21 novembro 2018

Carlos Barria/Reuters

Clarice Couto
Nayara Figueiredo

A guerra comercial entre Estados Unidos e China é uma excelente oportunidade para o Brasil ampliar suas exportações para o país asiático, principalmente de soja e carnes, aproveitando o vácuo deixado pelos americanos, defendeu o vice-presidente da ED&F Man Capital Markets, o americano Michael McDougall.

Durante o Summit Agronegócio Brasil 2018, promovido pelo Estado no dia 13 de novembro, em São Paulo, ele se debruçou sobre o tema e avaliou as chances criadas pelo entrave entre os dois gigantes do comércio global, que se arrasta há meses.

“A negociação entre eles vai demorar. Assim, o Brasil tem oportunidade de exportar mais para a China e deve aproveitar isso, ampliando, por exemplo, o plantio de soja, pois levará anos para os chineses diversificarem o fornecimento da oleaginosa”, explicou.

Ele estima uma expansão de 4,5% na área brasileira de soja este ano, avanço que só não será maior por causa do aumento de custos de produção, principalmente com o transporte rodoviário após a adoção da tabela de fretes mínimos. Já os Estados Unidos devem cortar em 7,4% sua área cultivada.

Segundo McDougall, os exportadores de soja brasileira já obtiveram “uma fortuna” com a guerra comercial, ganho que os americanos “nunca vão recuperar”.

 

Carnes. Quanto ao mercado de proteína animal, o executivo disse que a guerra comercial rende lucros adicionais aos produtores brasileiros, que têm agora mais competitividade sobre os americanos.

McDougall citou o contrato recente de uma companhia do Brasil com a China, em referência à negociação entre a JBS e o gigante chinês do e-commerce, o grupo Alibaba, anunciada há duas semanas.

Ainda neste setor, porém, também há aumento de custos de produção – com as exportações mais volumosas de soja para a China e o consequente aumento das cotações, os preços internos do milho também subiram.

“Aqui no Brasil, o valor do cereal já chegou a ficar 20% acima da cotação da Bolsa de Chicago”, lembrou o executivo, aumentando o custo dos pecuaristas com ração, cuja base é milho e farelo de soja.

‘Dicas’ a Bolsonaro. McDougall mencionou que, assim como os EUA utilizam seu Departamento de Agricultura (USDA) para promover os produtos agrícolas do país para o mundo, o novo governo, de Jair Bolsonaro, que toma posse no dia 1.º de janeiro, deve fazer o “marketing” do agronegócio brasileiro para o mercado global.

McDougall deu outra “dica” ao futuro presidente: observar como os EUA têm se relacionado com os parceiros comerciais, para não repetir os mesmos erros. “Estamos vendo, pelos EUA, como não tratar os clientes”, falou, referindo-se à imposição de tarifas americanas à China, equivalentes a dezenas de bilhões de dólares, o que levou à retaliação chinesa e à redução das exportações de soja americana.

A tendência de Trump, explicou, é fazer acordos bilaterais, onde os EUA podem demonstrar mais força, a depender do país parceiro. “Em acordos multilaterais, uns perdem e outros ganham e Trump só quer ganhar”, disse ele.

Para o especialista, o problema dessa estratégia é que, depois, surge a necessidade de negociar com cada país individualmente, algo que não ocorre com facilidade. McDougall acrescentou que no governo Trump acordos multilaterais têm sido encerrados ou evitados. E exemplificou com o Acordo de Paris (que os EUA deixaram de ser signatários na gestão Trump) e também o Nafta.

“Em dois anos de gestão Trump, só temos um acordo, com a Coreia do Sul. Já o Nafta 2, com o México, ainda tem de passar por aprovação do Congresso americano”, continuou. “União Europeia, Japão, Índia e Brasil, estão todos esperando.”

Além do comércio. Sobre a disputa com a China, o especialista informou que se trata de um problema multifacetado, e não apenas de comércio. Atualmente, as exportações chinesas para os EUA representam 4,1% do PIB americano.

“Há na questão a necessidade de reduzir o déficit comercial, abrindo o mercado chinês para mais produtos dos EUA, mas também garantir o direito de propriedade intelectual, evitando que a China progrida com a próxima geração de tecnologias, e impedir a expansão chinesa para mercados ao sul do mar da China.”

De todo modo, no caso específico da soja, a China vem buscando diversificar seus parceiros, sem criar dependência da oleaginosa sul-americana. Nesse sentido, firmou acordo de desenvolvimento recentemente com a Rússia, para expandir o plantio do grão lá.

Outra questão que tem sido observada na gestão de Trump é o aumento dos orçamentos para militares, segmento em que o presidente americano quer ter o domínio. Com isso, McDougall acredita que a tendência é que conflitos envolvendo os americanos sejam solucionados com a atuação de militares.

“O orçamento militar dos EUA já é maior que o da China e da Rússia”, citou. “Em vez de investir em diplomacia, Trump investe em armas.”

