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Nascido e criado no Fuscão

Quase todo brasileiro tem uma história relacionada ao Fusca, e com o estudante de artes cênicas Kaique Analio não é diferente. Em julho de 1994, sua mãe, Waldenice, grávida, foi levada para a maternidade em Itanhandu, no Sul de Minas, a 250 km de São Paulo, no Fuscão 1972 da irmã Valdete, moradora da vizinha Passa Quatro. Kaique nasceu no dia 11 daquele mês, seis dias antes da final da Copa do Mundo que seria vencida pelo Brasil. Vestindo um macacão azul, o bebê viajou para casa no mesmo carro.

O Fuscão serviu à professora Valdete por mais alguns anos, até que ela se aposentasse. Desgastado pelo uso nas estradas de terra da região, o carro foi encostado na casa do pai dela, João, e por lá permaneceu. Mas Kaique nunca se deligou dele. "Eu tinha 11, 12 anos, e tirava o Fusca da garagem para lavar. De vez em quando, até dava uma voltinha dirigindo. Eu ficava namorando o carro", recorda o estudante, hoje com 21 anos. "Quando alguém me levava para escola nele, então, era uma festa."

Ao atingir a maioridade, e já com a carteira de habilitação nas mãos, o rapaz convenceu a tia a patrocinar uma reforma completa do besouro. O trabalho incluiu viagens a São Paulo para a compra de peças e acessórios nas lojas especializadas da região da Avenida Duque de Caxias, uma espécie de shopping center para os donos de carros clássicos. O esforço valeu a pena. O Fuscão amarelo colonial hoje brilha como novo, e, impecável, só sai da garagem para os passeios de Kaique e Valdete, ainda dona oficial do Sedan.

A restauração compreendeu serviços de funilaria, pintura, mecânica, elétrica e tapeçaria. "Esse carro estava bem desgastado, deu trabalho", conta o funileiro Marinho, especializado em carros antigos. Ele realizou o serviço mais pesado em sua oficina, no centro de Passa Quatro. Por fora, o carro ganhou novas rodas, calotas cromadas, pneus com faixa branca, para-choques com garras, lanternas pata-de-cavalo monocromáticas e umbelo par de faróis de longo alcance com lentes amarelas. O motor, o tradicional 1.500, foi revisado e o dínamo, substituído por alternador para garantir melhor funcionamento do sistema elétrico.

No interior, os bancos foram mantidos no padrão de fábrica, mas a tonalidade escolhida para as capas foi o bege claro, mesma cor dos painéis de portas. O revestimento da cabine e do "chiqueirinho" atrás do banco traseiro é marrom. O fornecedor do material foi um renomado tapeceiro do interior de São Paulo, especializado na linha Volkswagen. "Achamos essa cor mais bonita e alegre", explicou Kaique.

O aplique imitando jacarandá, no painel, também é novo, e não tem o buraco para a instalação de rádio. O estudante manteve o volante estilo cálice original, preto, com aro de buzina cromado e o brasão de São Bernardo do Campo no botão do centro. A peça carrega as marcas dos 44 anos de uso, e que ajuda a contar a história do carro que Valdete comprou em 1982 - o Fuscão, na época, já tinha passado pelas mãos de outros dois donos. No futuro, o carro ficará oficialmente nas mãos de Kaique, herdeiro legítimo que não prende se desfazer de sua história por preço nenhum. (Roberto Bascchera)

Inspiração de um ídolo das pistas

Em 1955, o jovem paulistano Bird Clemente ganhou do pai um Fusca 1951. O modelo, importado da Alemanha, ainda era uma novidade. Mas apesar do charme e das linhas peculiares, o desempenho do carrinho não agradava ao rapaz que acabara de completar 18 anos e, apesar do jeitão compenetrado e dos óculos de grossos aros pretos, gostava mesmo era de acelerar.

Bird levou o carro à oficina Argos, no bairro do Butantã, de propriedade de Jorge Lettry. Logo constaram que o motor de 25 cv não daria conta do apetite do jovem e Lettry instalou uma unidade mais "brava", além de uma barra estabilizadora que daria àquele besouro uma aptidão bem maior parafazer curvas. Reforçava-se aí uma ligação de amizade que se estendeu para as pistas de corrida, quando Bird, aos 21 anos, começou a acelerar em Interlagos e se tornou um dos maiores nomes da história do automobilismo brasileiro, com vitórias nas Mil Milhas Brasileiras, 500 Km de Interlagos e dezenas de outras provas.

Primeiro piloto profissional do País, Bird correu pelas equipes Vemag e Willys. Também acelerou, e venceu, de Opala e Maverick. Conviveu e inspirou gerações de pilotos, dos irmãos Fittipaldi a Nelson Piquet e Ayrton Senna. Hoje, aos 78 anos, vive em uma espaçosa casa num condomínio na Grande São Paulo. Ele já chegou a ter 40 carros antigos em sua coleção, mas conserva apenas um: o Fusca 1967 bege Nilo impecável, pouco rodado e com placa preta. “Nos anos 60, o Volkswagen estava em todas as famílias. Era um carro pequeno, útil, bom de guiar. Era chique ter um Fusca. Eu tenho o meu e gosto muito”, afirma. (Roberto Bascchera)