SUMMIT AGRONEGÓCIO BRASIL 2018

O que o agro espera do novo governo

Antigos problemas enfrentados pelo setor, como falta de infraestrutura ferroviária e portuária, somam-se a mudanças nas relações de seus principais parceiros comerciais. Possível avanço na legislação de registro de defensivos é esperado, mas críticas da sociedade ainda é um desafio

21 novembro 2018

Tiago Queiroz/Estadão

Clarice Couto
Nayara Figueiredo

Representantes do setor agropecuário reunidos em São Paulo, durante o Summit Agronegócio Brasil 2018, promovido pelo Estado no dia 13 de novembro, discutiram os principais assuntos que devem receber a atenção do novo governo a partir de 1.º de janeiro, quando o presidente eleito, Jair Bolsonaro, tomará posse.

A situação do comércio global – ameaçado pela guerra comercial entre Estados Unidos e China, pelo protecionismo crescente, pelo questionamento da eficácia de acordos multilaterais –, segundo os presentes no evento, exige cautela.

“Neste momento de transição no governo federal e de planejamento para os próximos quatro anos, é preciso analisar com profundidade e cautela os acordos comerciais já em vigor”, disse o diretor-presidente do Grupo Estado, Francisco Mesquita Neto, na abertura do evento.

Para o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luis Eduardo Rangel, a estratégia comercial do Brasil no comércio global não pode “começar do zero”. “Muito pelo contrário.” O ideal, enfatizou, seria dar andamento aos processos iniciados durante a gestão do atual ministro, Blairo Maggi.

“Não podemos apenas lamentar o protecionismo dos outros países. Pensar sobre como esse processo funciona vai fazer a diferença do sucesso no mercado externo. Só assim conseguiremos ser mais agressivos na pauta de exportação.”, afirma Rangel.

Negociação áspera. Ainda de acordo com o secretário do ministério, uma negociação recente, com a Rússia, foi feita de maneira áspera, em um processo de troca “entre as áreas vegetal e animal”, disse, em referência à exigência atendida pelo Brasil de abrir seu mercado para o trigo russo em troca da liberação das carnes brasileiras, ocorrida há duas semanas. “Já o embargo da União Europeia foi o caso mais cabal em termos de protecionismo.”

Para a secretária-geral do Conselho Internacional de Avicultura, Marília Rangel Campos, o Brasil e o novo governo devem estar atentos a muitas coisas “para evitar barreiras comerciais injustificadas”.

O sócio-diretor da MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros, considerou “uma temeridade” afrontar o mercado árabe sem razão objetiva. A afronta, disse, seria a possível mudança da embaixada do Brasil em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém, aventada mais de uma vez pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro.

Os países árabes são importantes compradores de proteína animal do Brasil e certamente retaliariam caso a transferência da representação brasileira se concretize. “Enfrentaremos barreiras não tarifárias com negociação e ações internas”, advertiu o especialista, lembrando que o mundo passa por uma onda protecionista.

No âmbito financeiro, o consultor destacou os juros mais baixos, que favorecem o aumento da oferta de crédito privado. Já entre os antigos gargalos do setor agropecuário, “falta ampliar subsídios aos prêmios do seguro rural”.

A diretora executiva da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes, Liège Vergilli, concordou que ainda há muito por avançar no setor e isso faz com que a pecuária ganhe mais atenção neste momento, por estar em plena ascensão.

O vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, Tarcísio Hübner, defendeu em sua exposição que o grande desafio do País não está no setor de grãos, mas sim na pecuária de corte e de leite.

Ele lembrou que o rebanho brasileiro representa o dobro do americano em volume “e, ainda assim, produzimos menos carne do que eles”. O setor merece, portanto, segundo ele, atenção de seus futuros representantes.

Infraestrutura e logística. Outro setor ainda sensível e que reduz a competitividade do agronegócio brasileiro, o de infraestrutura e logística, foi abordado pela analista técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Elisangela Pereira Lopes.

Ela informou, em sua exposição, que esse setor no Brasil recebe, hoje, apenas 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em investimento. “Em meados da década de 70, esta parcela era de 2%.” Este ano, com as eleições presidenciais, a CNA elaborou um plano com dez prioridades, incluindo seguro rural, tecnologia e infraestrutura.

“Ferrogrão, retirada do Pedral do Lourenço no Rio Tocantins, asfaltamento da BR-163 e outras obras precisam sair do papel”, destacou Elisangela sobre os entraves que estão pendentes e afetam o escoamento de produtos agropecuários no País.

Ela ainda lembrou que este ano foi marcado pelo tabelamento de fretes rodoviários, desencadeado pela greve dos caminhoneiros e, atualmente, o custo para transportar milho por caminhão leva 70% do valor da saca. Nos Estados Unidos, esse valor é de 17%, o que evidencia a perda de competitividade dessa commodity no Brasil.

Ferrogrão, retirada do Pedral do Lourenço no Rio Tocantins, asfaltamento da BR-163 e outras obras precisam sair do papel
Elisangela Pereira Lopes
Assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

O diretor executivo do Movimento Pró-Logística e presidente da CTLOG, Edeon Vaz Ferreira, reforçou a necessidade de pavimentação da BR-163, importante rota de escoamento de grãos produzidos no Centro-Oeste para os portos do Arco Norte.

Segundo Ferreira, parte das obras da BR-163 está com o Exército, depois que as empresas responsáveis desistiram da empreitada. “O Exército, hoje, é lento porque precisa trocar equipe nas obras a cada 21 dias”, explicou.

Cerca de 29 quilômetros não pavimentados foram terceirizados para o Exército. Apesar da morosidade no processo, Ferreira espera que não haja problema com a BR-163 na próxima safra.

Ele calcula que cerca de 9 milhões de toneladas de grãos serão escoadas por Miritituba (PA) em 2018 e, em 2019, já serão 12 milhões de toneladas pela mesma rota. Até 2028, a perspectiva é enviar para o Norte 40 milhões de toneladas de grãos por Miritituba.

Ainda sobre o novo governo, Vaz Ferreira disse ser crítico à fusão de ministérios. “Se você funde, o ministério anterior vira secretaria com mesma estrutura. O que resolve é meritocracia dentro do serviço público”, declarou.

Ele destacou, ainda, que a questão mais importante para a logística do agronegócio hoje é promover “uma profunda mudança na lei das licitações”. “É preciso privilegiar as boas empresas e eliminar os maus prestadores de serviço.”

Pesquisa será foco da agricultura em SP, diz Junqueira

Tiago Queiroz/Estadão

Clarice Couto
Nayara Figueiredo

A pesquisa e o desenvolvimento serão pilares do agronegócio paulista no longo prazo, disse o futuro secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, Gustavo Junqueira.

Ele disse, no Summit, que teve uma reunião longa com o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues sobre o plano de governo para o Estado e que trabalhará com visões de curto, médio e longo prazos.

“Pesquisa e desenvolvimento serão o pilar da visão de longo prazo. Tem muita coisa que a gente pode e deve fazer em dinamização de pesquisa, por exemplo, com os Institutos Agronômico (IAC) e o Biológico. Queremos que eles façam pesquisa de quebra de paradigma, em parceria com a iniciativa privada; trazer o Vale do Silício para Campinas”, disse, referindo-se ao polo de tecnologia dos EUA.

No curto prazo, o plano é focar no trabalho de internacionalização da pauta da agricultura paulista: “São Paulo tem a agricultura diversificada, sofisticada e tecnificada para expandir essa pauta”. Junqueira afirmou que pretende definir quais pesquisas serão prioritárias e atrair novos pesquisadores, brasileiros e estrangeiros, para atuar na pesquisa pública em São Paulo.

Cenário é favorável à nova lei de agrotóxicos

Mesmo com grande mudança no Congresso, expectativa do setor é de aprovação do PL

Tiago Queiroz/Estadão

Clarice Couto
Nayara Figueiredo

Apesar das mudanças no Congresso e do fato de boa parte dos deputados federais e senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) não ter sido reeleita, o Projeto de Lei 6.299/2002, conhecido como PL dos Agrotóxicos, deve avançar no Congresso em 2019, na avaliação do secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luis Rangel, durante o Summit Agro Brasil 2018.

Em painel sobre o projeto, Rangel comentou que o texto já foi aprovado na Comissão Especial da Câmara que analisava o tema. Além disso, “a estrutura da FPA foi mantida e a presidente da frente, a deputada Tereza Cristina, vai para o Ministério da Agricultura. Então o projeto deve avançar”, disse.

O presidente da Adama no Brasil – fabricante de agroquímicos –, Rodrigo Gutierrez, ponderou, contudo, que, com a mudança significativa dos quadros do Legislativo, defensores do setor agropecuário nas duas Casas vão demorar um pouco para se organizar.

Mesmo com a estrutura da FPA mantida, ele lembra que houve uma mudança muito grande no Congresso. Ao mesmo tempo, o setor produtivo, agricultores e empresas terão de trabalhar para comunicar melhor seu ponto de vista. “Teremos de estar mais preparados do que estávamos neste ano”, afirmou.

Menos burocracia. O diretor do Centro de Expertise em Agricultura Tropical da Bayer, Dirceu Ferreira Júnior, defendeu o projeto e afirmou que o objetivo não é flexibilizar a lei, mas “reduzir a burocracia dos órgãos reguladores”.

Ele destacou que a indústria gasta de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões para lançar uma molécula nova, que pode levar até dez anos em pesquisa. Passada essa etapa, os reguladores demoram mais cinco a seis anos para aprovar e liberar o registro para comercialização.

“Nos EUA e no Canadá, a demora é de dois anos para a aprovação.” A morosidade faz com que as tecnologias criadas pela indústria se tornem até obsoletas quando finalmente ocorre a liberação.

A falta de comunicação eficiente por parte da indústria de agroquímicos com a sociedade também foi citada pelo presidente do conselho diretor da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), Eduardo Leduc, como entrave para a rápida aprovação da PL dos Agrotóxicos.

Ele considerou “equivocado” o modo com que o projeto foi apresentado na imprensa e também pelos opositores, como uma proposta de “ampliação” ou “flexibilização” do uso de defensivos.

“O PL não tem nada a ver com flexibilização do uso ou do registro de defensivos, pois mantém critérios científicos rigorosos para a segurança e também para a imagem do Brasil (no exterior)”, afirmou Leduc. O executivo da Andef acrescentou que o projeto exige mais dados e transparência do que as regras atuais.

Leduc e Gutierrez comentaram ainda que, enquanto opositores ao projeto, incluindo artistas e celebridades, adotaram um tom “emotivo” nos debates, a indústria manteve o tom técnico, o que pode ter dificultado a comunicação.

“Nas mídias sociais, temos de melhorar a forma de nos comunicarmos, descobrir de que maneira falar de um tema técnico”, disse Leduc.

Toxicidade. Rangel, do Ministério da Agricultura, lembrou, sob esse aspecto, que nos últimos 30 anos a toxicidade dos agroquímicos caiu de forma expressiva. “Houve uma franca desaceleração do nível de risco. Os defensivos que estão no pipeline das empresas hoje são infinitamente menos tóxicos do que os de décadas atrás.”

Para o jornalista Nicholas Vital, autor de um livro sobre o tema, apesar da defesa dos orgânicos por artistas e influenciadores, 95% da produção brasileira de alimentos é convencional.

“O discurso de produzir mais orgânicos e ao mesmo tempo preservar a Amazônia não se sustenta. Se converter toda a produção brasileira em orgânica, será preciso desmatar a Amazônia para compensar a perda de produtividade obtida com a agricultura convencional.”

Indústria espera vendas 17% maiores

Tiago Queiroz/Estadão

Clarice Couto

Enquanto a discussão sobre o PL dos Agrotóxicos não destrava, o desempenho da indústria de agroquímicos tem sido positivo nos últimos meses. A expectativa do setor é fechar 2018 com faturamento de US$ 10 bilhões, alta de 17% ante os US$ 8,7 bilhões de 2017, segundo o presidente da Adama, Rodrigo Gutierrez.

“Até setembro, a receita superou em 26% a de igual período de 2017. Muitos produtores anteciparam as compras para 2018/2019 antes das eleições, com receio de que o dólar se valorizasse muito ante o real.”

As compras se concentraram entre abril e junho, mas em agosto saltaram 98% ante igual mês do ano passado, de acordo com dados do executivo. “Foi quando Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) anunciou que o Haddad poderia concorrer à Presidência; todo mundo achou que o dólar fosse explodir.”

Diversos fatores contribuíram para o maior faturamento em 2018. O primeiro é que os estoques de produtos nas revendas de insumos no início deste ano, de US$ 3,3 bilhões, eram bem menores do que no começo de 2017, de US$ 4,2 bilhões. Para o fim de 2018, Gutierrez prevê que um volume estocado de US$ 2,8 bilhões.

“Os estoques na rede de distribuição vêm caindo gradualmente. No ano passado, a receita da indústria foi menor em virtude da devolução de produtos por parte das revendas”, disse. O bom desempenho do setor de algodão e a previsão de ampliação da área cultivada vão impulsionar os resultados.

Contribui também com a maior receita o aumento dos custos de produção e dos preços dos agroquímicos, puxado pelas restrições ambientais impostas pelo governo chinês à indústria química local, que reduziu a oferta de insumos para empresas de defensivos, assim como pela alta do dólar ante o real.

O PL não tem nada a ver com flexibilização do uso ou do registro de defensivos, pois mantém critérios científicos rigorosos para a segurança e também para a imagem do Brasil (no exterior)
Eduardo Leduc
Presidente do conselho diretor da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef)

Para executivo, uso de energia limpa vai crescer

Daniel Teixeira/Estadão

Clarice Couto
Nayara Figueiredo

O presidente da Atvos Agroindustrial, braço sucroenergético do grupo Odebrecht, Luiz de Mendonça, disse no Summit Agronegócio Brasil 2018 que a empresa acredita que a demanda por energias limpas, como o etanol, deve crescer considerando tanto o cenário no Brasil como o quadro global e a necessidade de se cumprir o Acordo de Paris. “Temos expectativa de um novo ciclo de crescimento das energias limpas.”

Questionado se o desenvolvimento de carros elétricos traz riscos à indústria de etanol, Mendonça declarou ver mais oportunidades que ameaças. “Primeiro, é preciso fazer uma análise da matriz energética que vai alimentar aquele carro, entender quão suja ela é”, afirmou.

Boa parte da matriz elétrica de diversos países tem como fonte combustíveis fósseis, como o carvão. Ele lembrou que algumas montadoras, inclusive no Brasil, estão fazendo testes em carros elétricos que também utilizam o etanol como fonte de energia. “A discussão sobre uma matriz energética mais limpa e motores eficientes traz o biocombustível para frente, porque ele é moderno e responde a essas demandas.”

Mendonça destacou, além disso, a importância do investimento em mão de obra para o setor sucroalcooleiro. “É uma indústria na qual você precisa confiar nas pessoas que estão na ponta, porque elas vão decidir onde e de que forma plantar e colher.”

Subsídio movimenta mercado de açúcar

A política de subsídios em países produtores de açúcar fez com que a oferta global do adoçante aumentasse em 25 milhões de toneladas nos últimos 10 anos. A informação é do diretor de Agronegócio do Itaú BBA, Pedro Fernandes.

Para ele, o fato de o subsídio não ter sido contestado na hora certa levou o cenário global ao que é hoje. Em contrapartida, o Brasil conseguiu retirar 10 milhões de toneladas de açúcar do mercado mundial, mudando o mix de produção para o etanol, favorecendo os preços do açúcar.