Estamos vendo, pelos EUA, como não tratar os clientes
Michael McDougall
Vice-presidente da americana ED&F Man Capital Markets

Para Azevêdo, da OMC, escalada de tarifas é risco

Tiago Queiroz/Estadão

Tânia Rabello

O diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, propôs, no Summit Agronegócio Brasil 2018, a discussão dos rumos do comércio internacional. “O setor agrícola tem papel essencial nas exportações brasileiras e, ao mesmo tempo, o cenário global é desafiador”, disse ele, em vídeo exclusivo para o evento.

“Estamos vendo um aumento de tensões comerciais, novas tarifas que cobrem centenas de bilhões de dólares. E a escalada dessas medidas e contramedidas é uma possibilidade real.”

Para ele, é fundamental reduzir tensões e reforçar a entidade. “A OMC é a única organização que lida com comércio em nível global”, disse, mas assinalou o “grande desafio” vivido pela entidade.

“A nomeação de novos membros para o órgão de apelação está bloqueada, num impasse político. Vamos seguir trabalhando para resolver isso da melhor forma possível.”

Azevêdo mencionou que o trabalho da OMC vai além da solução de disputas. Lembrou da vitória do órgão em 2015, que pôs fim aos subsídios à exportação na agricultura, e do acordo de facilitação de comércio. Citou também que uma possível “reforma” da OMC deve ser discutida no G-20, “para reduzir tensões comerciais”.

“É claro que ainda é cedo para saber o rumo que o debate tomará, mas devemos seguir trabalhando para fortalecer o sistema.” O executivo não descartou a possibilidade de os países buscarem acordos regionais ou bilaterais.

“O Brasil, como todos os outros, pode e deve ter sempre uma atitude pragmática e negociar oportunidades comerciais onde houver espaço.” Sob esse aspecto, destacou que a mudança de governo aqui, com a eleição de Jair Bolsonaro, oferece uma oportunidade de reflexão sobre a inserção brasileira no comércio global, lembrando a “participação ativa” do País na OMC.

Azevêdo encerrou dizendo estar convencido de que o comércio global ainda tem um grande potencial a ser explorado pelo Brasil, “principalmente no agronegócio”.

A OMC continuará a ter papel fundamental na defesa dos interesses brasileiros, inclusive do agronegócio.
Roberto Azevêdo
Diretor-Geral da OMC

País precisa ser 'contudente' no comércio global

Tiago Queiroz/Estadão

Clarice Couto
Nayara Figueiredo

Se o cenário de guerra comercial entre os EUA e China não se modificar até o início do ano que vem, Mato Grosso, maior produtor de soja do Brasil, poderá exportar acima dos 19,07 milhões de toneladas estimadas pelo Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) para a safra 2018/2019.

A avaliação é do superintendente do instituto, Daniel Latorraca, feita durante o Summit Agronegócio Brasil 2018. Ele informou que a colheita tem início em janeiro em Mato Grosso e se encerra em maio.

O representante do Imea lembrou ainda que a estimativa no mercado é de que a China tenha estoques de soja em grão suficientes para garantir o esmagamento no país até dezembro, o que implicaria necessidade de repor os estoques.

O executivo ponderou, contudo, que a comercialização de soja no Brasil tem ocorrido de forma mais lenta do que em anos anteriores, em função tanto do tabelamento do frete, que encareceu o transporte rodoviário, quanto por incertezas sobre o prêmio a ser pago pela soja brasileira nos portos, a depender de um eventual acordo entre os chineses e os americanos.

Sem a demanda adicional da China, porém, seria difícil Mato Grosso exportar além do previsto pelo Imea, segundo ele, em virtude de o Estado ter mantido o volume esmagado nos últimos anos em torno de 9,5 milhões de toneladas. “Só seria possível se reduzisse um pouco o esmagamento e direcionasse produto para exportação.”

 

Espaço. Também no summit, o presidente da Minerva Foods, Fernando Galletti de Queiroz, ressaltou que, apesar da atual situação favorável às exportações do agronegócio brasileiro, o País, maior fornecedor global de carne bovina, tem acesso a somente 50% dos compradores mundiais. 

“Temos condições econômicas e sanitárias para nos destacar e ocupar mais espaço”, avaliou. Segundo ele, houve uma redução na oferta de carne da Europa e da Oceania, com a seca na Austrália. E os EUA reduziram a produção, que não foi suficiente para atender à demanda no Sudeste Asiático.

O sócio-diretor da Agroicone, Rodrigo Lima, lembrou em sua palestra que, para ampliar mercados, inclusive de produtos agropecuários, o Brasil deve ter uma estratégia “contundente”. “Ficamos fechados no que diz respeito a fazer acordos comerciais nos últimos 15 anos”, criticou.

Para isso, ele defendeu como fundamental o País permanecer na Organização Mundial do Comércio. Deixar o órgão “está fora de cogitação”, mas o País precisa olhar para seus “telhados de vidro”, evitar barreiras não tarifárias e aproveitar a chance de atender à demanda global por alimentos.

O próximo ministro de Relações Exteriores do Brasil terá papel relevante e precisará “ter uma visão geopolítica e de relações internacionais muito bem estruturada”. 

“Temos de arrumar a casa. Aumentar práticas de defesa animal e vegetal, avançar no processo de liberação de agroquímicos. São aspectos importantes para evitar barreiras”, explicou.

Perda de mercados é risco real

Arquivo/Estadão

Anna Carolina Papp

Apesar do brilho nos olhos dos exportadores do agronegócio brasileiro quando ouvem a palavra China, há riscos atuais e futuros que devem ser considerados pelo setor, para que, em uma eventual mudança de cenário, não fiquem com a mercadoria encalhada nos portos.

O “temor” mais imediato diz respeito à chance de Estados Unidos e China colocarem um ponto final na guerra comercial. O mercado aventa a possibilidade – embora remota – de uma solução do impasse entre os gigantes do comércio global no dia 30 de novembro, quando os presidentes americano, Donald Trump, e chinês, Xi Jinping, se encontrarão em Buenos Aires, na reunião de líderes do G-20.

Embora a China demande muitos produtos agropecuários do Brasil, há tarifas protecionistas impostas pelo país asiático e que, finda a guerra comercial, poderiam provocar uma “estagnação” nas vendas de alguns produtos, analisa o presidente da Aliança Agro Ásia-Brasil, Marcos Jank.

Em junho, por exemplo, a China impôs taxas antidumping ao frango brasileiro, entre 18% e 38%. “Temos apenas 62 plantas de carnes aprovadas para exportar para lá. Precisamos destravar esse mercado”, diz.

Longe da atual “farra” chinesa, o ex-secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, comenta que o Brasil ainda tem “muitos desafios na questão fitossanitária”, que o impede de exportar mais carnes e lácteos.

 

Novo governo. Outro risco, que representa mais uma incerteza atualmente, é como o presidente eleito, Jair Bolsonaro, que toma posse em 1.º de janeiro, vai lidar com importantes parceiros comerciais do agronegócio brasileiro – não só a China, mas também os países árabes.

Durante a campanha, Bolsonaro chegou a afirmar que vê com restrições o boom de investimentos chineses no País. Antes disso, no início do ano, ele fez uma visita a Taiwan, considerada uma ilha rebelde por Pequim, e tema sensível ao governo chinês. Já eleito, suavizou sua postura, ao receber, no início deste mês, o embaixador chinês, Li Jinzhang.

Quanto aos países árabes, as declarações de Bolsonaro, de que tem a intenção de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém – como fizeram os Estados Unidos – também provocou temor de perda de importantes mercados do Brasil em proteína animal. A reação imediata do Egito foi suspender a visita agendada do embaixador brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira.

Na quarta-feira da semana passada, Bolsonaro reafirmou a intenção de transferir a representação brasileira: “Eu entendo que quem decide a capital do país é o seu governo. Assim sendo, se o Brasil fosse abrir embaixada em Israel, seria Tel-Aviv ou Jerusalém? Com toda certeza seria Jerusalém”.

Sobre o assunto, Jank afirma que o novo governo tem condições de construir uma política comercial ambiciosa e consistente, mas é preciso tomar cuidado para não “espantar” importantes parceiros por questões ideológicas.

“A política externa não pode prejudicar a política comercial.” O representante da Aliança Agro Ásia-Brasil advertiu, ainda, que “uma decisão como essa (de transferir a embaixada)pode afetar as nossas exportações para o mundo islâmico”. E acrescentou: “Só em carnes, exportamos para os países árabes US$ 4,25 bilhões no ano passado. É um mercado que tem crescido 16% ao ano desde 2000”.

Quanto às recentes críticas de Trump à relação comercial com o Brasil, que afirmou ser um dos países “mais duros do mundo”, Jank acredita que o novo governo “tem tudo” para estreitar os laços com os EUA e deve até buscar um acordo bilateral.

“O País precisa, sim, fortalecer parcerias com os EUA, deixadas de lado nos últimos anos – mas não em detrimento das relações com a China.”

BRF luta para pôr fim a embargos

Tiago Queiroz/Estadão

Clarice Couto
Nayara Figueiredo

O vice-presidente Institucional, Jurídico e Compliance da BRF, Bruno Ferla, afirmou que a companhia “está lutando na Justiça e de forma diplomática” pelo fim do embargo da União Europeia a 12 plantas da empresa.

“Credibilidade é difícil de construir e fácil de perder. A deslistagem da UE foi uma mensagem clara quanto a isso”, disse, no Summit Agronegócio Brasil 2018, realizado no dia 13 pelo Estado.

Para Ferla, a decisão dos europeus afetou o setor de aves como um todo e a recuperação do mercado é lenta. “As exportações de frango não ocorrem linearmente. Os pés vão para a China, outros cortes para o Japão e o peito, que é o filé mignon do frango, é o que iria para o mercado europeu.”

As compras de peito de frango pela UE ainda contribuíam para que não ocorresse um excesso de oferta no mercado interno. “Agora temos de nos adequar à oferta e lutar contra essas barreiras.”

O secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luis Eduardo Rangel, acrescentou que, no período da Operação Trapaça, que desencadeou o embargo europeu, foram veiculadas informações na imprensa sobre um possível comprometimento total do sistema sanitário do Brasil, “uma inverdade”.

“Nosso modelo é amplamente reconhecido”, garantiu.