Médicos ‘ressuscitam’ antibióticos obsoletos

Combate a bactérias resistentes requer combinação perigosa de drogas

27º Curso Estado de Jornalismo

Gabriel Justo, Naomi Matsui e Samuel Quintela

A falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos antibióticos está levando médicos a recorrerem a drogas antigas e tóxicas para tratar infecções. Medicamentos como a Polimixina B, da década de 1960, estão sendo combinados com substâncias recentes para burlar os mecanismos de defesa das “superbactérias”, resistentes aos remédios disponíveis no mercado. “Somos obrigados a recuperar essas drogas esquecidas por não haver remédios novos no mercado”, afirma Gabriel Cuba, infectologista do Hospital 9 de Julho. O risco é essas drogas já em desuso, sem terem sido testadas com rigor no passado, causarem complicações renais e danos ao sistema nervoso.

Uma das combinações mais comuns entre antibióticos envolve justamente a Polimixina B e o Imipeném, desenvolvido na década de 1980, época em que foram apresentadas as últimas inovações para o tratamento de infecções por bactéria. Desde 1987, nenhuma classe nova de antibiótico foi descoberta ou patenteada. Ao mesmo tempo, as bactérias evoluíram e os remédios existentes perderam a eficácia. Alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que doenças como gonorreia, pneumonia e alguns tipos de tuberculose já não têm antibióticos capazes de curá-las isoladamente.

Outro fator agravou esse quadro: o consumo indiscriminado desses remédios. “Paro de tomar assim que me sinto bem, e guardo os comprimidos que sobram para a próxima vez”, afirma o publicitário Daniel Bovolento, de 24 anos, que tem de quatro a cinco amigdalites por ano. Como resultado, a amoxilina – uma das drogas mais modernas para combater bactérias – parou de fazer efeito. É o que pode acontecer quando um antibiótico é administrado de forma errada ou se o tratamento não for completo. Bovolento precisou tomar Clavulin, um antibiótico que age combinado ao clavunato de potássio para vencer as defesas da bactéria. Mas quanto maior é a associação de drogas, maior o risco, alerta o infectologista Ralcyon Teixeira, do Hospital Emílio Ribas. “Você aumenta ainda mais a toxicidade do remédio, mas em alguns casos é a única saída”, diz.

As perspectivas não são animadoras: nenhum antibiótico completamente novo deverá passar por testes nos próximos cinco a dez anos, alerta a pesquisadora Cristina D’Urso, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Tivemos muito pouco investimento. Então, teremos um futuro negro na próxima década”, afirma. Segundo ela, as patentes de novos antibióticos em desenvolvimento mostram um desinteresse da indústria por essas drogas. São as drogas mais caras, para doenças como câncer e aids, que concentram os esforços de laboratórios e pesquisadores.

Atualmente, apenas um em cada cinco antibióticos em fase de testes chega ao mercado. “Temos percebido muitas ações para financiar o desenvolvimento de novas drogas, mas o funil ainda é muito estreito”, explica Manica Balasegaram, diretor do Programa de Pesquisa Global de Antibióticos da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês).