SUMMIT AGRONEGÓCIO BRASIL 2018

Os gargalos de sempre – Agora vai?

Redução dos custos com o escoamento da produção ainda dependem de investimentos rodoviários e ferroviários. Enquanto isso não ocorre, produtores buscam meios de armazenar uma produção crescente, cujo volume colhido bate recorde a cada safra, para minimizar impacto da tabela de frete editada após greve dos caminhoneiros.

21 novembro 2018

Daniel Teixeira/Estadão

Tânia Rabello

O Estado de Mato Grosso, maior produtor brasileiro de grãos, deve colher nesta safra 2018/2019 um total de 28 milhões de toneladas de milho e 32 milhões de toneladas de soja, conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em seu mais recente levantamento, de novembro.

Boa parte disso, pouco mais de 30%, já foi vendida e praticamente nem “esquentará” no silo – vai direto da lavoura para o caminhão em direção aos portos ou a agroindústrias locais. Outra grande parcela, porém, ou cerca de 40%, terá de disputar espaço em um sistema ainda deficitário de armazenagem, que obriga produtores a “guardarem” a safra a céu aberto.

A falta de silos não é exclusividade de Mato Grosso. O problema se estende a todos os Estados produtores de grãos do País. O déficit de armazenagem da safra brasileira está em cerca de 30% do total produzido, segundo o presidente substituto da Conab, Waldenor Cezário Mariot: “O Brasil tem capacidade estática para guardar 72% da produção de grãos, ou 165 milhões de toneladas”. Número que, conforme as colheitas batem recordes, só se expande, ampliando o déficit.

Estudo da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apontava que a produção brasileira de grãos cresceu de 2010 para cá a uma taxa média de 5% ao ano, enquanto a capacidade de armazenagem avançou apenas 2,2% no período.

5%

de crescimento médio ao ano na produção desde 2010, segundo o Estudo da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

2,2%

de avanço na capacidade de armazenagem, entre 2010 e 2018, segundo CNA

Além de outros gargalos logísticos, este é um dos problemas que o novo governo, que toma posse em 1.º de janeiro, terá de lidar. Não com a urgência de medidas imediatas, já que o ano-safra 2018/2019 se encerrará seis meses depois da posse, em 30 de junho, mas com a devida atenção que o problema merece.

Uma das principais reivindicações – sobretudo das empresas fabricantes de sistemas de armazenagem – é a continuidade de uma linha de crédito subsidiada que vem contribuindo para que o produtor rural consiga financiar a construção de silos na propriedade rural – o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), instituído ainda no governo Dilma Rousseff, para a safra 2013/2014, e que previa a liberação de R$ 25 bilhões em cinco anos-safra para o financiamento completo de sistemas de armazenagem, desde a obra de alvenaria para sustentar o peso do silo até os equipamentos necessários, incluindo instalações elétricas.

 

Recursos. Para este ano-safra, 2018/2019, os recursos são de R$ 2,1 bilhões, sendo R$ 700 milhões para projetos de até 6 mil toneladas, com juros de 5,25% ao ano. Acima dessa capacidade, os juros sobem a 6% ao ano. Cada beneficiário pode financiar até R$ 25 milhões, com prazo de 15 anos para pagar.

“Os fabricantes acham importante a manutenção do PCA; se a linha for extinta, deve-se criar outra em condições semelhantes”, defende o diretor-presidente da Kepler Weber – a principal empresa fabricante de silos do País –, Piero Abbondi. “É um programa muito aprovado.” A companhia calcula que de 30% a 35% das vendas do setor de armazenagem ocorram via PCA.

O diretor comercial de Armazenagem da GSI – outro fabricante –, José Viscardi, confirma a necessidade de manutenção do programa. “É um plano bastante atrativo. Deu oportunidade para que produtores menores, com capacidade para armazenar até 100 mil sacas, conseguissem financiamento a juros baixos.”

O executivo da GSI acredita em crescimento de 10% a 12% nas vendas de silos este ano, em razão de vários fatores, como safra abundante de dois anos para cá e preços valorizados de commodities agrícolas. “Mas também o PCA”, reforça.

O produtor também parece otimista com o programa. Números divulgados em 8 de novembro pelo Ministério da Agricultura sobre a contratação de crédito rural nos quatro primeiros meses do ano-safra provam isso. O avanço foi de 103% em relação a igual período do ano-safra anterior. Até o momento, R$ 368 milhões foram financiados via PCA, ante R$ 181 milhões de julho a outubro do ano passado.

“A relativa estabilidade econômica do País tem ajudado o produtor a investir”, comenta o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Wilson Vaz de Araújo. “Para 2019, com a melhora do ambiente econômico, seguramente o produtor rural se sentirá mais motivado a contrair esse tipo de crédito.”

Além de o sistema de armazenagem do País ser deficitário, ele está mal distribuído, adverte o coordenador de Produção Agrícola da CNA, Alan Malinski. “Os armazéns de grande capacidade estão distantes do produtor”, diz.

“A maior parte fica na área urbana ou nos portos.” A CNA diz que apenas 24% dos silos estão nas fazendas. Malinski também apoia a continuidade do PCA, “inclusive com redução de juros”.

Grão guardado na fazenda deve gerar economia de 30%

Epitácio Pessoa/Estadão

Tânia Rabello

Redução de custos é o principal motivo para o produtor de grãos e sementes Ricardo Cunha, da Fazenda Lagoa Bonita, em Itaberá (SP), pensar em investir em um sistema de armazenagem na propriedade, “ainda este ano, se tudo der certo”, diz.

A intenção está atualmente na fase de projeto, que ele espera concluir dentro do Plano Safra 2018/2019, para possivelmente entrar com pedido de financiamento via Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), linha do BNDES.

Cunha calcula que precisará de pelo menos R$ 8 milhões em recursos para construir toda a obra – entre a fundação em alvenaria e a estrutura do silo em si – para armazenar, inicialmente, 12 mil toneladas. “É um investimento modular”, diz Cunha.

Se o projeto vingar, não precisará mais guardar sua safra – 15 mil toneladas de soja; 14 mil toneladas de milho safrinha e 8,5 mil toneladas de trigo – em armazéns de terceiros, como faz atualmente.

“Eu calculo reduzir em 30% meus custos com armazenagem, tendo silo próprio”, comenta o agricultor, lembrando ainda do gasto adicional que os produtores rurais ganharam de “brinde” este ano, com a instituição da tabela do frete, que encareceu os transportes.

“Com os grãos guardados na propriedade, consigo comercializá-los em períodos de frete mais barato, de menor demanda por caminhões”, justifica o produtor, que investiu, inclusive, em transporte próprio para baratear seus custos.

Com a necessidade de armazenar a safra fora da propriedade, ele conta que paga também pelo transporte de “água”. “A soja sai da lavoura com umidade entre 16% e 18% e segue para a cooperativa. Ali seca mais um pouco até atingir 13,5% a 14% de umidade e poder ser guardada; já o milho é colhido com 25% de umidade, quando o nível ideal para estocar é de 13,5% a 14%”, exemplifica. E a água pesa, e muito, na tonelagem do caminhão, e é inclusa nos custos. Mas depois evapora e o dinheiro é perdido.

Atualmente, a Fazenda Lagoa Bonita possui capacidade de armazenagem para apenas 3,3 mil toneladas, num investimento feito há 15 anos. Se não contasse com armazéns de terceiros – principalmente das cooperativas Castrolanda e Holambra –, Cunha conta que teria dificuldades em guardar toda a produção.

Ele acrescenta que sempre consegue vaga para seus grãos, pelo bom relacionamento, de anos, que mantém com as cooperativas. Mas vê, cada vez mais, a necessidade de contar com armazenagem própria, para se tornar mais competitivo.

Sobre o próximo governo, ele espera que a linha PCA se mantenha no próximo Plano Safra, referente ao ciclo 2019/2020, que vai se iniciar em 1.º de julho de 2019. “Há um déficit grande de armazenagem no País e essa linha de crédito auxilia”, relata ele, acrescentando que, com a melhoria da logística de escoamento da safra, o próximo governo sabe que o problema de armazenagem “é sério”. “O setor todo sabe.”

