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O carro como ganha-pão

Surrado, o Sedan 1300-L 1978 está com os para-choques amassados, sem o farol esquerdo e sem banco do passageiro, que "foi jogado fora porque atrapalhava". A carroceria, na tonalidade Vermelho Anhembi, tem uma espessa camada de sujeira preta. Os pneus há tempos passaram da hora de ser substituídos. Faltam parafusos nas rodas. Mas é com esse Fusca que o vendedor ambulante de tapiocas e açaí Antônio ("não precisa divulgar meu sobrenome", diz), nascido há 71 anos no Alto da Mooca, se desloca e compra matéria-prima para abastecer o carrinho de aço inox onde prepara suas iguarias, na zona leste de São Paulo.

O carro escapou do desmanche ao ser comprado quase por acaso há três anos, por R$ 800. "O Fusca ficou dez anos encostado em uma garagem. O neto da dona pretendia desmontá-lo e vender as peças na internet", conta o atual proprietário. "Então, fiz uma proposta e o levei para casa."

Além de ser útil no pequeno negócio, o velho Fusca ajuda o vendedor a esquecer os 40 anos em que trabalhou como raspador de tacos e pintor de paredes. "A vida era muito dura. Hoje ganho meu dinheiro com açaí e tapioca. Não é muito, mas dá para viver, está bom. O que eu queria mesmo é que o Lata Velha (programa do apresentador Luciano Huck, na TV Globo) reformasse meu carro. Aí ele só iria sair de casa para desfilar". (Roberto Bascchera)

Do Capão Redondo a estrela de TV

Em 1999, Olivier Anquier realizava trabalho social no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, quando um carro estacionado no bairro, um dos mais carentes da cidade, chamou sua atenção. Nas semanas seguintes, enquanto ensinava jovens e adolescentes as bases da fabricação de pães, o surrado Fusquinha não saía de sua cabeça. E de sua vista. Até que um dia surgiu a placa "vende-se". "Ele estava muito mal cuidado, mas completo. Carroceria, interior, tudo. Bati na porta e comprei por R$ 500", conta o chef de cozinha, apresentador e empresário.

Após alguns meses de reforma completa, e de R$ 10 mil de investimento, o Sedan 1962 voltou à vida em grande estilo, na tonalidade verde Amazonas. Para isso contou a experiência do chef. Quando ainda morava na França, Anquier foi sócio de uma empresa de restauração de clássicos. Hoje, o Fusca é praticamente seu único carro. "Nós temos na família um outro veículo para viagens para Bocaina e deslocamentos com equipamentos para gravações, mas no dia a dia eu só ando de moto. Eu não considero o Fusca um carro. Ele é um xodó, um personagem. Fusca não é utilitário, é poesia."

O Sedan verde ganhou mais que vida nova. Com motor 1.500 no lugar do original 1.200, ele virou estrela nos programas Diário do Olivier, na GNT, e Domingo Espetacular, na TV Record. Em 2008, o carro subiu ao palco do Teatro Aliança Francesa, em São Paulo, na peça interativa "Olivier, Fusca e Fogão".

Anquier conta que sua relação com o Fusca começou em 1972, quando, ainda na França, seu pai comprou um exemplar conversível amarelo, com o qual "a família viajava nas férias puxando um barquinho a vela". Foi nesse Fusca que o então adolescente aprendeu a dirigir. "A gente acampava muito, acampamento selvagem, não em camping. Nas estradinhas de terra, meu pai me colocava no volante."

Já estabelecido no Brasil, e naturalizado brasileiro, Anquier foi dono de um Fusca 1986 Última Série e de um "Itamar" Série Ouro 1996. O apresentador também teve um Passat Pointer. "Eu tinha todos esses carros porque morava em uma vila no bairro de Pinheiros e podia estacioná-los. Depois que me mudei, o único que ficou comigo e que ficará para sempre é o verdão. Hoje, eu o considero meu único carro." (Roberto Bascchera)