Rodovias 'comem' lucro do produtor

Tiago Queiroz/Estadão

Marleine Cohen, Especial para O Estado

Em sete anos, um total de 2,3 bilhões de toneladas de carga será movimentado no Brasil, entre regiões produtoras, mercados consumidores e terminais de exportação. Cerca de 45% desse tráfego terá origem na Região Sudeste, que também será destino de 34% dos fretes, e 60% – incluindo produtos agropecuários – serão transportados exclusivamente por rodovias.

Esses números constam no Plano Nacional de Logística 2025, da Empresa de Planejamento e Logística (EPL). A permanecer a histórica dependência das rodovias para escoamento da safra de grãos, a competitividade do produto “made in Brazil” estará definitivamente comprometida.

Para reverter esse cenário, a receita passa por integração entre rodovias, ferrovias e hidrovias, mas também por “mais privatizações no setor, com concorrência intermodal e forte investimento em hidrovias e ferrovias”, defende o presidente da Agroconsult, André Pessôa.

2,3 bilhões

de toneladas de cargas serão movimentadas no Brasil nos próximos sete anos

“Grãos têm baixo valor agregado para serem transportados por rodovia, o modal mais caro. E são distâncias grandes a percorrer”, cita Pessôa. Por isso, ele recomenda que o novo governo, de Jair Bolsonaro, que tomará posse em 1.º de janeiro, deve estimular investimentos em hidrovias e ferrovias, principalmente naquelas que conduzem aos portos do Arco Norte, no Norte do País, para tornar o transporte de grãos mais competitivo.

Estudo da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) indica, de fato, que o predomínio da exportação agropecuária do Centro-Norte pelos portos do Sul e Sudeste faz com que os ganhos obtidos pela elevada produtividade das lavouras e com o uso de novas tecnologias sejam consumidos pelo frete rodoviário.

A CNA mostra que o custo do frete exclusivamente rodoviário para movimentar um carregamento de grãos entre Sorriso (MT) e Santos (SP) chegava, em 2014, a US$ 126/tonelada, enquanto a opção de escoar a mesma carga por via terrestre para o Norte, até Mirituba (PA), utilizando a BR-163, e de lá, hidrovia até o Porto de Belém (PA), cairia para US$ 80, uma redução de 36%.

Grãos têm baixo valor agregado para serem transportados por rodovia, o modal mais caro. E são distâncias grandes a percorrer
André Pessôa
Presidente da Agroconsult

Tabela. Com a instituição da tabela de preços mínimos para o frete, depois da greve de caminhoneiros, em maio, as rodovias ficaram mais impeditivas, fato que tem travado a negociação futura de grãos, pela indefinição sobre preços e quem arcará com o custo do transporte.

O diretor executivo do Movimento Pró-Logística, Edeon Vaz Ferreira, diz que, sem dúvida, “a grande solução, de longo prazo, seria reforçar as malhas ferroviária e hidroviária”. Isso resultaria em redução do valor do frete, “tornando o produto nacional mais competitivo lá fora e aqui.

Estudos da EPL comprovam que se o governo conseguisse executar todos os projetos à mesa para organizar a logística do transporte de cargas no País – integrando e ampliando ferrovias, hidrovias, rodovias e também armazenagem –, o custo do transporte na atividade econômica, não só na agropecuária, despencaria o equivalente a R$ 33 bilhões ao ano, a partir de 2025.

Para tanto, deveria haver uma readequação da participação das estradas de ferro na matriz do transporte nacional – passando de 20% para 31% do total das cargas transportadas no País – e da rede rodoviária, que cairia de 61% para 50%.

Escoamento sofre com falta de investimentos

Dida Sampaio/Estadão

Marleine Cohen, Especial para O Estado

Ano a ano, os gargalos que resultam da falta de investimentos em infraestrutura – que não ultrapassam 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil – têm comprometido a capacidade de escoamento da produção agrícola pelas rodovias do País.

O nó logístico, decorrente da insuficiente malha rodoviária instalada, da falta de manutenção ou do elevado custo das operações, é um dos fatores que contribuem para que o Brasil ocupe o 72.º lugar no Ranking Global de Competitividade do Fórum Econômico Mundial, entre 140 países, ficando longe da “fronteira de competitividade”. No Brics – Brasil, Índia, China e Rússia –, está em último lugar. A China segue em primeiro no bloco, embora no ranking geral detenha a 28.ª posição.

Com a matriz de transporte nacional baseada sobretudo nas rodovias (60%) – ante 20% por ferrovia e 13% por hidrovia –, o custo médio do deslocamento da tonelada de grãos no Brasil chega a ser até seis vezes maior do que nos Estados Unidos (1.º no ranking do Fórum Mundial).

De acordo com comparação do Movimento Pró-Logística, o transporte, por caminhão, de uma tonelada de soja de Sorriso, município mato-grossense que figura entre os maiores produtores da oleaginosa no País, em direção ao Porto de Santos (SP) e daí até a China custa US$ 111. A mesma tonelada, nos Estados Unidos, sai de Illinois por hidrovia até o Porto de Nova Orleans e de lá para o país asiático por US$ 56. Ou seja, o frete brasileiro é 98% maior.

O transporte rodoviário pesa ainda mais na safra total e no bolso do produtor quando se leva em consideração que a produção de grãos se deslocou, nos últimos anos, para longe dos centros logísticos bem estruturados do Sul-Sudeste.

Conforme levantamento de safra da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do início de novembro, o Centro-Oeste será responsável pela produção de 53,69 milhões de toneladas de soja na atual safra, ou 45% da colheita total, de 119,26 milhões de toneladas.

Ou seja, o principal produto da pauta de exportações brasileira terá de se deslocar por rodovias ainda deficitárias, seja para os portos do Sul-Sudeste ou do Norte, agravando a competitividade brasileira.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges, recomenda, por isso, ser fundamental que o novo governo não só mantenha a agenda de concessões rodoviárias, mas também acabe com o “apagão das canetas”, situação que tem paralisado decisões importantes em diversos segmentos, principalmente no rodoviário.

 

Iniciativa privada. Borges lembra que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, tem destacado a necessidade de atrair capital privado para os projetos que propõem melhorar os marcos regulatórios para garantir segurança jurídica aos investimentos. “Ele está se colocando como um governo liberal que entende a importância do setor privado no desenvolvimento do País e, de forma bem objetiva, na infraestrutura”, disse.

Para Borges, o País ficou “paralisado” e até mesmo “andou para trás” no setor rodoviário durante o governo de Michel Temer, muito em função do “apagão das canetas” – conflito entre Poderes que acabou travando a agenda de infraestrutura.

Uma das maiores evidências dessa situação é a lei que permite a “devolução amigável” das concessões, que aguarda decreto para regulamentá-la há mais de um ano. “O governo faz uma medida provisória, transforma em lei e depois não regulamenta. É uma lei morta até agora, sem uso, inócua”, frisa.

 

Parcerias. Além da regulamentação das relicitações, a ABCR defende a manutenção do cronograma de licitações do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Entre os projetos que deveriam ser prioritários, ele menciona as rodovias cujos estudos estão sendo assessorados pelo IFC, braço do Banco Mundial, e a Empresa de Planejamento e Logística (EPL).

É o caso do trecho da BR-153 entre Anápolis (GO) e Aliança do Tocantins (TO), que havia sido arrematado pela Galvão Engenharia na terceira etapa da concessões rodoviárias federais, mas acabou abandonado e voltou às mãos do governo em meados do ano passado.

“É importante que o próximo governo se qualifique e se fortaleça para levar a mensagem da importância e das soluções (do setor) para os órgãos de controle. Para o TCU, Ministério Público Federal e também para os órgãos ambientais”, afirma Borges. / Colaborou Letícia Fucuchima

Entraves afetam quatro ferrovias essenciais

Dida Sampaio/Estadão

Marleine Cohen, Especial para O Estado

Alternativa para reduzir a dependência do Brasil pelas estradas, os projetos ferroviários têm enfrentado entraves para sair do papel. A Norte-Sul, por exemplo, começou em 1987 e até hoje não foi concluída; a Transnordestina era para ser entregue em 2010 e está em menos da metade; e a Ferrovia da Integração Oeste-Leste (Fiol) continua praticamente parada.

Num país de dimensões como o Brasil, não é possível trabalhar apenas com o caminhões, afirmam especialistas. É preciso apostar na integração de modais, como rodovia, ferrovia, hidrovia e cabotagem – transporte marítimo no País.

Para a assessora técnica da Comissão de Logística e Infraestrutura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Elisangela Pereira Lopes, o setor produtivo tem dado sinais das necessidades dessa multimodalidade, que pode trazer redução de até 40% no custo logístico. Mas para conseguir usufruir dos benefícios, antes é preciso aprender a lidar com os desafios na execução dos projetos.

De mesa em mesa. A Ferrogrão é a menina dos olhos do agronegócio, mas está travada por decisões judiciais que questionam os estudos feitos até agora. Idealizado para ligar Mato Grosso ao Pará, o projeto circula de mesa em mesa há cinco anos nas esferas governamentais. As audiências públicas já foram feitas e o processo precisa agora passar pelo Tribunal de Contas da União, o TCU.

Outra obra de importância estratégica para o agronegócio é a Ferrovia Norte-Sul – projeto iniciado no governo de José Sarney. A concessão envolve 1.537 quilômetros, ligando Estrela d’Oeste (SP) a Porto Nacional (TO), dividido em dois trechos: o primeiro, com 855 km, entre Porto Nacional e Anápolis (GO), já em funcionamento. O segundo, entre Ouro Verde de Goiás (GO) e Estrela d’Oeste, já conta com 95% dos seus 682 km executados.

Com 1.527 km de extensão, entre Ilhéus (BA) e Figueirópolis (TO), a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) também tem potencial para se tornar um importante corredor de escoamento de minério do sul da Bahia, partindo dos municípios de Caetité e Tanhaçu, e de grãos do oeste baiano.

O primeiro trecho, ligando Ilhéus a Caetité, de 537 km, acaba de passar por consulta pública, em setembro. A conclusão da obra, no entanto, ainda é uma incerteza já que depende da construção de um porto em Ilhéus.

Uso de rios daria R$3,7 bi de economia

Monalisa Lins/Estadão

Marleine Cohen, Especial para O Estado

Relegado a uma importância menor, o modal hidroviário poderia representar, segundo especialistas, uma economia de R$ 3,7 bilhões ao ano.

A navegabilidade do Rio Tocantins, no Norte do País, por exemplo, responderia por R$ 1,7 bilhão, caso fosse contratada uma obra de derrocamento do Pedral do Lourenço (TO) – trecho de 43 km de extensão de pedras que estão no leito do rio e impede a passagem das embarcações.

Com o Rio Tapajós, que nasce em Mato Grosso e deságua no Rio Amazonas, e o Rio Juruena, afluente do Tapajós, seriam poupados outros R$ 2 bilhões.

Segundo Edeon Vaz Ferreira, diretor executivo do Movimento Pró-Logística, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) concluiu o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental do Tapajós, mas o Juruena não pôde ser estudado no trecho em que passa pelo Parque Nacional do Juruena.

“Para viabilizar a navegação no Tapajós, é preciso construir as Hidrelétricas de São Luiz do Tapajós, Jatobá e Chacorão.”, explica Vaz Ferreira.

Outros cursos d’água dependem de dragagem, derrocamento ou sinalização. É o caso do Rio Madeira, também no Norte do País. Segundo Vaz Ferreira, o Dnit contratou em 2017 um projeto-piloto de dragagem do Madeira pelo prazo de cinco anos.

“O resultado ainda não é satisfatório para manter a navegação com calado suficiente o ano todo”, adverte Vaz Ferreira.

A saída é pelo Norte, mas chegar até lá é difícil

Daniel Teixeira/Estadão

Renée Pereira

Quase 30% das exportações de grãos do Brasil já saem pelos portos do chamado Arco Norte – corredor que inclui os terminais de Santarém e Vila do Conde (PA), Itacoatiara (AM), São Luís (MA) e Santana (AP). Sonho antigo dos produtos do Centro-Oeste, a saída pelo Norte tem crescido a uma taxa média de 28% ao ano, segundo dados do Ministério da Agricultura.

Nesse mesmo período, as exportações pelos portos do Sul e Sudeste, que ainda representam 70% do volume total, cresceram a um ritmo bem menor, numa média anual de 8%.

A expectativa dos agricultores e das agroindústrias exportadoras é de que essa dinâmica continue nos próximos anos. A estratégia é escoar toda produção adicional pelos terminais do Norte e manter o ritmo atual das estruturas do Sul. Mas, se novos investimentos não forem feitos, esses planos podem não ser concretizados.

O diretor do Departamento de Infraestrutura e Logística do Ministério da Agricultura, William Chianca, afirma que a capacidade dos terminais do Arco Norte está atualmente em 40 milhões de toneladas. A safra atual já deve alcançar 34 milhões de toneladas escoadas por ali.

Se as taxas de crescimento continuarem no mesmo nível deste ano, em mais uma safra a capacidade estará toda tomada, diz o executivo. Segundo ele, essas informações já têm sido repassadas para o Ministério dos Transportes, responsável por fomentar o desenvolvimento logístico do País.

Hoje o sistema Belém-Vila do Conde é o que tem a maior capacidade de escoamento de grãos, em torno de 15 milhões de toneladas, segundo o Ministério da Agricultura. Nessa rota, operada por grandes empresas como Bunge, Hidrovias do Brasil e ADM, os produtores usam a multimodalidade para transportar a safra.

Nesse caso, boa parte dos grãos sai do Centro-Oeste por caminhão pela BR-163 até Miritituba (PA), onde é feito o transbordo da carga para barcaças. Os comboios seguem durante quatro dias pelo rio até Belém, onde a carga é colocada em grandes navios rumo ao mercado internacional.

No trajeto, os produtores têm economizado cerca de 40% do valor do frete comparado à rota pelo Porto de Santos – hoje responsável pela maior parte da soja exportada pelo Brasil – e Paranaguá (PR).

O segundo sistema, com capacidade de 10 milhões de toneladas, é São Luís. Nesse corredor, a carga é transportada por rodovia e ferrovia até o Porto de Itaqui. Para o diretor do Movimento Pró-Logística, Edeon Vaz Ferreira, o esgotamento da capacidade ainda não preocupa, já que as grandes empresas como Bunge, Cargill e Hidrovias do Brasil conseguiriam facilmente duplicar seus projetos no Norte.

A Hidrovias, por exemplo, investiu R$ 1,5 bilhão na operação Norte e já transporta mais de 3 milhões de toneladas de grãos. A expectativa é alcançar 6,5 milhões em 2020. Mas a empresa tem planos para uma segunda fase de investimentos, que ampliariam a capacidade para 8,5 milhões de toneladas de grãos ao ano. A Bunge começou com 2 milhões de toneladas e já está com 4 milhões de capacidade, conforme o ministério.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) destaca que há dez projetos em análise para serem licitados no Norte do País. Nem todos, no entanto, são para granéis sólidos e envolvem terminais de combustíveis.

De qualquer forma, o governo espera bons resultados depois que reviu as taxas de retornos dos leilões. Algumas licitações feitas neste ano não tiveram propostas da iniciativa privada por falta de rentabilidade, afirmam fontes.

Chianca alerta, entretanto, que a instalação do terminal pode demorar até quatro anos. Ou seja, é preciso agilidade para não estrangular o corredor.

Acessos. Vaz Ferreira, do Pró-Logística, destaca que esse não é o único problema. Ele defende que o governo se concentre em eliminar os gargalos nos acessos para se chegar aos portos. Os entraves da BR-163 já estão menos complicados do que no passado, mas ainda não foram totalmente resolvidos.

Segundo o Ministério dos Transportes, dos 710 quilômetros da rodovia localizados entre a divisa com Mato Grosso até a entrada do Porto de Miritituba, 654 km já foram pavimentados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Os 56 km que ainda precisam ser asfaltados estão divididos em dois lotes de obras, sendo um deles sob responsabilidade do Exército.

“Com a proximidade do inverno amazônico, o Dnit, em parceria com o Exército brasileiro e a Polícia Rodoviária Federal, implementou algumas ações na rodovia para manter a trafegabilidade no trecho não asfaltado durante o período de chuvas intensas na região, que coincide com o escoamento da safra de grãos da Região Centro-Oeste para os portos da Região Norte”, afirmou o ministério, em nota.

Os entraves da BR-163 já estão menos complicados do que no passado, mas ainda não foram totalmente resolvidos
Vaz Ferreira
Pró-Logística

Mas os obstáculos não se limitam à BR-163. O governo precisa resolver outro problema antigo: o Pedral de São Lourenço, que limita o transporte pelo Rio Tocantins. As obras complementares para tornar o rio navegável já duram quase dez anos e até hoje não foram concluídas. Trata-se da derrocagem do Pedral, que fica próximo à eclusa de Tucuruí. Sem a obra, os comboios com milhares de toneladas de carga não conseguem ultrapassar um trecho de 35 km durante o período seco, entre agosto e janeiro.

O Ministério dos Transportes afirma que os estudos ambientais e o projeto básico já foram concluídos e protocolados no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). A expectativa é de que o licenciamento ambiental seja obtido em 2019 e as obras, iniciadas no início de 2020. Atualmente a navegação no rio ocorre durante apenas quatro meses.

“Com o início das obras, esperamos elevar para seis meses”, diz o executivo. Ele destaca que o derrocamento do Pedral também vai permitir que novas áreas de plantação sejam ampliadas no Pará e em Mato Grosso.

A assessora técnica da Comissão Nacional de Infraestrutura e Logística da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Elisângela Pereira Lopes, também é defensora das melhorias no acesso aos portos do Norte.

“Acreditamos que para o Arco Norte continuar ampliando sua participação nas exportações brasileiras, o governo terá de criar mais condições para que o produto chegue até os portos de forma ágil, eficiente e menos custosa.” Ela cita como exemplo a BR-020, planejada no governo de Juscelino Kubitschek e que até hoje tem boa parte de seu trajeto sem pavimentação entre Bahia e Piauí.

Aposta da iniciativa privada é a Ferrogrão

Renée Pereira

A aposta dos produtores do Centro-Oeste para acelerar o escoamento pelo Arco Norte é a construção da Ferrogrão, ferrovia idealizada por grandes produtores, como Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus, e pela EDLP.

O projeto, de R$ 12,7 bilhões, prevê a construção de cerca de mil quilômetros de trilhos entre Sinop (MT) e Miritituba. Mas, desde o início de novembro, o processo está parado por uma liminar concedida ao Ministério Público Federal.

12,7 bilhões

de reais serão investidos na construção de mil quilômetros de trilhos

A decisão determina que um novo diagnóstico ambiental seja feito na área onde se pretende construir a ferrovia. A Justiça considerou que o estudo ambiental apresentado tem falhas, como omissão das comunidades quilombolas afetadas.

A interrupção pode atrapalhar o cronograma que vinha sendo trabalhado especialmente pelos sócios do projeto. O Estado apurou que a expectativa era de que o leilão fosse realizado em maio do próximo ano.

Consulta. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) já havia concluído as consultas públicas e incluído o relatório na pauta da diretoria da agência para aprovação. Depois disso, o documento seria encaminhado à diretoria e, em seguida, para o Tribunal de Contas da União.

Para especialistas, as interrupções são rotina nos projetos ferroviários, que demoram décadas para serem concluídos. Pelo tamanho da produção de Mato Grosso, dizem eles, o País já deveria ter desenvolvido e construído uma ferrovia para escoar a produção pelo Norte.

Hoje, os trens que atendem ao Estado descem rumo aos portos do Sul, e ainda assim não têm capacidade para atender à toda a demanda. Outra alternativa que escoa a produção do Centro-Oeste é a Ferrovia Norte-Sul, que consegue fazer ligação com o Porto de Itaqui, onde foi construído o Terminal de Grãos (Tegram).

Os idealizadores da Ferrogrão decidiram fazer um estudo completo da BR-163, entre Sinop (MT) e Santarém (PA) e doar ao governo federal. A ideia é desenhar um projeto que permita a concessão do trecho rodoviário por dez anos enquanto a ferrovia não ficar pronta. Os estudos começaram em setembro e deverão ser entregues ao novo governo em janeiro de 2019.